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PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RENDA...

Data da publicação: 09/07/2020, 00:35:24

E M E N T A PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. RENDA SOCIAL. EXERCÍCIO DE TRABALHO INFORMAL. DEVER DE AUXÍLIO DOS FILHOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.RE 580963. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO PROVIDA. - Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. - A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. - O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (RE n. 580963). - A parte autora é portadora de epilepsia e outros males. A epilepsia pode ou não ser incapacitante, a depender de vários fatores, como a instrução da pessoa, o tipo de trabalho, idade, porte físico e eficácia do remédio. Considerando o grau de instrução e o tipo de trabalho, a epilepsia da autora pode ser considerada um impedimento para fins assistenciais, mas não se pode ignorar que ela continuava trabalhando até quinze dias antes da perícia, conforme declaração dela própria. Outrossim, verificou-se que há necessidade de reajuste do medicamento prescrito, por meio da qual pode se conseguir o equilíbrio e a remissão das crises convulsivas, indicando-se para o caso, mesmo que se alcance o controle medicamentoso das crises, que a recorrida não labore em altura ou com maquinário onde possa se acidentar caso venha ter crise convulsiva. - Não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. Ela sobrevive graças às rendas obtidas na importância de R$ 477,00 (Quatrocentos e setenta e sete reais) do programa Votuporanga em Ação e R$ 85,00 (Oitenta e cinco reais) do Programa Bolsa família, num total de R$ 562,00 (Quinhentos e sessenta e dois centavos) referente mês de abril/2018. Os gastos mensais são de R$ 575,00, segundo o relatório social. - A autora possui 3 (três) filhos, todos residentes em Votuporanga, onde vive a autora. E o CNIS demonstra que os três filhos (um fotógrafo, um serralheiro, outro vendedor) estão formalmente empregados, com remunerações médias de um salário mínimo e meio. A autora não tem netos. Somente um dos filhos vive em união estável, os demais são solteiros. Todos possuem o dever familiar de sustento dos pais, previsto na Constituição Federal, no artigo 229. E mediante colaboração pouca de cada um, a autora conseguiria equilibrar as finanças e melhorar de vida. - A assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica, em obediência ao princípio da subsidiariedade. - O dever de sustento não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família. - Apelação conhecida e provida. (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5640317-90.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA, julgado em 20/10/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/10/2019)



Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP

5640317-90.2019.4.03.9999

Relator(a)

Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA

Órgão Julgador
9ª Turma

Data do Julgamento
20/10/2019

Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/10/2019

Ementa


E M E N T A


PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA
SOCIAL. RENDA SOCIAL. EXERCÍCIO DE TRABALHO INFORMAL. DEVER DE AUXÍLIO DOS
FILHOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.RE 580963. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. APELAÇÃO PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (RE n. 580963).
- A parte autora é portadora de epilepsia e outros males. A epilepsia pode ou não ser
incapacitante, a depender de vários fatores, como a instrução da pessoa, o tipo de trabalho,
idade, porte físico e eficácia do remédio. Considerando o grau de instrução e o tipo de trabalho, a
epilepsia da autora pode ser considerada um impedimento para fins assistenciais, mas não se
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos

pode ignorar que ela continuava trabalhando até quinze dias antes da perícia, conforme
declaração dela própria. Outrossim, verificou-se que há necessidade de reajuste do medicamento
prescrito, por meio da qual pode se conseguir o equilíbrio e a remissão das crises convulsivas,
indicando-se para o caso, mesmo que se alcance o controle medicamentoso das crises, que a
recorrida não labore em altura ou com maquinário onde possa se acidentar caso venha ter crise
convulsiva.
- Não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. Ela sobrevive graças às rendas
obtidas na importância de R$ 477,00 (Quatrocentos e setenta e sete reais) do programa
Votuporanga em Ação e R$ 85,00 (Oitenta e cinco reais) do Programa Bolsa família, num total de
R$ 562,00 (Quinhentos e sessenta e dois centavos) referente mês de abril/2018. Os gastos
mensais são de R$ 575,00, segundo o relatório social.
- A autora possui 3 (três) filhos, todos residentes em Votuporanga, onde vive a autora. E o CNIS
demonstra que os três filhos (um fotógrafo, um serralheiro, outro vendedor) estão formalmente
empregados, com remunerações médias de um salário mínimo e meio. A autora não tem netos.
Somente um dos filhos vive em união estável, os demais são solteiros. Todos possuem o dever
familiar de sustento dos pais, previsto na Constituição Federal, no artigo 229. E mediante
colaboração pouca de cada um, a autora conseguiria equilibrar as finanças e melhorar de vida.
- A assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos
parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica, em obediência ao princípio
da subsidiariedade.
- O dever de sustento não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203,
V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família.
- Apelação conhecida e provida.

