Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5748689-36.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
19/11/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 22/11/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. TECELÃ. ENQUADRAMENTO. RUÍDO INFERIOR AOS
LIMITES DE TOLERÂNCIA. EXPOSIÇÃO EVENTUAL A AGENTES BIOLÓGICOS.
IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO NA DER.
CONSECTÁRIOS. APELAÇÃO AUTORAL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Superadas, portanto, a limitação
temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade
de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- Até a entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n.
9.032/1995, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação
de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário
preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), para atestar a existência das condições
prejudiciais. Contudo, para o agente agressivo o ruído, sempre houve necessidade da
apresentação de laudo técnico.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp Repetitivo n.
1.398.260).
- OSupremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar
a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto,
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a
nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
- O campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) refere-se à
atenuação dos fatores de risco e não à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
- O Parecer n. 85/1978 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho reconhece o caráter
especial das atividades laborativas exercidas em indústrias de tecelagem, sendo possível o
enquadramento do respectivos períodos como tecedeira e auxiliar de fiação (anteriores a Lei n.
9.032/1995)ainda que sem a apresentação do respectivo laudo técnico.
- Demonstrada a exposição a ruído em níveis inferiores aos limites previstos em lei, é inviável o
enquadramento especial.
- Não caracterizada a exposição habitual e permanente à agentes biológicos nocivos à saúde no
exercício de atividades essencialmente relacionadas à coordenação e auxílio em serviços de
limpeza em clínica médica, inviávelo reconhecimento especial pretendido.
- Viável o enquadramento especial doslapsos de 6/4/1978 a 20/10/1980 e de 6/1/1981 a
1º/3/1987, os quais devem ser convertidos em comum pelo coeficiente de 1,2, por tratar-se de
segurada do sexofeminino.
- O requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n.
8.213/1991.
- Somados os períodos ora enquadrados (devidamente convertidos) ao montante incontroverso
apurado administrativamente, a parte autora contava mais de 30 anos de serviço na data
requerimento administrativo (DER 23/11/2016) e, portanto, preenche os requisitos exigidos para a
concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/99, com a incidência do fator
previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 85 pontos (Lei n. 8.213/1991, art.
29-C,II, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
- O termo inicial da aposentadoria por tempo de contribuição corresponde à data do requerimento
administrativo, visto que os elementos presentes naquele momento já permitiam o
enquadramento ora efetuado.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E, afastada a incidência da Taxa Referencial (TR).
Repercussão Geral no RE n. 870.947.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Fica o INSS condenado a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já
aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença),
consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia,
na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo 85, § 4º,
II, do mesmo código, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos)
salários mínimos.
- A autarquia previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora conhecida e parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5748689-36.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SELMA APARECIDA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO NERY - SP284716-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5748689-36.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SELMA APARECIDA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO NERY - SP284716-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA: trata-se de ação de conhecimento
proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço
especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A r. sentença julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual exora a procedência integral dos pedidos
arrolados na inicial.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta EgrégiaCorte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5748689-36.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SELMA APARECIDA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO NERY - SP284716-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA: conheço da apelação, porquanto
presentes os requisitos de admissibilidade.
Passo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Do enquadramento e da conversão de período especial em comum
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido, reporto-me à jurisprudência firmada pelo Colendo STJ:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO
ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODO TRABALHADO.
1. Com as modificações legislativas acerca da possibilidade de conversão do tempo exercido em
atividades insalubres, perigosas ou penosas, em atividade comum, infere-se que não há mais
qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regras aplicam-se ao trabalho
prestado em qualquer período, inclusive após 28/05/1998. Precedente desta 5.ª Turma.
2. Recurso especial desprovido."
(STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe
7/4/2008)
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt
no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento
da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu
nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Nesse sentido, o STJ, ao julgar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do
CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que
reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo
de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em
regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a
nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto,
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a
nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Neste caso, a parte autora postula o enquadramento dos interstícios de 6/4/1978 a 20/10/1980,
de 6/1/1981 a 1º/3/1987, de 19/9/1997 a 30/6/2003 e de 1º/9/2003 a 30/9/2008.
Em relação aos intervalos de 6/4/1978 a 20/10/1980 e de 6/1/1981 a 1º/3/1987, nos quais a
autora exerceu, respectivamente, os ofícios de auxiliar de fiação (Id. 69976869 - p. 9) e de
tecedeira(Id. 69976868 - p. 1) em indústria de tecelagem, é viável o enquadramento especial.
Embora essas profissões não estejam previstas nos Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979, é
certo que esses trabalhadores estão sujeitos a condições especiais prejudiciais à sua saúde,
tendo em vista ser notório o elevado nível de ruído proveniente das máquinas existentes nas
fábricas de tecelagem.
A propósito, o Parecer n. 85/1978 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho reconhece o
caráter especial das atividades laborativas exercidas em indústrias de tecelagem, possibilitado o
respectivo enquadramentoaté 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995), ainda que sem a apresentação de
laudo técnico.
Quanto aos intervalos de 19/9/1997 a 30/6/2003 e de 1º/9/2003 a 30/9/2008, não é possível o
enquadramento especial.
Nesses períodos a parte autora trabalhava para uma empresa prestadora de serviços, exercendo
suas atividades em uma clínica médica, e sustenta a sujeição à agentes biológicos prejudiciais à
sua saúde.
Para tanto, apresenta PPP (Id. 69976871 - p. 16/18), o qual aponta, como fatores de risco,
apenas a exposição a ruído em níveis inferiores aos limites previstos em lei.
No mais, esse PPP indica as funções de servente e de líder, bem como descreve o exercício de
trabalhos burocráticos e de coordenação, além de atividades relacionadas à limpeza de
ambientes, à coleta de lixo e à remoção de recipientes com resíduos orgânicos
(sangue/secreções).
