Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2296881 / SP
0007478-83.2018.4.03.9999
Relator(a)
JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
NONA TURMA
Data do Julgamento
19/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA E
MISERABILIDADE CONFIGURADAS. ESQUIZOFRENIA. ESTUDO SOCIAL. RE 580963.
TERMO INICIAL. CONSECTÁRIOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. TUTELA PROVISÓRIA DE
URGÊNCIA. REGULARIZAÇÃO DA PROCURAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em
seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3,
São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos
e destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento
não puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da
solidariedade social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- Sobre a definição de deficiência, Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de
Direito, n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
- A Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência",
com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da
LOAS, in verbis: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada,
considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas."
- Como apontado no item IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (voto do relator), não é
qualquer limitação ou problema físico ou mental que torna possível a percepção de benefício
assistencial de prestação continuada, mesmo porque este não pode ser postulado como mero
substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por aqueles que não mais gozam
da proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela nunca usufruíram.
- No caso vertente, segundo o laudo pericial, a autora sofre de esquizofrenia paranoide
(estabilizada) e, ainda assim, tem capacidade de trabalho para executar serviços não
complexos. Há nos autos atestado médico com diagnóstico de retardo mental leve. Ocorre que
o caso da autora implica grave barreira à participação social, apesar de estar realizando
tratamento médico. Com isso, amolda-se à regra do artigo 20, § 2º, da LOAS (vide supra), a
despeito das conclusões da perícia, que não são de acolhimento obrigatório pelo juiz.
- Na segunda perícia, realizada por psiquiatra, o autor foi considerado incapaz para o trabalho e
civilmente, por ser portador de esquizofrenia, com deterioração da cognição e embotamento
afetivo. A doença, no caso, implica grave barreira à participação social. Com isso, amolda-se à
regra do artigo 20, § 2º, da LOAS (vide supra). Há impedimentos e barreiras à integração em
sociedade, em igualdade de condições com os demais.
- Quanto à hipossuficiência econômica, o estudo social revela que o autor vive sozinho, em
casa própria, mas sem qualquer renda, sobrevivendo do auxílio fornecido pelos irmãos.
Atendido o requisito do artigo 20, § 3º, da LOAS.
Em decorrência, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- O termo inicial é a DER. O benefício é devido no valor de um salário mínimo, nos termos do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e deve ser revisto a cada 2 (dois) anos, consoante artigo 21 da
mesma lei.
- Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em
20/9/2017, Relator Ministro Luiz Fux). Contudo, em 24 de setembro de 2018 (DJE n. 204, de
25/9/2018), o Relator da Repercussão Geral, Ministro Luiz Fux,deferiu, excepcionalmente,efeito
suspensivoaos embargos de declaração opostos em face do referido acórdão, razão pela qual
resta obstada a aplicação imediata da tese pelas instâncias inferiores, antes da apreciação pelo
Supremo Tribunal Federaldo pedido de modulação dos efeitos da tese firmada no RE 870.947.
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês,
contados a partir da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a
vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao
mês, nos termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de
2009, ser utilizada a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança,
consoante alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09
(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux), observada, quanto
ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em
19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
- Invertida a sucumbência, condena-se o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em
12% (doze por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a
data deste acórdão, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do Novo CPC e
súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente da fase
recursal.
- Referentemente às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Antecipada a tutela provisória de urgência, nos termos dos artigos 300, caput, 302, I, 536,
caput e 537 e §§ do Novo Código de Processo Civil, para determinar ao INSS a imediata
concessão da prestação em causa, tendo em vista o caráter alimentar do benefício.
- Possível o julgamento imediato para não delongar mais o processo, podendo a regularização
da procuração, com consequente interdição, ser levada a efeito posteriormente, com o retorno
dos autos ao 1º grau de jurisdição, mormente porque não patenteada a incapacidade do autor
(tendo exercido várias vezes trabalho formal conforme anotação em CNIS) para lidar com
situações comezinhas como utilização do dinheiro. Caberá ao MMº Juízo a quo determinar à
parte autora que regularize a procuração, conforme parecer da Procuradoria Regional da
República, não podendo nenhuma quantia dos créditos atrasados ser levantada antes da
nomeação de curador legal.
- Apelação provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer da apelação e
lhe dar provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.