Acórdao



APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5640317-90.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS


APELADO: VANIA CRISTINA DOS REIS FERREIRA

Advogados do(a) APELADO: LILIAN GUIRADO SIMOES - SP343794-N, THAIS FRANCISCATO
SPOLON - SP381267-N

OUTROS PARTICIPANTES:






APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5640317-90.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VANIA CRISTINA DOS REIS FERREIRA
Advogados do(a) APELADO: THAIS FRANCISCATO SPOLON - SP381267-N, LILIAN GUIRADO
SIMOES - SP343794-N
OUTROS PARTICIPANTES:





R E L A T Ó R I O



A Exma. Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA:Cuida-se de apelação interposta em
face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de benefício
assistencial de prestação continuada, discriminados os consectários.
Nas razões de apelação, o INSS sustenta que a parte autora não faz jus ao benefício, diante da
ausência dos requisitos. Impugna consectários (honorários de advogado e correção monetária
dos atrasados).
Apresentadas contrarrazões.
Manifestou-se o Ministério Público Estadual pelo provimento do recurso. O Federal, pelo
desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.










APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5640317-90.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VANIA CRISTINA DOS REIS FERREIRA
Advogados do(a) APELADO: THAIS FRANCISCATO SPOLON - SP381267-N, LILIAN GUIRADO
SIMOES - SP343794-N
OUTROS PARTICIPANTES:




V O T O




A Exma. Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA:Conheço do recurso em razão da
satisfação de seus requisitos.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.

1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE

A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve
o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
Contudo, a fim de se evitar o descompasso entre a renda per capita ao final obtida e aquela
inicialmente considerada, deverá o titular de benefício de salário mínimo deficiente ou idoso
(artigo 34, § único, do EI e RE 580963) deverá ser excluído do núcleo familiar, consoante
precedentes da TNU.
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como

absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, outras circunstâncias diversas da renda devem ser levadas em conta, mormente se o
patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser
apurado se o interessado possui poupança, se vive em casa própria, com ou sem ar
condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano de saúde, auxílio permanente de
parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.


2.CONCEITO DE FAMÍLIA

Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser

provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis:
" Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o
dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade” (PEDILEF 200580135061286).


2.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL

Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente
dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade:

"O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala
Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os
direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental
para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos
indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma
permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe
destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na
Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos
79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis:
“A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem
gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar
seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social
estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se,
não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou
de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas tanta vontade de contribuir para
o custeio do sistema de seguridade social, onde o esforço individual é minimizado e a ajuda do
Estado é desejada ao extremo, é preciso realmente discriminar quais são os casos que
configuram "necessidades sociais".
Pois a assunção desmedida, pelo Estado, de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de
encontro ao objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição
Federal).

4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/99 (regulamentar da Lei n. 7.853/89, que dispõe sobre a Política Nacional da
Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo; portanto, constatado que os males sofridos
pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos requisitos exigidos para
a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.°
XXX/3.447, que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis:
"1. O termo 'pessoa deficiente' refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma,
total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência
de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais".

Esse conceito dá maior ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito,
n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a idéia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a ideia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, carência ou falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para se identificar a pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento, ou não, no conceito de pessoa portadora de deficiência,
seja o meio social:
"O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência". (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22).
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos arts. 7o, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, ambos continuam integrados socialmente. Ou ainda pequenas manifestações de retardo
mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em comunidades simples, pois tal
pessoa poderá "não encontrar problemas de adaptação a sua realidade social (escola, trabalho,
família)", de maneira que não se pode afirmar que tal pessoa deverá receber proteção, "tal como
aquele que sofre restrições sérias em seu meio social" (obra citada, páginas 42/43).
"A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,

pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade" (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
Noutro passo, o conceito de pessoa portadora de deficiência, para fins do benefício de amparo
social, foi tipificado no artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, que em sua redação original assim
dispunha:
"§ 2º - Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho."
Como se vê, pressupunha-se que o deficiente era aquele que: a) tinha necessidade de trabalhar,
mas não podia, por conta da deficiência; b) estava também incapacitado para a vida
independente. Ou seja, o benefício era devido a quem deveria trabalhar, mas não poderia e, além
disso, não tinha capacidade para uma vida independente sem a ajuda de terceiros.
Lícito é concluir que, tais quais os benefícios previdenciários, o benefício de amparo social,
enquanto em vigor a redação original do artigo 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, era substitutivo do
salário. Isto é, era reservado aos que tinham a possibilidade jurídica de trabalhar, mas não tinham
a possibilidade física ou mental para tanto.
Havia, na época, grande discussão a respeito do conceito de “incapacidade para a vida
independente”. Nesse ponto, prudente destacar a súmula 30 da AGU, segundo a qual a
incapacidade laboral é suficiente para caracterizar a incapacidade para a vida independente.
Igualmente, há a súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização. Veja-se (com grifos):
“Para os efeitos do artigo 20, §2º, da Lei nº 8.742 de 1993, incapacitada para a vida independente
não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a
impossibilidade de prover seu próprio sustento.”
Mas a redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS foi alterada pelo Congresso Nacional, talvez
porque sua dicção gerava um sem número de controvérsias interpretativas na jurisprudência.
A Lei n º 12.435/2011 deu nova redação ao § 2º do artigo 20 da LOAS, que esculpe o perfil da
pessoa com deficiência para fins assistenciais, da seguinte forma:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 12.435,
de 2011)
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida
independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos."
Com a novel legislação, o benefício continuou sendo destinado àqueles deficientes que: a) tinha
necessidade de trabalhar, mas não podia, por conta de limitações físicas ou mentais; b) estava
também incapacitado para a vida independente.
Todavia, o legislador, não satisfeito, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93, e o conceito de pessoa com deficiência foi uma vez mais alterado, pela Lei nº
12.470/2011, passando a ter a seguinte dicção:
"§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Nota-se que, com o advento desta novel lei, dispensou-se a menção à incapacidade para o

trabalho ou à incapacidade para a vida independente, como requisito à concessão do benefício
assistencial.
Destarte, tal circunstância (a entrada em vigor de nova lei) deve ser levada em conta neste
julgamento, ex vi o artigo 462 do CPC/73 e 493 do NCPC.
Finalmente, a Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência", com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, §
2º, da LOAS, in verbis:
"§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
Reafirma-se, assim, que o foco, doravante, para fins de identificação da pessoa com deficiência,
passa a ser a existência de impedimentos de longo prazo, apenas e tão somente, tornando-se
despicienda a referência à necessidade de trabalho.
Ressumbra registar, no mais, que o artigo 28 do Decreto nº 6949/2009, que promulgou
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, estabelece no artigo 27 o direito
ao trabalho e ao emprego e, num segundo momento, no artigo 28, o direito ao “Padrão de vida e
proteção social adequados”, da seguinte forma:
“1.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado
de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem
como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias
para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na
deficiência.
2.Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao
exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas
apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como:
a) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a serviços de saneamento básico e
assegurar o acesso aos serviços, dispositivos e outros atendimentos apropriados para as
necessidades relacionadas com a deficiência;
b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos
com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza;
c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à
assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive
treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso;
d) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência a programas habitacionais públicos;
e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de
aposentadoria.”


5.RESERVA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

Noutro passo, oportuno observar que o benefício assistencial de prestação continuada não pode
ser postulado como mero substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por
aqueles que não mais gozam da proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela
nunca usufruíram.
Muitos casos de incapacidade temporária ou mesmo permanente para o trabalho devem ser
tutelados exclusivamente pelo seguro social (artigo 201 da CF), à medida que a condição de

