
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005940-38.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BRUNA FERREIRA SOARES
Advogado do(a) APELADO: DEMOSTENES DE OLIVEIRA LIMA SOBRINHO - SP204419-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005940-38.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BRUNA FERREIRA SOARES
Advogado do(a) APELADO: DEMOSTENES DE OLIVEIRA LIMA SOBRINHO - SP204419-A
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) em face da sentença que julgou procedente o pedido de auxílio por incapacidade temporária, de 28/8/2018 a 18/4/2023, acrescidos dos consectários legais, antecipados os efeitos da tutela.
Decisão não submetida ao reexame necessário.
No mérito, alega a perda da qualidade de segurado e exora a reforma integral do julgado. Aduz, ainda, a prescrição quinquenal e impugna os honorários de advogado e as custas judiciais. Prequestiona a matéria.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5005940-38.2020.4.03.6110
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: BRUNA FERREIRA SOARES
Advogado do(a) APELADO: DEMOSTENES DE OLIVEIRA LIMA SOBRINHO - SP204419-A
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral.
A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.
Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.
A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.
Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.
Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).
São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).
O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.
Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.
Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.
Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.
No caso dos autos, os dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS revelam vínculo trabalhista em aberto desde 1/3/2004, sendo a última remuneração em 2/2008, bem como o recebimento de auxílio-doença de 18/11/2005 a 23/3/2017.
A perícia médica judicial, realizada no dia 18/4/2022, constatou a incapacidade laboral total e temporária da autora (nascida em 1974, qualificada no laudo como gerente administrativa), por ser portadora de depressão.
O perito fixou a data de início da incapacidade (DII) em 28/8/2018 e estimou prazo de um ano de tratamento.
Lembro, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial.
Na hipótese, os documentos médicos apresentados, conquanto apontem as mesmas doenças atestadas pelo laudo pericial, evidenciam a existência de incapacidade antes da data de início da incapacidade fixada pelo perito judicial.
Nesse sentido, o relatório médico de fl. 42 do pdf, datado de 11/2/2019, declara a realização de tratamento psiquiátrico no Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) da Prefeitura de Votorantim desde 2014, "desde então com sintomas ansiosos, depressivos, sem melhora mesmo com o uso de diversas medicações". Reporta-se, ainda, à internação "por 3 dias devido à instabilidade do quadro".
Do mesmo modo, o relatório médico de fl. 82 do pdf, datado de 21/3/2019 e subscrito pela médica psiquiatra do CAPS da Prefeitura de Votorantim reporta o histórico de "diversas internações devido a crises de ansiedade" e declara a ausência de melhora do quadro.
Também foram apresentados documentos referentes aos atendimentos realizados no serviço de saúde da Prefeitura de Votorantim, durante o ano de 2017, que referem a persistência dos sintomas e a falta de resposta ao tratamento medicamentoso (fls. 210/ 213 do pdf).
Nessas circunstâncias, a vasta documentação apresentada demonstra a persistência da incapacidade laboral da autora posteriormente à cessação do benefício por incapacidade laboral.
Observa-se, ademais, que depois de cessado o benefício por incapacidade laboral, concedido pelas mesmas doenças apontadas no laudo pericial, a autora não retornou ao desempenho de suas atividades laborativas habituais.
Aplica-se ao caso, portanto, o entendimento jurisprudencial dominante no sentido de que o beneficiário não perde o direito ao benefício se restar comprovado que não deixou de trabalhar voluntariamente, e sim em razão de doença incapacitante.
A respeito, a jurisprudência de que é exemplo o acórdão abaixo transcrito:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PREQUESTIONAMENTO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. INCAPACITAÇÃO TOTAL E PERMANENTE. REEXAME DE PROVA. DOENÇA PREEXISTENTE. AGRAVAMENTO. ART. 42, § 2º, DA LEI Nº 8.213/91.
(...) Não implica na perda de direito ao benefício de aposentadoria por invalidez no caso de segurado que deixa de contribuir para previdência por estar incapacitado para o labor.
