Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000623-37.2017.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/07/2017
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/07/2017
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. LAUDO
PERICIAL. TERMO INICIAL. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DE INTERESSE DE
AGIR. TERMO FINAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL
PARCIALMENTE PROVIDAS.
- Considerando que a r. sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não se aplicam as
novas regras previstas no artigo 496 e §§ do Novo CPC. Assim, não obstante ter sido proferida a
sentença após a vigência da alteração do artigo 475, § 2º, do CPC/1973 pela Lei n. 10.352/2001,
que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação for inferior a 60
(sessenta) salários-mínimos, dá-se a remessa oficial por interposta, por não haver valor certo a
ser considerado, na forma da súmula nº 490 do STJ.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- No que toca à hipossuficiência, consta do estudo social (realizado em 04/12/2012) que a autora
vive sozinha, em casa cedida, não possuindo renda alguma, exceto R$ 70,00 oriundos da Bolsa-
Família. Assim, a situação econômica e social da autora amolda-se à regra do artigo 20, § 3º, da
LOAS.
- Quanto ao requisito da deficiência, restou caracterizada desde a realização de cirurgia em
Campo Grande, em 18/10/2012, de modo que, somente então, consolidaram-se as barreiras em
desfavor da autora.
- O único benefício devido, à época da DER, em 24/3/2011, seria o auxílio-doença, risco social a
ser coberto pela previdência social, isso se ela tivesse a qualidade de segurada da previdência
social (artigo 201, caput, I, da CF/88).
- A conclusão do perito, a respeito da incapacidade, só se deu em 12/4/2014, quando realizada a
perícia, devido à inadequada consolidação da fratura ao longo dos quase quatro anos desde o
ajuizamento da ação. Apesar disso, é possível identificar-se a barreira definitiva da autora a partir
da data da cirurgia realizada em 18/10/2012, pois a partir de então se consolidou a
impossibilidade de recuperação.
- Outro impedimento para a fixação da DIB na DER é o fato de a perícia ter sido realizado em
prazo superior a 2 (dois) anos, o que encontra óbice no artigo 21, caput, da LOAS, inclusive
porque o estudo social não oferece mínima comprovação da miserabilidade da autora desde o
início de 2011.
- O termo final é 17/02/2014, véspera da concessão administrativa.
- Honorários advocatícios ficam reduzidos para 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até DCB em 17/02/2014.
- Considerando que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não incide ao presente
caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, do NCPC, que determina a majoração dos honorários
de advogado em instância recursal.
- Apelação e remessa oficial parcialmente providas.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5000623-37.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-
REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: ADELIA ESPINOSA
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO SILVA GIMENEZ - SP2720400A
APELAÇÃO (198) Nº 5000623-37.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-
REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: ADELIA ESPINOSA
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO SILVA GIMENEZ - SP2720400A
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido
de concessão do benefício de benefício assistencial, com termo inicial na DER em 13/4/2011,
discriminando os consectários.
Nas razões de apelação, requer o INSS a reforma do julgado, sob o fundamento de que a autora
não podia considerada pessoa com deficiência quando da DER, pleiteando a fixação da DIB na
data do laudo pericial realizado em 12/4/2014. Também busca a redução do percentual dos
honorários de advogado para 10% das prestações vencidas até 17/02/2014, quando o benefício
foi concedido na via administrativa por ter a autora atingido a idade de 65 (sessenta e cinco)
anos.
Contrarrazões apresentadas.
Subiram os autos a esta egrégia Corte.
Manifestou-se a Procuradoria Regional da República pela extinção do processo sem julgamento
do mérito, por ausência de interesse processual superveniente. Subsidiariamente pleiteia o
provimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5000623-37.2017.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, PROCURADORIA-
REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogado do(a) APELANTE:
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: ADELIA ESPINOSA
Advogado do(a) APELADO: CARLOS EDUARDO SILVA GIMENEZ - SP2720400A
V O T O
Considerando que a r. sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não se aplicam as novas
regras previstas no artigo 496 e §§ do Novo CPC.
Assim, não obstante ter sido proferida a sentença após a vigência da alteração do artigo 475, §
2º, do CPC/1973 pela Lei n. 10.352/2001, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação for inferior a 60 (sessenta) salários-mínimos, dou a remessa oficial por
interposta, por não haver valor certo a ser considerado, na forma da súmula nº 490 do STJ.
Também conheço do apelo do INSS em razão da satisfação de seus requisitos.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado,
atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar
em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente,
principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais
com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de
situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -,
a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente
prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal,
DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos
do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o
próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima
citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo
porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em
todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do
requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em
casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio
permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada
caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para
a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:"1. O termo 'pessoa deficiente'
refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente, as
necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".
Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: "desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a idéia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo
mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal
pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho,
família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como
aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional,
exatamente porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na
jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435,
de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o
trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº
8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência
social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas
prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos
de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a
mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não
apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de
contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria,
mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de
freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um
futuro social e economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir
contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser).
Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível
assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
No que toca à hipossuficiência, consta do estudo social (realizado em 04/12/2012) que a autora
vive sozinha, em casa cedida, não possuindo renda alguma, exceto R$ 70,00 oriundos da Bolsa-
Família. Assim, a situação econômica e social da autora amolda-se à regra do artigo 20, § 3º, da
LOAS.