saúde do interessado (física ou mental) não gera a segregação social ínsita à condição de pessoa
com deficiência. De fato, somente em relação ao benefício assistencial há necessidade de
abordar a questão da integração social.
Haverá casos, dessarte, em que o interessado, conquanto incapaz total ou parcialmente,
definitiva ou temporariamente, não fará jus ao benefício assistencial, à medida que não se
enquadrará na condição de pessoa com deficiência. E haverá casos em que, conquanto não
incapacitado, total ou parcialmente, definitiva ou temporariamente, fará jus ao BPC. Daí que a
distinção entre as searas de cobertura da assistência e previdência sociais se faz providencial,
mormente porque a cobertura dos riscos sociais invalidez e doença depende do pagamento de
contribuições, na forma dos artigos 201, caput e inciso I, da Constituição Federal, que têm a
seguinte dicção:
"Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)"
Noutros termos, a pretendida ampliação do espectro da norma do artigo 20, § 2º, da Lei nº
8.742/93 encontra óbice na própria Constituição da República, segundo a qual caberá à
Previdência Social a cobertura dos eventos “doença” e “invalidez” (artigo 201, I), haja vista ser
imperioso levar em conta o aspecto da integração social (Luiz Alberto David Araújo, in A Proteção
Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 18-
22).
Entendimento contrário poderá implicar desatenção aos princípios da seletividade e
distributividade (artigo 194, § único, III, da Constituição Federal), à medida que obrigará a
assistência social – de abrangência já subsidiária quanto ao aspecto objetivo, dada a gratuidade
de sua concessão – a cobrir necessidades sociais de responsabilidade da previdência social,
sempre contributiva, gerando, com isso, potencial desequilíbrio no aspecto financeiro (custeio) de
todo o sistema tripartite da seguridade social. Tal sobrecarga poderá irá de encontro ao interesse
público e social por enfraquecer capacidade econômica do Estado de prestar proteção social à
atual e às futuras gerações.

6.CASO CONCRETO

Quanto ao requisito (subjetivo) da deficiência, a perícia médica, a autora encontra-se incapacitada
para o trabalho, temporariamente, por ser portadora de epilepsia.
A doença da autora – não a única apontada, mas a única incapacitante – gera restrições a
trabalhos em máquinas pesadas e em altura.
A autora Vânia Cristina dos Reis Ferreira, 31/10/1973, solteira, tem ensino fundamental
incompleto (7ª. Série). Possui três filhos, de dois relacionamentos já desfeitos.
Muito bem.
A epilepsia pode ou não ser incapacitante, a depender de vários fatores, como a instrução da
pessoa, o tipo de trabalho, idade, porte físico e eficácia do remédio.
No presente caso, a autora é de baixa estatura e trabalha como empregada doméstica, labor que
exige alguma força física e aptidão para limpeza em lugares determinados.
Considerando o grau de instrução e o tipo de trabalho, a epilepsia da autora pode ser
considerada um impedimento para fins assistenciais, mas não se pode ignorar que ela continuava
trabalhando até quinze dias antes da perícia, conforme declaração dela própria.
Outrossim, verificou-se que há necessidade de reajuste do medicamento prescrito, por meio da

