Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
0351484-34.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
23/07/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/07/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. ATIVIDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. TRATORISTA.
ENQUADRAMENTO PELA ATIVIDADE. RUÍDO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO À
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação
ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. No caso, à evidência, não se
excede esse montante.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- Testemunhos colhidos não comprovam que a parte autora laborou nas lides campesinas nos
intervalos anteriores a 31/10/1991.
- Conjunto probatório insuficiente para demonstrar o labor rural desempenhado no interstício
pleiteado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, consta da CTPS e do laudo pericial o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e
corte de corte de cana-de-açúcar, fato que permite o enquadramento da atividade como especial.
- Ainda, depreende-se da documentação juntada aos autos, o exercício da função de tratorista,
fato que também permite o reconhecimento de sua natureza especial apenas pelo
enquadramento profissional, nos termos das normas regulamentares. Precedentes.
- Comprovada exposição habitual e permanente a ruído em nível superior ao limite de tolerância
previstos nas normas regulamentares.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e
parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral.
- Termo inicial mantido na data do requerimento administrativo.
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº0351484-34.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO CARLOS FERREIRA
Advogados do(a) APELADO: JEAN CLEBERSON JULIANO - SP253546-N, REYNALDO
CALHEIROS VILELA - SP245019-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº0351484-34.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO CARLOS FERREIRA
Advogados do(a) APELADO: JEAN CLEBERSON JULIANO - SP253546-N, REYNALDO
CALHEIROS VILELA - SP245019-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à concessão de aposentadoria especial
ou, subsidiariamente, aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para, em síntese, reconhecer a especialidade dos
interstícios descritos no laudo pericial, determinar a respectiva conversão dos períodos em tempo
comum e condenar a autarquia a conceder a aposentadoria, desde a data do requerimento
administrativo. Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual sustenta a impossibilidade dos
enquadramentos efetuados e a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente insurge-se contra o
termo inicial do benefício. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº0351484-34.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO CARLOS FERREIRA
Advogados do(a) APELADO: JEAN CLEBERSON JULIANO - SP253546-N, REYNALDO
CALHEIROS VILELA - SP245019-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Não obstante, não conheço da remessa oficial, por ter sido proferida a sentença na vigência do
atual Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de
jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Passo à análise das demais questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55, e respectivos parágrafos, da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C, do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça, examinando
a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
No caso, a parte autora busca o reconhecimento do labor rural desempenhado sem registro em
Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, especificamente nos períodos de 16/11/1970
a 08/07/1976, 09/09/1977 a 06/03/1978, 02/05/1980 a 01/06/1980, 01/07/1981 a 24/11/1981,
05/01/1982 a 21/04/1982, 26/07/1982 a 31/10/1983, 16/08/1985 a 29/08/1985, 03/05/1990 a
22/05/1990, 20/12/1990 a 30/04/1991, 01/06/1992 a 09/12/1992, 17/12/1993 a 31/05/1994,
28/09/1994 a 18/10/1994, 29/11/1994 a 07/05/1995, 01/11/1995 a 12/05/1996, 15/12/1996 a
30/04/1997, 12/11/1997 a 16/04/1998, 13/12/1998 a 05/04/1999, 01/11/1999 a 30/04/2000,
26/10/2000 a 06/05/2001, 10/12/2001 a 21/04/2002, 26/10/2002 a 31/05/2004, 12/03/2005 a
05/06/2005, 27/06/2009 a 31/03/2010, 10/02/2011 a 23/10/2011, 23/08/2012 a 12/02/2013 e
13/12/2013 a 20/01/2014.
Nesse contexto, embora haja vínculos rurais em CTPS nos períodos intercalados aos acima
mencionados, a prova testemunhal produzida, vaga e imprecisa, não se mostra apta à
comprovação do alegado trabalho nos interregnos não registrados.
Com efeito, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório não forneceram elementos
seguros para afirmar o trabalho rurícola sem registro entre 16/11/1970 e 31/10/1991,
considerando que a testemunha que se reporta ao tempo mais remoto, Sr. João Guardia Filho,
refere que conhece a parte autora há cerca de 18 (dezoito) anos e não revela ter presenciado o
labor rural antes desse período.
