Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5636830-15.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
06/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/10/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA E
MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADAS. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. PARTE
AUTORA PORTADORA DE EPILEPSIA. CURSO TÉCNICO. BOM NÍVEL INTELECTUAL.
AUSÊNCIA DE OUTRAS BARREIRAS. ESTUDO SOCIAL. RENDA PER CAPITA FAMILIAR
SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. CASA PRÓPRIA. ACESSO A ÁGUA POTÁVEL,
SANEAMENTO BÁSICO, ENERGIA ELÉTRICA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA
SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO
IMPROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- Sobre a definição de deficiência, Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito,
n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
- A Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência", com
início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in
verbis: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
- Como apontado no item IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (voto do relator), não é
qualquer limitação ou problema físico ou mental que torna possível a percepção de benefício
assistencial de prestação continuada, mesmo porque este não pode ser postulado como mero
substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por aqueles que não mais gozam da
proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela nunca usufruíram.
- Muitos casos de incapacidade temporária ou mesmo permanente para o trabalho devem ser
tutelados exclusivamente pelo seguro social (artigo 201 da CF), à medida que a condição de
saúde do interessado (física ou mental) não gera a segregação social ínsita à condição de pessoa
com deficiência. De fato, somente em relação ao benefício assistencial há necessidade de
abordar a questão da integração social (participação em sociedade).
- Quanto ao requisito subjetivo, o laudo médico pericial concluiu que a autora – nascida em
11/01/1993, solteira, técnica em agropecuária – se encontra incapaz de forma parcial e
temporária, em decorrência de epilepsia (CID G40), quadro este que a acomete desde os 18 anos
de idade. Afirmou o perito: ''(...) Foi caracterizado incapacidade laboral de grau parcial porque
limita o desempenho de suas atribuições.; e temporária pois é susceptível de recuperação, com
comprometimento relativa, pois permite a laboradora desempenhar acima de 70% das suas
atividades.''
- A epilepsia pode causar invalidez e prejudicar a participação na sociedade, em diversos graus.
No caso, a conclusão da perícia autoriza a ilação de que a autora, conquanto tenha dificuldades
notórias, não encontra outras barreiras à integração social, inclusive porque a perícia constatou
que a autora tem “bom nível intelectual”, além da formação como técnica de agropecuária.
Conquanto complexa a questão da epilepsia à luz do artigo 20, § 2º, da LOAS.
- Além disso, o requisito da miserabilidade não está demonstrado. Segundo o relatório social,
residem com a autora sua mãe, que tem renda, sua irmã, que não possui renda, e seu cunhado
Vinicius de Oliveira Jardim, que também possui renda, sendo que a irmã e o cunhado moram em
quatro cômodos construídos ao fundo da casa. A irmã e o cunhado não integram o núcleo
familiar, na forma do artigo 20, § 1º, da LOAS.
- A mãe da autora trabalha formalmente como colhedora de laranja com salário declarado de R$
1100,00. A renda familiar é superior a meio salário mínimo. Além disso, consta do relatório social
que a casa do núcleo familiar é própria, está em bom estado de conservação tem infraestrutura
necessária (água, energia, rede de esgoto e asfalto), foi edificada com cinco cômodos sendo: 1
sala, 1 cozinha, 2 quartos e 1 banheiro, a casa tem forro embora esteja danificado, o chão está no
contra piso, ao redor da casa é murada com portão de tabua na frente e o quintal é de terra.
- O critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso (RE n. 580963). No caso, há
dificuldades enfrentadas pela parte autora, mas a situação não é de penúria ou risco social.
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- É mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado,
arbitrados em 1200 (um mil e duzentos reais), já majorados em razão da fase recursal, conforme
critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do
artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5636830-15.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIELE CRISTINA MACIEL
Advogados do(a) APELANTE: MATHEUS RICARDO BALDAN - SP155747-N, EMERSOM
GONCALVES BUENO - SP190192-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5636830-15.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIELE CRISTINA MACIEL
Advogados do(a) APELANTE: EMERSOM GONCALVES BUENO - SP190192-N, MATHEUS
RICARDO BALDAN - SP155747-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA: Cuida-se de apelação interposta
pela autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de
benefício assistencial.
A parte autora sustenta, em síntese, o cumprimento dos requisitos para a concessão de algum
desse benefício, pois inválida para o trabalho e hipossuficiente para fins assistenciais.
Contrarrazões apresentadas.