Quanto ao requisito da deficiência, restou caracterizado no laudo pericial realizado em 12/4/2014.
Segundo o laudo pericial, a autora está incapacitada para o trabalho por força de sequela
decorrente de torção sofrida no tornozelo esquerdo, em 04/02/2011, quando corria para pegar
galinha.
O perito concluiu que a data do início da incapacidade deu-se com a torção ocorrida em
04/02/2011, mas tal conclusão não pode ser acolhida para os fins assistenciais, pelas razões que
passo a expor.
A autora formulou pedido administrativo logo após a fratura, em 24/3/2011 e ingressou com a
presente ação em 22/06/2011. Ora, naquela época, em início de 2011, a fratura no tornozelo era
fato recente, não havendo como se presumir a presença de impedimentos de longo prazo.
A autora realizou cirurgia em Campo Grande, em 18/10/2012, de modo que, somente então,
consolidaram-se as barreiras em desfavor da autora.
O único benefício devido, à época da DER, seria o auxílio-doença, risco social a ser coberto pela
previdência social, isso se ela tivesse a qualidade de segurada da previdência social (artigo 201,
caput, I, da CF/88).
Dito isso, forçoso é concluir que assiste parcial razão ao apelante, pois:
a) a conclusão do perito, a respeito da incapacidade, só se deu em 12/4/2014, quando realizada a
perícia, devido à inadequada consolidação da fratura ao longo dos quase quatro anos desde o
ajuizamento da ação;
b) apesar disso, é possível identificar-se a barreira definitiva da autora a partir da data da cirurgia
realizada em 18/10/2012, pois a partir de então se consolidou a impossibilidade de recuperação.
Outro impedimento para a fixação da DIB na DER é o fato de a perícia ter sido realizado em
prazo superior a 2 (dois) anos, o que encontra óbice no artigo 21, caput, da LOAS, inclusive
porque o estudo social não oferece mínima comprovação da miserabilidade da autora desde o
início de 2011.
Evidente que a incapacidade para o trabalho não constitui único critério para a abordagem da
deficiência, na forma da nova redação do artigo 20, § 2º, da LOAS (vide tópico IDOSOS E
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, supra).
Contudo, fora a torção no tornozelo, não havia fatos geradores de deficiência. E a consolidação
da lesão só pode ser apurada após a realização da cirurgia, que deve ser o termo inicial do
benefício.
Sendo assim, há interesse de agir da parte autora, a despeito da concessão administrativa.
O termo final é 17/02/2014, véspera da concessão administrativa.
Os honorários advocatícios ficam reduzidos para 15% (quinze por cento) sobre o valor das
parcelas vencidas até DCB em 17/02/2014.
Considerando que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não incide ao presente
caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, do NCPC, que determina a majoração dos honorários
de advogado em instância recursal.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, tida por
interposta, para fixar a DIB em 18/10/2012 e a DCB em 17/02/2014.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. LAUDO
PERICIAL. TERMO INICIAL. CONCESSÃO ADMINISTRATIVA. PRESENÇA DE INTERESSE DE
AGIR. TERMO FINAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL
PARCIALMENTE PROVIDAS.
- Considerando que a r. sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não se aplicam as
novas regras previstas no artigo 496 e §§ do Novo CPC. Assim, não obstante ter sido proferida a
sentença após a vigência da alteração do artigo 475, § 2º, do CPC/1973 pela Lei n. 10.352/2001,
que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação for inferior a 60
(sessenta) salários-mínimos, dá-se a remessa oficial por interposta, por não haver valor certo a
ser considerado, na forma da súmula nº 490 do STJ.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- No que toca à hipossuficiência, consta do estudo social (realizado em 04/12/2012) que a autora
vive sozinha, em casa cedida, não possuindo renda alguma, exceto R$ 70,00 oriundos da Bolsa-
Família. Assim, a situação econômica e social da autora amolda-se à regra do artigo 20, § 3º, da
LOAS.
- Quanto ao requisito da deficiência, restou caracterizada desde a realização de cirurgia em
Campo Grande, em 18/10/2012, de modo que, somente então, consolidaram-se as barreiras em
desfavor da autora.
- O único benefício devido, à época da DER, em 24/3/2011, seria o auxílio-doença, risco social a
ser coberto pela previdência social, isso se ela tivesse a qualidade de segurada da previdência
social (artigo 201, caput, I, da CF/88).
- A conclusão do perito, a respeito da incapacidade, só se deu em 12/4/2014, quando realizada a
perícia, devido à inadequada consolidação da fratura ao longo dos quase quatro anos desde o
ajuizamento da ação. Apesar disso, é possível identificar-se a barreira definitiva da autora a partir
da data da cirurgia realizada em 18/10/2012, pois a partir de então se consolidou a
impossibilidade de recuperação.
- Outro impedimento para a fixação da DIB na DER é o fato de a perícia ter sido realizado em
prazo superior a 2 (dois) anos, o que encontra óbice no artigo 21, caput, da LOAS, inclusive
porque o estudo social não oferece mínima comprovação da miserabilidade da autora desde o
início de 2011.
- O termo final é 17/02/2014, véspera da concessão administrativa.
- Honorários advocatícios ficam reduzidos para 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas
vencidas até DCB em 17/02/2014.
- Considerando que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não incide ao presente
caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, do NCPC, que determina a majoração dos honorários
de advogado em instância recursal.
- Apelação e remessa oficial parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, tida por interposta,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
