
| D.E. Publicado em 07/05/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0012372-39.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício assistencial de prestação continuada à parte autora.
O INSS alega, em síntese, o descumprimento dos requisitos para a concessão do benefício, no tocante à hipossuficiência.
Contrarrazões apresentadas.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal manifesta-se pela não intervenção no feito.
Este relator converteu o julgamento em diligência e cassou a tutela provisória de urgência.
Realizado novo estudo social, manifestaram-se as partes e voltaram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do apelo em razão da satisfação de seus requisitos.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis; |
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; |
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; |
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis. |
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria, mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um futuro social e economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Ademais, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social (autora é inscrita como dependente do marido) está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
Primeiramente, observo que a autora movera ação judicial pretérita postulando a concessão do benefício assistencial, tendo sido julgada improcedente em 06/02/2014 (cópia da decisão monocrática à f. 22).
Já em 24/4/2014, já efetuou novo requerimento administrativo, que foi novamente indeferido (comunicação da decisão à f. 13).
Houve alterações fáticas em ambos os pleitos e é por isso que se não reconhece a coisa julgada.
Ainda assim, entendo que não é o caso de acolhimento do pedido, pelas razões que passo a expor.
Analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
O relatório social demonstra que autora vive com o marido aposentado e uma filha, Silvana, em casa própria, de nível popular, em razoável estado de conservação.
O valor recebido pelo marido deve ser "desconsiderado", à luz do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso.
Nada obstante, outros fatores devem ser considerados.
No estudo social da ação judicial pretérita - julgada improcedente, por ausência de miserabilidade, em 1ª e 2ª instâncias - a filha da autora declarou que exercia atividade laborativa informal como costureira (vide julgamento à f. 69), mas no presente feito declarou não mais trabalhar. Como comprovar isso?
Nos fundos da mesma casa, habita outro filho, Paulo Sérgio Perosa, que trabalha e recebeu remuneração superior a R$ 1600,00 (extrato do CNIS), até 01/2018. Ele vive com a esposa, que recolhia contribuições como contribuinte individual até 09/2017.
A autora possui outro filho identificado no estudo social complementar, Miguel Ângelo Perosa, que reside a 1300 metros da casa da autora, trabalha formalmente como empregado e recebe remuneração aproximada de R$ 4000,00 (extrato do CNIS). Vive com a esposa, que parou de contribuir ao INSS em 12/2013, e duas filhas, uma delas exercendo atividade laborativa, Jessica Caroline de Souza Perosa, nascida em 1997, com remuneração de aproximadamente R$ 640,00.
Registre-se que no estudo social há menção a quatro filhos, mas no complemento só foram apresentados dados de três deles.
De todo modo, as regras do §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS não podem ser reduzida ao critério matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica.
Essa a ratio do RE nº 580963, de modo que, mesmo se desconsiderando um salário mínimo recebido pelo marido, na forma do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, não há falar-se em penúria.
O dever de sustento (da família: filhos e marido) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família.
Com efeito, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família.
Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da miserabilidade, não podendo o artigo 20, § 3º, da LOAS ser interpretado de forma isolada, como se não houvesse normas constitucionais regulando a questão.
Percebe-se, assim, que a autora tem acesso aos mínimos sociais, possui o amparo da família, de modo que, a despeito das dificuldades decorrentes da idade avançada e da baixa renda, não se insere em estado de penúria.
Indevido o benefício em tais circunstâncias.