Com efeito, diante dessas descrições (essencialmente relacionadas à coordenação e auxílio em
serviços de limpeza) não está caracterizada a exposição habitual e permanente à agentes
biológicos nocivos à saúde, o que impede o reconhecimento especial pretendido.
De fato, a única relação da autora com possíveis agentes biológicos decorreria da eventual
remoção de recipientes contendo sangue e secreções.
Esse labor, além de eventual, em nada se assemelha aquele que comumente ensejaria o
enquadramento pretendido, o qual envolve contato com pacientes portadores de doenças
infectocontagiosas ou o manuseio de materiais contaminadosde maneira habitual e permanente.
No mais, sublinhe-se o fato de que o recebimento de adicional de insalubridade e o registro, nos
dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), de indicador de exposição à agente
nocivo passível de comprovação (IEAN), não comprovam, por si só, a especialidade das
atividades discutidas.
Nessa esteira, apenas os lapsos de 6/4/1978 a 20/10/1980 e de 6/1/1981 a 1º/3/1987 devem ser
enquadrados como atividade especial, convertidos em comum (fator de conversão de 1,2 -
mulher) e somados aos demais lapsos incontroversos.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para obtenção
da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época da
Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito
de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Quanto ao tempo de serviço, somados os períodos ora enquadrados (devidamente convertidos)
ao montante incontroverso apurado administrativamente, a parte autora contava mais de 30 anos
de serviço na data requerimento administrativo (DER 23/11/2016).
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral requerida (regra permanente do art. 201, § 7º,
da CF/1988).
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com a incidência do fator
previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 85 pontos (Lei n. 8.213/1991, art.
29-C, inc. II, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Passo à análise dos consectários.
O termo inicial da aposentadoria por tempo de contribuição corresponde à data do requerimento
administrativo (DER 23/11/2016), visto que os elementos presentes naquele momento já
permitiam o enquadramento ora efetuado.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017).
Fica afastada a incidência da Taxa Referência (TR) na condenação, pois a Suprema Corte, ao
apreciar embargos de declaração apresentados nesse recurso extraordinário, decidiu pela não
modulação dos efeitos.
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês,
contadosda citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência
do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser
utilizada a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante
alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09
(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux), observada, quanto ao
termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em
19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data
deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em
vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do Superior Tribunal
de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito
econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.85, § 4º, II, do CPC).
Com relação às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, tal isenção não exime a
Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte
autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, conheço da apelação da parte autora edou-lhe parcial provimento, para, nos
termos da fundamentação: (i) enquadrar como atividade especial e converter em comum (fator de
conversão de 1,2) os interstícios de 6/4/1978 a 20/10/1980 e de 6/1/1981 a 1º/3/1987; (ii)
determinar a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, desde
a data do requerimento administrativo (DER 23/11/2016); (iii) discriminar, por consequência, os
demais consectários legais.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. TECELÃ. ENQUADRAMENTO. RUÍDO INFERIOR AOS
LIMITES DE TOLERÂNCIA. EXPOSIÇÃO EVENTUAL A AGENTES BIOLÓGICOS.
IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO CONCEDIDO NA DER.
CONSECTÁRIOS. APELAÇÃO AUTORAL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Superadas, portanto, a limitação
temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade
de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- Até a entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n.
9.032/1995, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação
de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário
preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), para atestar a existência das condições
prejudiciais. Contudo, para o agente agressivo o ruído, sempre houve necessidade da
apresentação de laudo técnico.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp Repetitivo n.
1.398.260).
- OSupremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar
a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto,
divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a
nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
- O campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) refere-se à
atenuação dos fatores de risco e não à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
- O Parecer n. 85/1978 do Ministério da Segurança Social e do Trabalho reconhece o caráter
especial das atividades laborativas exercidas em indústrias de tecelagem, sendo possível o
enquadramento do respectivos períodos como tecedeira e auxiliar de fiação (anteriores a Lei n.
9.032/1995)ainda que sem a apresentação do respectivo laudo técnico.
- Demonstrada a exposição a ruído em níveis inferiores aos limites previstos em lei, é inviável o
enquadramento especial.
- Não caracterizada a exposição habitual e permanente à agentes biológicos nocivos à saúde no
exercício de atividades essencialmente relacionadas à coordenação e auxílio em serviços de
limpeza em clínica médica, inviávelo reconhecimento especial pretendido.
- Viável o enquadramento especial doslapsos de 6/4/1978 a 20/10/1980 e de 6/1/1981 a
1º/3/1987, os quais devem ser convertidos em comum pelo coeficiente de 1,2, por tratar-se de
segurada do sexofeminino.
- O requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n.
8.213/1991.
- Somados os períodos ora enquadrados (devidamente convertidos) ao montante incontroverso
apurado administrativamente, a parte autora contava mais de 30 anos de serviço na data
requerimento administrativo (DER 23/11/2016) e, portanto, preenche os requisitos exigidos para a
concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/99, com a incidência do fator
previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 85 pontos (Lei n. 8.213/1991, art.
29-C,II, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
- O termo inicial da aposentadoria por tempo de contribuição corresponde à data do requerimento
administrativo, visto que os elementos presentes naquele momento já permitiam o
enquadramento ora efetuado.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E, afastada a incidência da Taxa Referencial (TR).
Repercussão Geral no RE n. 870.947.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Fica o INSS condenado a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento)
sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já
aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença),
consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n.111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia,
na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo 85, § 4º,
II, do mesmo código, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos)
salários mínimos.
- A autarquia previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelação da parte autora conhecida e parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer da apelação da parte autora e lhe dar parcial provimento, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
