Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5156988-80.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Extinção sem julgamento de mérito em relação aos intervalos enquadrados administrativamente,
em virtude da ausência de interesse processual.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- “Perfil Profissiográfico Previdenciário” – PPP e laudos técnicos indicam a exposição habitual e
permanente a ruído em nível superior aos limites de tolerância previstos nas normas
regulamentares.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Incabível o enquadramento do período posterior ao último documento comprobatório da
especialidade.
- A controvérsia a respeito do computo de período em gozo de auxílio-doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
STJ.
- Somado o período enquadrado (devidamente convertido) aos lapsos incontroversos, a parte
autora conta mais de 35 anos de serviço na data do requerimento administrativo. Ademais, o
requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142, da Lei n. 8.213/1991.
Assim, estão preenchidos dos requisitos exigidos para a concessão da aposentadoria por tempo
de contribuição integral.
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na
data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido
pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte: (i) a correção
monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem
como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii) os
juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a
vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao
mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do
débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento do julgado (consoante
a Súmula n. 111 do STJ), diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da
sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo
inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo
n. 1.124 do STJ.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Extinção parcial, com fundamento no artigo 485, VI, § 3º, do CPC.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5156988-80.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ARISTIDES BUZANELI NETO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARIA INEZ FERREIRA GARAVELLO - SP265415-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ARISTIDES BUZANELI
NETO
Advogado do(a) APELADO: MARIA INEZ FERREIRA GARAVELLO - SP265415-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5156988-80.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ARISTIDES BUZANELI NETO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARIA INEZ FERREIRA GARAVELLO - SP265415-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ARISTIDES BUZANELI
NETO
Advogado do(a) APELADO: MARIA INEZ FERREIRA GARAVELLO - SP265415-N
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial e
posterior conversão em tempo comum, com vistas à concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade dos
períodos de 12/11/1981 a 1º/4/1982, 21/5/1986 a 21/1/1991, 22/7/1991 a 13/9/1994, 1º/8/2006 a
4/5/2008, 5/5/2012 a 4/5/2013 e 5/5/2016 a 4/12/2017.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual aduz a impossibilidade dos
enquadramentos efetuados e requer a improcedência dos pedidos. Prequestiona a matéria para
fins recursais.
Não resignada, a parte autora também interpôs apelação, na qual pugna pelo reconhecimento
da especialidade de todo o período de 1º/8/2006 a 5/2/2018, com a consequente concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (DER).
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5156988-80.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ARISTIDES BUZANELI NETO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARIA INEZ FERREIRA GARAVELLO - SP265415-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ARISTIDES BUZANELI
NETO
Advogado do(a) APELADO: MARIA INEZ FERREIRA GARAVELLO - SP265415-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Inicialmente, verifica-se que o período de 21/5/1986 a 21/1/1991 já foi reconhecido como
especial e computado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS no processo
administrativo do benefício NB 42/185.471.820-4 (Id. 190243922 - Pág. 120), o que configura a
ausência de interesse processual.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, em relação aos períodos controversos de 12/11/1981 a 1º/4/1982, 22/7/1991 a
13/9/1994 e 1º/8/2006 a 4/12/2017, a parte autora logrou demonstrar, via laudos técnicos das
empresas (para os intervalos de 12/11/1981 a 1º/4/1982 e 22/7/1991 a 13/9/1994) e
emprestado de ação trabalhista (para 5/5/2008 a 4/5/2012 e 5/5/2013 a 4/5/2016) e PPP (para
os interstícios de 1º/8/2006 a 4/5/2008, 5/5/2012 a 4/5/2013 e 5/5/2016 a 4/12/2017), que
exercia as atividades com exposição habitual e permanente ao agente nocivo “ruído” em nível
superior ao limite de tolerância previsto nas normas regulamentares, situação que autoriza o
enquadramento.
Ademais, o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada para a
aferição do ruído. Os registros ambientais constantes dos formulários, expedidos por
engenheiro ou médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a
fidedignidade das informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu
representante legal. Nesse sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO -
5000006-92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES,
julgado em 21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Esclareço que, neste caso específico, o laudo técnico emprestado dos autos de reclamação
trabalhista é documento hábil a demonstrar especialidade das atividades desempenhadas pela
parte autora, uma vez que foi realizada a perícia in loco na empresa em que o requerente
efetivamente trabalhou e a análise técnica ocorreu em relação às mesmas funções e período.
Ressalte-se, ainda, que o laudo pericial elaborado na Justiça do Trabalho foi emitido por perito
judicial, equidistante das partes, não tendo a autarquia arguido qualquer vício a elidir suas
conclusões.
Nesse sentido decidiu o STJ:
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO INEXISTENTE. DEVIDO
ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS.
1. Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da
pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.
2. Mostra-se legítima a produção de perícia indireta, em empresa similar, ante a impossibilidade
de obter os dados necessários à comprovação de atividade especial, visto que, diante do
caráter eminentemente social atribuído à Previdência, onde sua finalidade primeira é amparar o
segurado, o trabalhador não pode sofrer prejuízos decorrentes da impossibilidade de produção,
no local de trabalho, de prova, mesmo que seja de perícia técnica.
3. Em casos análogos, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto à
legalidade da prova emprestada, quando esta é produzida com respeito aos princípios do
contraditório e da ampla defesa.