Há inúmeros precedentes desta Nona Turma:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. FAMÍLIA. DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUBSIDIARIDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO IMPROVIDA. |
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- Deficiência comprovada. Porém, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais, pois recebe assistência da família. |
- No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." |
- Descabe conceder benefício assistencial a quem possui não se encontra em situação de vulnerabilidade social, e no caso o autor tem acesso aos mínimos sociais. |
- Não é função do Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo. |
- O benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. |
- Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita. |
- Apelação conhecida e desprovida (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2246015 / SP, 0017746-36.2017.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento, 27/11/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2017). |
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA FAMILIAR. AUXÍLIO DA FAMÍLIA. 10 (DEZ) FILHOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 20, §§ 1º E 3º, DA LEI 8742/93. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE SOCIAL. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO. |
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- A parte autora é idosa para fins assistenciais, porquanto nascida em 1939 (f. 22). |
- Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. O estudo social apontou que a autora vive com marido que percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo, e com um filho maior e capaz para o trabalho, em casa alugada, há catorze anos. Casa composta por dois quartos, cozinha, sala e banheiro, construção de alvenaria, com energia elétrica e água encanada. Boa acomodação e higienização; localização com acesso à rede básica de saúde e transporte público. Família atendida pela rede municipal de saúde. |
- Nos termos do estabelecido no RE n. 580963, em repercussão geral (vide item acima "DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE"), a aposentadoria do marido deve ser desconsiderada. Porém, não pode ser ignorado que a autora recebe ajuda financeira - devida constitucionalmente, aliás - do filho e de outra filha. |
- Em realidade, a autora possui 10 (dez) filhos, todos com obrigação de auxílio financeiro aos pais, atribuição que não pode simplesmente ser transferida ao Estado. No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." |
- Quanto à hipossuficiência, mesmo se aplicando ao caso a orientação da RE n. 580963 (repercussão geral - vide supra), o fato é que a família da autora não experimenta situação de vulnerabilidade ou risco social. |
- Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da miserabilidade, não podendo as regras conformadas nos §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS ser interpretadas de forma isolada, cega e matemática, como se não houvesse normas constitucionais regulando a questão. |
- Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade". |
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545). |
- Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais são os casos que configuram "necessidades sociais". Pois a assunção desmedida, pelo Estado, de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de encontro ao objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição Federal), à medida que ocorre o extravasamento dos limites das possibilidades financeiras do sistema de seguridade social, gerando variada gama de distorções sociais e econômicas. |
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. |
- Agravo interno conhecido e improvido (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2175403 / SP, 0024665-75.2016.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento 04/09/2017, Data da Publicação/Fonte, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2017). |
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PARTE AUTORA PORTADORA DE DOENÇAS. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGUARDA. MISERABILIDADE NÃO APURADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. FAMÍLIA. DEVER DE SUSTENTO. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 8 (OITO) FILHOS TRABALHANDO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA. REANÁLISE DA QUESTÃO DECORRENTE DE RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DISPOSITIVO DO ACÓRDÃO MANTIDO. |
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. |
- Quanto a essa questão, verifica-se, mediante o exame do estudo social (fls. 89/90), que a parte autora reside com seu marido, também idoso. A renda familiar é constituída pela aposentadoria por idade recebida pelo cônjuge, no valor de R$ 681,37 (seiscentos e oitenta e um reais e trinta e sete centavos), referente a abril de 2011, conforme consulta às informações do CNIS/DATAPREV. |
- Além disso, o casal recebe ajuda dos filhos para custear suas despesas, conforme afirmado pela parte autora (f. 90). A autora possui 8 (oito) filhos, todos eles com obrigação primária de auxílio dos pais. São 3 (três) mulheres e 5 (cinco) homens, todos trabalhando, conquanto possuam suas respectivas famílias. |
- Ocorre que o fato de possuírem famílias não lhes afasta o dever constitucionais de amparar os pais. No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." |
A propósito, recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade". |
- De fato, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 20, § 3º, da LOAS, que cuida do critério da miserabilidade, não ser interpretado taxativamente (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013). Logo, também o artigo 20, § 1º, da mesma lei, que discrimina o conceito de família (e com isso influi na apuração da presença ou não da miserabilidade), igualmente não pode ser interpretado literalmente, sob pena de prática de grave distorção e inversão de valores, geradora de concessões ou denegações indevidas conforme o caso. |
- E mais, depreende-se do estudo socioeconômico que o montante das despesas não ultrapassa os rendimentos do núcleo familiar, o que afasta a conclusão de que o casal vivencia a condição de miserabilidade que enseja a percepção do benefício. |
- Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de total "desamparo". Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. |
- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo. Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL". |
- Adotado como razão de decidir o entendimento determinado pelo E. STJ, sem, contudo, alterar o resultado do julgamento que negou provimento ao agravo, restando mantida a improcedência do pedido (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1600390 / SP, 0005585-04.2011.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento 04/09/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2017). |
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Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
A propósito, decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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