Subiram os autos a esta Corte.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal opinou pelo provimento do apelo.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5636830-15.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIELE CRISTINA MACIEL
Advogados do(a) APELANTE: EMERSOM GONCALVES BUENO - SP190192-N, MATHEUS
RICARDO BALDAN - SP155747-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA:Conheço do recurso em razão da
satisfação de seus requisitos.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado,
atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente
dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para
a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa deficiente'
refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as
necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo
mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal
pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho,
família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como
aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435,
de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
RESERVA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
Por fim, oportuno registrar que o benefício assistencial de prestação continuada não pode ser
postulado como mero substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por aqueles
que não mais gozam da proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela nunca
usufruíram.
Muitos casos de incapacidade temporária ou mesmo permanente para o trabalho devem ser
tutelados exclusivamente pelo seguro social (artigo 201 da CF), à medida que a condição de
saúde do interessado (física ou mental) não gera a segregação social ínsita à condição de pessoa
com deficiência. De fato, somente em relação ao benefício assistencial há necessidade de
abordar a questão da integração social.
Haverá casos, dessarte, em que o interessado, conquanto incapaz total ou parcialmente,
definitiva ou temporariamente, não fará jus ao benefício assistencial, à medida que não se
enquadrará na condição de pessoa com deficiência.
Daí que a distinção entre as searas de cobertura da assistência e previdência sociais se faz
absolutamente necessária, mormente porque a cobertura dos riscos sociais invalidez e doença
depende do pagamento de contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da
Constituição Federal, que têm a seguinte dicção:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)"
Noutros termos, a pretendida ampliação do espectro da norma do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93 encontra óbice na própria Constituição da República, segundo a qual caberá à
Previdência Social a cobertura dos eventos “doença” e “invalidez” (artigo 201, I), haja vista ser
imperioso levar em conta o aspecto da integração social (Luiz Alberto David Araújo, in A Proteção
Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18-
22).
Entendimento contrário implicará ofensa aos princípios da seletividade e distributividade (artigo
194, § único, III, da Constituição Federal), à medida que obrigará a assistência social – de
abrangência já subsidiária quanto ao aspecto objetivo – a cobrir necessidades sociais de
responsabilidade da previdência social, gerando, com isso, desequilíbrio no aspecto do custeio de
todo o sistema tripartite da seguridade social.
CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito subjetivo.
O laudo médico pericial concluiu que a autora – nascida em 11/01/1993, solteira, técnica em
agropecuária – se encontra incapaz de forma parcial e temporária, em decorrência de epilepsia
(CID G40), quadro este que a acomete desde os 18 anos de idade.
Afirmou o perito:
''(...) Foi caracterizado incapacidade laboral de grau parcial porque limita o desempenho de suas
atribuições.; e temporária pois é susceptível de recuperação, com comprometimento relativa, pois
permite a laboradora desempenhar acima de 70% das suas atividades.''
Segundo a assistente social,
“Mariele é uma jovem esforçada se formou em dezembro de 2016 em técnico em agropecuária e
por conta de sua doença não consegue trabalho, hoje está fazendo alguns cursinhos porque não
quer deixar de estudar e sonha em fazer uma faculdade, no entanto a mãe e a irmã têm medo do
sonho da jovem por causa das crises convulsivas frequentes e não ter ninguém para socorrê-la,
pois várias vezes foi encontrada inconsciente dentro de casa.”
A epilepsia pode causar invalidez e prejudicar a participação na sociedade, em diversos graus.
No caso, a conclusão da perícia autoriza a ilação de que a autora, conquanto tenha dificuldades
notórias, não encontra outras barreiras à integração social, inclusive porque a perícia constatou
que a autora “bom nível intelectual” (f. 152), além da formação como técnica de agropecuária.
Conquanto complexa a questão da epilepsia à luz do artigo 20, § 2º, da LOAS, e apesar do
parecer favorável da assistente social, o benefício assistencial de prestação continuada não serve
a ser utilizado como substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
A rigor o caso da epilepsia é assaz peculiar e, de lege ferenda, seria pertinente a criação de
algum mecanismo de proteção social diverso dos já existentes.
Além disso, o requisito da miserabilidade não está demonstrado.
Segundo o relatório social, residem com a autora sua mãe Regina Aparecida Camilo, que tem
renda, sua irmã Michele Camilo Maciel, que não possui renda, e seu cunhado Vinicius de Oliveira
Jardim, que também possui renda, sendo que a irmã e o cunhado moram em quatro cômodos
construídos ao fundo da casa.
A irmã e o cunhado não integram o núcleo familiar, na forma do artigo 20, § 1º, da LOAS.
A mãe da autora, Regina Aparecida Camilo, trabalha formalmente como colhedora de laranja com
salário declarado de R$ 1100,00.
A renda familiar é superior a meio salário mínimo.