As demais testemunhas, Srs. Osvaldo Bento e Valdivino Francisco Vitor, por sua vez, afirmam
que conhecem a parte autora há 12 (doze) e 17 (dezessete) anos, respectivamente, de modo que
também não são aptas a corroborar o trabalho rural nos interregnos anteriores.
Cumpre salientar que o possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na
qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da
legislação previdenciária em comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos
previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla
a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição.
Nesse sentido: STJ, EDcl nos EDcl; REsp n. 208.131/RS; 6ª Turma; Relatora Ministra Maria
Thereza De Assis Moura; Julgado em 22/11/2007; DJ 17.12.2007, p. 350.
Também, a Súmula n. 272 daquele Colendo Tribunal:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a
produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher
contribuições facultativas."
No mesmo sentido, os demais julgados desta Corte: AC n. 2005.03.99.035804-1/SP, Rel. Des.
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 8/10/2010 e ED na AC 2004.03.99.001762-2/SP, Rel.
Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJF3 29/7/2010.
Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo que o labor rural em contenda não restou
demonstrado.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No caso dos autos, quanto aos períodos de 09/07/1976 a 08/09/1977, 07/03/1978 a 30/04/1980,
02/06/1980 a 30/06/1981, 25/11/1981 a 04/01/1982, 01/11/1983 a 15/08/1985, 30/08/1985 a
02/05/1990, consta laudo técnico, que atesta o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e
corte de corte de cana-de-açúcar, fato que permite o enquadramento da atividade como especial.
Com efeito, a atividade desenvolvida nas lavouras de cana-de-açúcar envolve desgaste físico
excessivo, sujeição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, além do contato com a fuligem da
cana-de-açúcar, o que demonstra a extrema penosidade da função.
Esse também é o entendimento desta Nona Turma: ApCiv 5555531-16.2019.4.03.9999,
Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, Data: 9/8/2019; ApCiv 0000424-
68.2015.4.03.6120, Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3: 7/8/2019.
Em relação aos interstícios de 23/05/1990 a 19/12/1990, 02/05/1991 a 05/12/1991, 08/06/1993 a
16/12/1993, 01/06/1994 a 27/09/1994, 19/10/1994 a 28/11/1994, 08/05/1995 a 31/10/1995,
13/05/1996 a 14/12/1996, 02/05/1997 a 11/11/1997, 17/04/1998 a 12/12/1998, 06/04/1999 a
30/10/1999, 02/05/2000 a 25/10/2000, 07/05/2001 a 09/12/2001, 22/04/2002 a 25/10/2002,
01/04/2010 a 09/02/2011, constam laudo técnico e anotações em Carteira de Trabalho e
Previdência Social (CTPS) da função de tratorista, a qual permite o reconhecimento de sua
natureza especial, por enquadramento profissional, até 28/4/1995, pois a jurisprudência
dominante equipara-o ao de "motorista de ônibus" ou de "motorista de caminhão". Nesse sentido:
TRF3, 10ª Turma, AC n. 00005929820004039999, Relator Desembargador Federal Sérgio
Nascimento, DJU 16/11/2005.
Não obstante, para os períodos acima indicados e, ainda, de 24/10/2011 a 21/01/2012 e
21/01/2014 a 10/07/2017, consta do laudo técnico que a parte autora exercia suas atividades com
exposição habitual e permanente ao agente nocivo “ruído” em nível médio superior aos limites
previstos nas normas em comento.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é
realmente capaz de neutralizar a nocividade do agente.
Por outro lado, no tocante aos interregnos de 22/04/1982 a 25/07/1982, 01/06/2004 a 11/03/2005,
06/06/2005 a 26/05/2009, 21/05/2012 a 22/08/2012, 13/02/2013 a 12/12/2013, é inviável o
enquadramento, pois, embora apontada como fator de risco no laudo pericial, a sujeição às
intempéries da natureza (condições climáticas - sol, chuva, frio, calor, radiações não ionizantes,
poeira etc.), por si só, é insuficiente a caracterizar o trabalho no campo como insalubre ou
penoso.