Recurso especial improvido." (RESP 1.397.415/RS, Min. Humberto Martins, DJe: 20/11/2013)
(g.n.)
Nessa esteira, esta Corte Regional também já se pronunciou: ApReeNec – Apelação/Remessa
Necessária - 2131810 0006065-81.2011.4.03.6183, Desembargador Federal Luiz Stefanini, 8ª
Turma, e-DJF3: 22/11/2018; AR - Ação Rescisória - 11247 0012431-85.2016.4.03.0000,
Desembargador Federal Baptista Pereira, 3ª Seção, e-DJF3: 7/6/2018.
Além disso, diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Quanto ao enquadramento dos períodos em gozo de auxílio-doença previdenciário, de
25/6/2011 a 10/9/2011, 8/9/2012 a 24/10/2012, e por acidente de trabalho, em 20/6/2009 a
9/8/2009, a sentença não merece reparos.
A controvérsia a respeito da possibilidade de cômputo do período de auxílio-doença como
tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo
n. 998 do STJ, de que “o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em
gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo
período como tempo de serviço especial” (STJ, REsp 1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel.
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe
01/08/2019).
É oportuno referir que, nos períodos imediatamente anteriores ao recebimento do citado
benefício por incapacidade, a parte autora esteve exposta a agentes nocivos, sendo a
especialidade reconhecida.
Por outro lado, especificamente ao interstício de 5/12/2017 a 5/2/2018, é inviável o
enquadramento pretendido.
Com efeito, trata-se de período não descrito no PPP, nem no laudo técnico, que não pode ser
enquadrado como especial, por ausência de documento apto a atestar a exposição aos agentes
nocivos ou a permanência nas mesmas funções.
Ademais, sequer houve efetiva prestação de serviço neste período, conforme se extrai da
anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) ao indicar, como último dia
trabalhado, a data de 4/12/2017, informação que coincide com a constante do Cadastro
Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Assim, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a
peça inicial, qual seja: carrear prova documental como formulários padrão, laudo técnico
individualizado e PPP - documentos aptos a individualizar a situação fática e comprovar a
especificidade ensejadora do reconhecimento de possível agressividade, inviabilizando,
portanto, o enquadramento pretendido.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos interregnos de 5/5/2008 a 4/5/2012 e 5/5/2013 a 4/5/2016, em acréscimo aos demais já
reconhecidos administrativamente (21/5/1986 a 21/1/1991) e pelo Juízo a quo (12/11/1981 a
1º/4/1982, 22/7/1991 a 13/9/1994, 1º/8/2006 a 4/5/2008, 5/5/2012 a 4/5/2013 e 5/5/2016 a
4/12/2017), ora mantidos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Ademais, somados os períodos especiais ora reconhecidos (devidamente convertidos) aos
demais interstícios incontroversos, a parte autora conta mais de 35 anos de serviço na data do
requerimento administrativo (DER – 17/8/2018), conforme planilha disponível em:
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/B2X2M-V4VXG-S4KKB.
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral pleiteada.
Quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito
dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte
controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP,
1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou
revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a
contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037,
II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha
processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da
questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da
apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da
parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da
Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Assim, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da
questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que
vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Dos consectários
Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte:
(i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal;
(ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao
mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
Contudo, desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a
apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples,
nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada
com juros e correção monetária.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a
extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos
sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no
Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa
verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade
alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, extingo o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, VI, §
3º, do CPC, com relação ao pedido de enquadramento do interstício de 21/5/1986 a 21/1/1991
e, no mérito, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à apelação da
parte autora para, nos termos da fundamentação: (i) determinar o enquadramento, como
atividade especial, dos interstícios de 5/5/2008 a 4/5/2012 e 5/5/2013 a 4/5/2016, em acréscimo
aos reconhecidos na sentença, (ii) reconhecer o direito e determinar a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição; (iii) fixar os efeitos financeiros da condenação desde
a data da citação (parte incontroversa da questão afetada), observado, na fase de cumprimento
de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124
do STJ; (iv) fixar os consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Extinção sem julgamento de mérito em relação aos intervalos enquadrados
administrativamente, em virtude da ausência de interesse processual.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n.
4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi
reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n.
1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- “Perfil Profissiográfico Previdenciário” – PPP e laudos técnicos indicam a exposição habitual e
permanente a ruído em nível superior aos limites de tolerância previstos nas normas
regulamentares.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI
não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Incabível o enquadramento do período posterior ao último documento comprobatório da
especialidade.
- A controvérsia a respeito do computo de período em gozo de auxílio-doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
STJ.
- Somado o período enquadrado (devidamente convertido) aos lapsos incontroversos, a parte
autora conta mais de 35 anos de serviço na data do requerimento administrativo. Ademais, o
requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142, da Lei n. 8.213/1991.
Assim, estão preenchidos dos requisitos exigidos para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral.
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada)
na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser
estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da
Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte: (i) a correção
monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente,
bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal; (ii)
os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do
débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do
disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e
correção monetária.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento do julgado
(consoante a Súmula n. 111 do STJ), diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão
da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o
termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema
Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Extinção parcial, com fundamento no artigo 485, VI, § 3º, do CPC.
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu extinguir o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485,
VI, § 3º, do CPC, com relação ao pedido de enquadramento do interstício incontroverso, negar
provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