(...)" (STJ - RECURSO ESPECIAL - 199900480953/SP, QUINTA TURMA, DJ 06/09/1999, p.131, Rel. FELIX FISCHER)
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou entendimento no sentido de que a prova técnica prestar-se-ia unicamente para nortear o convencimento do juízo quanto à pertinência do novo benefício, mas não para atestar o efetivo momento em que a moléstia incapacitante se instalou.
Confiram-se:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CITAÇÃO VÁLIDA. MATÉRIA JÁ DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC.
1. O tema relativo ao termo inicial de benefício proveniente de incapacidade laborativa já foi exaustivamente debatido nesta Corte, a qual, após oscilações, passou a rechaçar a fixação da Data de Início do Benefício - DIB a partir do laudo pericial, porquanto a prova técnica prestar-se-ia unicamente para nortear o convencimento do juízo quanto à pertinência do novo benefício, mas não para atestar o efetivo momento em que a moléstia incapacitante se instalou.
2. Atualmente a questão já foi decidida nesta Corte sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), restando pacificada a jurisprudência no sentido que "A citação válida informa o litígio, constitui em mora a autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação". (REsp 1.369.165/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, DJe 7/3/2014).
3. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1311665/SC, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 17/10/2014)"
Nesse passo, é lícito concluir não ter ocorrido a perda da qualidade de segurado da autora quando expirado o período de graça após o encerramento de seu benefício previdenciário.
Em decorrência, é devido o auxílio por incapacidade temporária, na esteira dos precedentes que cito:
"RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL. 1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais. 2. Recurso improvido". (REsp 501267 / SP RECURSO ESPECIAL 2003/0018983-4 Relator(a) Ministro HAMILTON CARVALHIDO (1112) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 27/04/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 28/06/2004 p. 427)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO. COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E TEMPORÁRIA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO A CONTAR DO LAUDO PERICIAL. I - A consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS comprova o preenchimento da carência exigida por Lei e a manutenção da qualidade de segurado da autora quando do ajuizamento da ação. II - As conclusões obtidas pelo laudo pericial comprovam a incapacidade total e temporária da autora para o exercício de atividade laborativa, devendo ser concedido o auxílio-doença. III - Não houve fixação do início da incapacidade, razão pela qual a data de início do benefício deve corresponder à data do laudo pericial. IV - Remessa oficial e apelação do INSS parcialmente providas. Tutela antecipada". (APELREE - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 1497185 Processo: 2010.03.99.010150-5 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento:13/09/2010 Fonte: DJF3 CJ1 DATA:17/09/2010 PÁGINA: 836 Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS)
Em relação à prescrição quinquenal, esta não se aplica ao caso concreto, pois ela só se aplica às prestações do benefício anteriores a 5 (cinco) anos do ajuizamento da ação. Nesse sentido: TRF 3ª R; AC n. 2004.61.83.001529-8/SP; 7ª Turma; Rel. Des. Fed. Walter do Amaral; J. 17/12/2007; DJU 8/2/2008, p. 2072.
Também não merece prosperar a irresignação da autarquia quanto às custas processuais, uma vez que não houve condenação na sentença nesse sentido.
É mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual fixo em 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (artigo 85, § 4º, II, do CPC).
Por fim, quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo que não houve qualquer infringência a dispositivos de lei federal ou constitucionais.
Diante do exposto, nego provimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
- São requisitos para a concessão dos benefícios: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais - quando exigida, a incapacidade para o trabalho de forma permanente e insuscetível de reabilitação para outra atividade que garanta a subsistência (aposentadoria por incapacidade permanente) ou a incapacidade temporária (auxílio por incapacidade temporária), bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.
- Comprovada a incapacidade temporária da parte autora para as atividades laborais por meio da perícia médica judicial e preenchidos os demais requisitos para a concessão do benefício – qualidade de segurado e carência –, é devido o auxílio por incapacidade temporária.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, já majorados em fase recursal, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
- Apelação não provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