Nesse sentido: TRF3, 10ª Turma, AC n. 0035126-48.2012.4.03.9999, Relator: Des. Fed. Baptista
Pereira, Julgamento: 14/10/2014; e TRF3, 3ª Seção AC n. 2001.03.99.013747-0/SP, Rel. Des.
Fed. Marisa Santos; Julgamento 11/05/2005; DJU 14/07/2005.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos interregnos de 09/07/1976 a 08/09/1977, 07/03/1978 a 30/04/1980, 02/06/1980 a 30/06/1981,
25/11/1981 a 04/01/1982, 01/11/1983 a 15/08/1985, 30/08/1985 a 02/05/1990, 23/05/1990 a
19/12/1990, 02/05/1991 a 05/12/1991, 08/06/1993 a 16/12/1993, 01/06/1994 a 27/09/1994,
19/10/1994 a 28/11/1994, 08/05/1995 a 31/10/1995, 13/05/1996 a 14/12/1996, 02/05/1997 a
11/11/1997, 17/04/1998 a 12/12/1998, 06/04/1999 a 30/10/1999, 02/05/2000 a 25/10/2000,
07/05/2001 a 09/12/2001, 22/04/2002 a 25/10/2002, 01/04/2010 a 09/02/2011, 24/10/2011 a
21/01/2012, 21/01/2014 a 10/07/2017.
Nessas circunstâncias, a parte autora não conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade
especial e, desse modo, não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo
57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época da
Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito
de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de
contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens)
e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Ainda, somados os lapsos incontroversos ao labor especial reconhecido e devidamente
convertido, a parte autora conta mais de 35 anos na data do requerimento administrativo, de
modo que estão presentes os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição requerida.
O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo (DER),
consoante entendimento sedimentado no STJ.
Os demais consectários não foram objeto de questionamento nas razões recursais, de modo que
se mantêm à luz do julgado a quo.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma
à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial e dou parcial provimento à apelação do INSS
para, nos termos da fundamentação,julgar improcedente o pedido de reconhecimento de trabalho
rural sem registro em CTPSe delimitar o enquadramento da atividade especial aos interstícios de
09/07/1976 a 08/09/1977, 07/03/1978 a 30/04/1980, 02/06/1980 a 30/06/1981, 25/11/1981 a
04/01/1982, 01/11/1983 a 15/08/1985, 30/08/1985 a 02/05/1990, 23/05/1990 a 19/12/1990,
02/05/1991 a 05/12/1991, 08/06/1993 a 16/12/1993, 01/06/1994 a 27/09/1994, 19/10/1994 a
28/11/1994, 08/05/1995 a 31/10/1995, 13/05/1996 a 14/12/1996, 02/05/1997 a 11/11/1997,
17/04/1998 a 12/12/1998, 06/04/1999 a 30/10/1999, 02/05/2000 a 25/10/2000, 07/05/2001 a
09/12/2001, 22/04/2002 a 25/10/2002, 01/04/2010 a 09/02/2011, 24/10/2011 a 21/01/2012,
21/01/2014 a 10/07/2017.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. ATIVIDADE RURAL. CONJUNTO PROBATÓRIO
INSUFICIENTE. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. TRATORISTA.
ENQUADRAMENTO PELA ATIVIDADE. RUÍDO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO À
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação
ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos. No caso, à evidência, não se
excede esse montante.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- Testemunhos colhidos não comprovam que a parte autora laborou nas lides campesinas nos
intervalos anteriores a 31/10/1991.
- Conjunto probatório insuficiente para demonstrar o labor rural desempenhado no interstício
pleiteado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, consta da CTPS e do laudo pericial o exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e
corte de corte de cana-de-açúcar, fato que permite o enquadramento da atividade como especial.
- Ainda, depreende-se da documentação juntada aos autos, o exercício da função de tratorista,
fato que também permite o reconhecimento de sua natureza especial apenas pelo
enquadramento profissional, nos termos das normas regulamentares. Precedentes.
- Comprovada exposição habitual e permanente a ruído em nível superior ao limite de tolerância
previstos nas normas regulamentares.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e
parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral.
- Termo inicial mantido na data do requerimento administrativo.
- Ausência de contrariedade à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial e dar parcial provimento à apelação do
INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