qual pode se conseguir o equilíbrio e a remissão das crises convulsivas, indicando-se para o
caso, mesmo que se alcance o controle medicamentoso das crises, como bem observou a
Promotoria de Justiça, que a recorrida não labore em altura ou com maquinário onde possa se
acidentar caso venha ter crise convulsiva.
Porém, independentemente da configuração ou não da condição de deficiente, o benefício não
pode ser concedido porquanto não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
Segundo o relatório social:
“O imóvel em que reside está localizado na zona urbana e periférica deste município. As paredes
são de alvenaria, sem forro, piso de vermelhão, cercada por muros e grades, composta por
quarto e sala. O banheiro é usado conjunto com o proprietário do imóvel, ficando fora da casa. O
imóvel possui de infraestrutura urbana, entretanto, devido a um grande vazamento o proprietário
achou melhor cortar a água, porém a SAEV interviu e não permitiu que ficassem sem
abastecimento da água. Como o vazamento está localizado entre a lavanderia/área e os demais
cômodos, o proprietário cortou a água a partir da lavanderia, tendo água disponível apenas na no
tanque quefica fora da residência. Possui rua asfaltada, próximo a posto de saúde municipal e
tem comércio próximo. O mobiliário que ornamenta o imóvel é simples, tratando-se de: cama de
casal, cômoda, rack, aparelho de som, aparelho de DVD, televisor, geladeira, fogão, ferro elétrico,
maquina de lavar roupa, tanquinho de lavar roupa, duas (02) mesas, dez (10) cadeiras, armário
de cozinha, micro-onda, telefone celular, espremedor de frutas.”
A autora sobrevive graças às rendas obtidas na importância de R$ 477,00 (Quatrocentos e
setenta e sete reais) do programa Votuporanga em Ação e R$ 85,00 (Oitenta e cinco reais) do
Programa Bolsa família, num total de R$ 562,00 (Quinhentos e sessenta e dois centavos)
referente mês de abril/2018.
Os gastos mensais são de R$ 575,00.
As regras do §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS não podem ser reduzida ao critério matemático,
cabendo a aferição individual da situação socioeconômica.
A autora possui 3 (três) filhos, todos residentes em Votuporanga, onde vive a autora.
E o CNIS demonstra que os três filhos (um fotógrafo, um serralheiro, outro vendedor) estão
formalmente empregados, com remunerações médias de um salário mínimo e meio. A autora não
tem netos. Somente um dos filhos vive em união estável, os demais são solteiros (f. 77 do pdf).
Todos possuem o dever familiar de sustento dos pais, previsto na Constituição Federal, no artigo
229 (vide item 2). E mediante colaboração pouca de cada um, a autora conseguiria equilibrar as
finanças e melhorar de vida.
Enfim, o critério legal de excluir os familiares que não residem com o requerente de BPC (artigo
20, § 1º, da LOAS) é incompatível com a própria Constituição Federal, sem falar que atenta
contra a própria racionalidade da relação pessoa/família e pessoa/Estado. Se morar junto,
considerada a renda. Se não morar, não considera...Como se fazer o filho sair de casa
legitimasse esquivar-se do dever (constitucional, legal e moral) de amparo familiar.
De todo modo, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da

subsidiariedade” (autos nº 0517397-48.2012.4.05.8300).
Em suma, o dever de sustento não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Ante o exposto, conheço da apelação do INSS e lhe dou provimento, para julgar improcedente o
pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada na
sentença, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de
beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
E M E N T A


PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA
SOCIAL. RENDA SOCIAL. EXERCÍCIO DE TRABALHO INFORMAL. DEVER DE AUXÍLIO DOS
FILHOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.RE 580963. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. APELAÇÃO PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (RE n. 580963).
- A parte autora é portadora de epilepsia e outros males. A epilepsia pode ou não ser
incapacitante, a depender de vários fatores, como a instrução da pessoa, o tipo de trabalho,
idade, porte físico e eficácia do remédio. Considerando o grau de instrução e o tipo de trabalho, a
epilepsia da autora pode ser considerada um impedimento para fins assistenciais, mas não se
pode ignorar que ela continuava trabalhando até quinze dias antes da perícia, conforme
declaração dela própria. Outrossim, verificou-se que há necessidade de reajuste do medicamento
prescrito, por meio da qual pode se conseguir o equilíbrio e a remissão das crises convulsivas,
indicando-se para o caso, mesmo que se alcance o controle medicamentoso das crises, que a
recorrida não labore em altura ou com maquinário onde possa se acidentar caso venha ter crise
convulsiva.
- Não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. Ela sobrevive graças às rendas
obtidas na importância de R$ 477,00 (Quatrocentos e setenta e sete reais) do programa
Votuporanga em Ação e R$ 85,00 (Oitenta e cinco reais) do Programa Bolsa família, num total de
R$ 562,00 (Quinhentos e sessenta e dois centavos) referente mês de abril/2018. Os gastos
mensais são de R$ 575,00, segundo o relatório social.

- A autora possui 3 (três) filhos, todos residentes em Votuporanga, onde vive a autora. E o CNIS
demonstra que os três filhos (um fotógrafo, um serralheiro, outro vendedor) estão formalmente
empregados, com remunerações médias de um salário mínimo e meio. A autora não tem netos.
Somente um dos filhos vive em união estável, os demais são solteiros. Todos possuem o dever
familiar de sustento dos pais, previsto na Constituição Federal, no artigo 229. E mediante
colaboração pouca de cada um, a autora conseguiria equilibrar as finanças e melhorar de vida.
- A assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos
parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica, em obediência ao princípio
da subsidiariedade.
- O dever de sustento não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203,
V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família.
- Apelação conhecida e provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer da apelação do INSS e lhe dar provimento, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


Resumo Estruturado

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