Além disso, consta do relatório social que a casa do núcleo familiar é própria, está em bom
estado de conservação tem infraestrutura necessária (água, energia, rede de esgoto e asfalto), foi
edificada com cinco cômodos sendo: 1 sala, 1 cozinha, 2 quartos e 1 banheiro, a casa tem forro
embora esteja danificado, o chão está no contra piso, ao redor da casa é murada com portão de
tabua na frente e o quintal é de terra; A residência está longe da região central.
A irmã da requerente construiu uma casa simples no fundo com 04 cômodos sendo: 01 sala, 01
cozinha, 01 quarto e 01 banheiro.
Resta evidente que o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso (RE n. 580963).
No caso, há dificuldades enfrentadas pela parte autora, mas a situação não é de penúria ou risco
social.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Ante o exposto, conheço da apelação e lhe nego provimento.
É mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado,
arbitrados em 1200 (um mil e duzentos reais), já majorados em razão da fase recursal, conforme
critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do
artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA E
MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADAS. INCAPACIDADE PARCIAL E TEMPORÁRIA. PARTE
AUTORA PORTADORA DE EPILEPSIA. CURSO TÉCNICO. BOM NÍVEL INTELECTUAL.
AUSÊNCIA DE OUTRAS BARREIRAS. ESTUDO SOCIAL. RENDA PER CAPITA FAMILIAR
SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. CASA PRÓPRIA. ACESSO A ÁGUA POTÁVEL,
SANEAMENTO BÁSICO, ENERGIA ELÉTRICA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA
SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO
IMPROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- Sobre a definição de deficiência, Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito,
n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
- A Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência", com
início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in
verbis: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
- Como apontado no item IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (voto do relator), não é
qualquer limitação ou problema físico ou mental que torna possível a percepção de benefício
assistencial de prestação continuada, mesmo porque este não pode ser postulado como mero
substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por aqueles que não mais gozam da
proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela nunca usufruíram.
- Muitos casos de incapacidade temporária ou mesmo permanente para o trabalho devem ser
tutelados exclusivamente pelo seguro social (artigo 201 da CF), à medida que a condição de
saúde do interessado (física ou mental) não gera a segregação social ínsita à condição de pessoa
com deficiência. De fato, somente em relação ao benefício assistencial há necessidade de
abordar a questão da integração social (participação em sociedade).
- Quanto ao requisito subjetivo, o laudo médico pericial concluiu que a autora – nascida em
11/01/1993, solteira, técnica em agropecuária – se encontra incapaz de forma parcial e
temporária, em decorrência de epilepsia (CID G40), quadro este que a acomete desde os 18 anos
de idade. Afirmou o perito: ''(...) Foi caracterizado incapacidade laboral de grau parcial porque
limita o desempenho de suas atribuições.; e temporária pois é susceptível de recuperação, com
comprometimento relativa, pois permite a laboradora desempenhar acima de 70% das suas
atividades.''
- A epilepsia pode causar invalidez e prejudicar a participação na sociedade, em diversos graus.
No caso, a conclusão da perícia autoriza a ilação de que a autora, conquanto tenha dificuldades
notórias, não encontra outras barreiras à integração social, inclusive porque a perícia constatou
que a autora tem “bom nível intelectual”, além da formação como técnica de agropecuária.
Conquanto complexa a questão da epilepsia à luz do artigo 20, § 2º, da LOAS.
- Além disso, o requisito da miserabilidade não está demonstrado. Segundo o relatório social,
residem com a autora sua mãe, que tem renda, sua irmã, que não possui renda, e seu cunhado
Vinicius de Oliveira Jardim, que também possui renda, sendo que a irmã e o cunhado moram em
quatro cômodos construídos ao fundo da casa. A irmã e o cunhado não integram o núcleo
familiar, na forma do artigo 20, § 1º, da LOAS.
- A mãe da autora trabalha formalmente como colhedora de laranja com salário declarado de R$
1100,00. A renda familiar é superior a meio salário mínimo. Além disso, consta do relatório social
que a casa do núcleo familiar é própria, está em bom estado de conservação tem infraestrutura
necessária (água, energia, rede de esgoto e asfalto), foi edificada com cinco cômodos sendo: 1
sala, 1 cozinha, 2 quartos e 1 banheiro, a casa tem forro embora esteja danificado, o chão está no
contra piso, ao redor da casa é murada com portão de tabua na frente e o quintal é de terra.
- O critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso (RE n. 580963). No caso, há
dificuldades enfrentadas pela parte autora, mas a situação não é de penúria ou risco social.
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- É mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado,
arbitrados em 1200 (um mil e duzentos reais), já majorados em razão da fase recursal, conforme
critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do
artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação desprovida. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu conhecer da apelação e lhe negar
provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA