Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5064629-19.2018.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/03/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 20/03/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSA. MISERABILIDADE
NÃO CONFIGURADA. FAMÍLIA. FILHOS. DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS. ARTIGO 229 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACESSO AOS MÍNIMOS SOCIAIS. SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
- A parte autora é idosa para fins assistenciais, pois segundo os documentos constantes dos
autos, possui idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
- Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. O relatório social apontou
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
que a autora vive com o marido (recebe BPC) e com um filho (pensionista que exerce trabalho
informal como eletricista, com renda variável). A renda de ambos, marido e filho, somada às boas
condições da residência (móveis seminovos), indica a ausência de miserabilidade, como bem
entendeu o MMº Juízo a quo e a Procuradoria Regional da República. Digno de nota é que a
autora moveu ação de alimentos em face de quatro filhos, que residem, aliás, na mesma cidade,
onde, por acordo homologado judicialmente, foi fixada pensão a cargo deles (f. 49 do pdf).
- O dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
poder ser provido pela família. Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas
em conta na apuração da miserabilidade, não podendo o artigo 20, § 3º, da LOAS ser
interpretado de forma isolada.
- A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um
pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que “o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção”. A decisão
aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou
em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas
veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no
sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos
devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e
1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade”.
- Assim, no caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade."
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- Condenada a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5064629-19.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: NELIDA ROSARIO ZAVALA
Advogado do(a) APELANTE: DAIRSON MENDES DE SOUZA - SP162379-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO (198) Nº 5064629-19.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: NELIDA ROSARIO ZAVALA
Advogado do(a) APELANTE: DAIRSON MENDES DE SOUZA - SP162379-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:s:Trata-se de apelação interposta em
face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada à parte autora.
A parte autora alega, em síntese, o cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício,
no tocante à hipossuficiência e à condição de pessoa com deficiência, pelas razões que
apresenta.
Contrarrazões não apresentadas.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere o não provimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5064629-19.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: NELIDA ROSARIO ZAVALA
Advogado do(a) APELANTE: DAIRSON MENDES DE SOUZA - SP162379-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do apelo em razão da
satisfação de seus requisitos.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício
assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado,
atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar
em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente,
principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais
com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de
situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -,
a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente
prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal,
DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos
do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o
próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima
citada.
Vale dizer, não se pode tomar como “taxativo” o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo
porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em
todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do
requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em
casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio
permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada
caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº
8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência
social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas
prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos
de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a
mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não
apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de
contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria,
mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade cada vez
mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um futuro social e
economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir
contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser).
Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível
assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Ademais, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social
(autora é inscrita como dependente do marido) está, em regra, fora da abrangência da assistência
social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como
propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios
previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à
ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão
automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não
pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de
outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65
(sessenta e cinco) anos.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
O relatório social apontou que a autora vive com o marido (recebe BPC) e com um filho
(pensionista que exerce trabalho informal como eletricista, com renda variável).
A renda de ambos, marido e filho, somada às boas condições da residência (móveis seminovos),
indica a ausência de miserabilidade, como bem entendeu o MMº Juízo a quo e a Procuradoria
Regional da República.
Digno de nota é que a autora moveu ação de alimentos em face de quatro filhos, que residem,
aliás, na mesma cidade, onde, por acordo homologado judicialmente, foi fixada pensão a cargo
deles (f. 49 do pdf).
De fato, nota-se que a família vem cumprindo o dever constitucional de auxílio ao ascendente
idoso. E o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o
próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o
sustento não puder ser provido pela família.
Evidente que o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS não é taxativo, consoante jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal (RE n. 580963), devendo a hipossuficiência ser aferida caso a caso.
Não há falar-se, em tal contexto, de vulnerabilidade social porque o autor tem acesso aos
mínimos sociais e vem recebendo o suporte familiar.
A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um
pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que “o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção”. A decisão
aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou
em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas
veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no
sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos
devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e
1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade”.
No caso, apurou-se que, embora com dificuldades, as filhas vem prestando auxílio ao patriarca.
Assim, no caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
"Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica “SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL”.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Indevido o benefício.
Ante o exposto, conheço da apelação e lhe nego provimento.
Condenada a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça
gratuita.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSA. MISERABILIDADE
NÃO CONFIGURADA. FAMÍLIA. FILHOS. DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS. ARTIGO 229 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACESSO AOS MÍNIMOS SOCIAIS. SUBSIDIARIEDADE DA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
APELAÇÃO IMPROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
- A parte autora é idosa para fins assistenciais, pois segundo os documentos constantes dos
autos, possui idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
- Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. O relatório social apontou
que a autora vive com o marido (recebe BPC) e com um filho (pensionista que exerce trabalho
informal como eletricista, com renda variável). A renda de ambos, marido e filho, somada às boas
condições da residência (móveis seminovos), indica a ausência de miserabilidade, como bem
entendeu o MMº Juízo a quo e a Procuradoria Regional da República. Digno de nota é que a
autora moveu ação de alimentos em face de quatro filhos, que residem, aliás, na mesma cidade,
onde, por acordo homologado judicialmente, foi fixada pensão a cargo deles (f. 49 do pdf).
- O dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
poder ser provido pela família. Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas
em conta na apuração da miserabilidade, não podendo o artigo 20, § 3º, da LOAS ser
interpretado de forma isolada.
- A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um
pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que “o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção”. A decisão
aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou
em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas
veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no
sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos
devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e
1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade”.
- Assim, no caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao
disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de
assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade."
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
- Condenada a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça
gratuita.
- Apelação desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer da apelação e lhe negar provimento, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA