Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000568-23.2016.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
24/07/2017
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/07/2017
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO. APELAÇÃO PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- A parte autora, conquanto pessoa com deficiência, não cumprira o requisito da hipossuficiência
econômica.
- De fato, o estudo social explica que ela vive com o marido, trabalhador rural que praticamente a
via nos fins de semana, em casa própria, de alvenaria, com construção simples, paredes
rebocadas e pintadas, piso de cerâmica, forrada, composta de 2 (dois) dormitórios, sala, cozinha,
banheiro, dispensa e varandas de frente e fundo, terreno murado. Higienização em boas
condições e mobiliário bem conservado.
- Não constou do estudo social a renda do marido, mas o INSS junta extratos do CNIS onde se
apura renda média de R$ 1000,00 (mil reais). Menciona o apelante a renda mensal de R$
1200,00 como abatedor de aves.
- Trata-se de renda mensal per capita superior a ½ (meio) salário mínimo. Assim, as
circunstâncias de sobrevivência implicam situação incompatível com o critério de miserabilidade
jurídica estabelecida no artigo 20, § 3º, da LOAS, já que a autora não se encontrava em
vulnerabilidade social por ter acesso aos mínimos sociais.
- O benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público
maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que
sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem
renda ou de ser essa insignificante.
- Invertida a sucumbência, condena-se a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do
artigo 85, § 4º, III, do Novo CPC. Considerando que a sentença foi publicada na vigência do
CPC/1973, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, que determina a
majoração dos honorários de advogado em instância recursal, ficando suspensa a exigibilidade,
segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5000568-23.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: MARTA BARBOSA VALADAO E LIMA
Advogado do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - SP2109240S
APELAÇÃO (198) Nº 5000568-23.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: MARTA BARBOSA VALADAO E LIMA
Advogado do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS1139700S
R E L A T Ó R I O
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente o pedido da parte
autora (falecida em 31/10/2013), para condenar o INSS à concessão do benefício assistencial, a
contar da DER, discriminados os consectários.
O INSS alega, em síntese, o descumprimento dos requisitos para a concessão do benefício, no
tocante à hipossuficiência não preenchida. Subsidiariamente, exora alteração dos critérios de
apuração dos consectários e seja reduzido o percentual dos honorários de advogado.
Contrarrazões apresentadas.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere o provimento do recurso do INSS, em razão da
ausência de miserabilidade.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5000568-23.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE:
APELADO: MARTA BARBOSA VALADAO E LIMA
Advogado do(a) APELADO: JAYSON FERNANDES NEGRI - MS1139700S
V O T O
Conheço do recurso em razão da satisfação de seus requisitos.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Neste recurso, a questão controvertida de mérito resume-se à apuração da hipossuficiência da
parte autora.
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar
em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente,
principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais
com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de
situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -,
a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente
prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal,
DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos
do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o
próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima
citada.
Vale dizer, não se pode tomar como “taxativo” o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo
porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em
todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do
requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em
casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio
permanente de parentes ou terceiros etc.
Sendo assim, pode-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada
caso, como por exemplo:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
No caso vertente, a parte autora foi considerada pessoa com deficiência e nesse ponto não há
controvérsia. Ela faleceu em 31/10/2013, aos cinquenta anos de idade, tendo sido realizada a
habilitação do sucessor (marido).
Todavia, como bem observou o Ministério Público Federal, a parte autora não cumpriu o requisito
da hipossuficiência econômica.
De fato, o estudo social explica que ela vive com o marido, trabalhador rural que praticamente a
via nos fins de semana, em casa própria, de alvenaria, com construção simples, paredes
rebocadas e pintadas, piso de cerâmica, forrada, composta de 2 (dois) dormitórios, sala, cozinha,
banheiro, dispensa e varandas de frente e fundo, terreno murado. Higienização em boas
condições e mobiliário bem conservado.
A autora costumava dormir na casa da mãe também, que reside em casa próxima.
Não constou do estudo social a renda do marido, mas o INSS junta extratos do CNIS onde se
apura renda média de R$ 1000,00 (mil reais). Menciona o apelante a renda mensal de R$
1200,00 como abatedor de aves.
Trata-se de renda mensal per capita superior a ½ (meio) salário mínimo. Assim, as circunstâncias
de sobrevivência implicam situação incompatível com o critério de miserabilidade jurídica
estabelecida no artigo 20, § 3º, da LOAS, já que a autora não se encontrava em vulnerabilidade
social por ter acesso aos mínimos sociais.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Quanto ao pleito de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, afigura-se
patentemento despropositado e sem fundamento, pois restou claro, no estudo social, que a parte
autora, embora esposa de trabalhador rural, jamais exerceu qualquer atividade laborativa, de
modo que não possuía qualquer cobertura securitária.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do
artigo 85, § 4º, III, do Novo CPC.
Ademais, considerando que a sentença foi publicada na vigência do CPC/1973, não incide ao
presente caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, do NCPC, que determina a majoração dos
honorários de advogado em instância recursal.
Em relação à parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do
mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É O VOTO.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO. APELAÇÃO PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo (STF, RE n.
580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
- A parte autora, conquanto pessoa com deficiência, não cumprira o requisito da hipossuficiência
econômica.
- De fato, o estudo social explica que ela vive com o marido, trabalhador rural que praticamente a
via nos fins de semana, em casa própria, de alvenaria, com construção simples, paredes
rebocadas e pintadas, piso de cerâmica, forrada, composta de 2 (dois) dormitórios, sala, cozinha,
banheiro, dispensa e varandas de frente e fundo, terreno murado. Higienização em boas
condições e mobiliário bem conservado.
- Não constou do estudo social a renda do marido, mas o INSS junta extratos do CNIS onde se
apura renda média de R$ 1000,00 (mil reais). Menciona o apelante a renda mensal de R$
1200,00 como abatedor de aves.
- Trata-se de renda mensal per capita superior a ½ (meio) salário mínimo. Assim, as
circunstâncias de sobrevivência implicam situação incompatível com o critério de miserabilidade
jurídica estabelecida no artigo 20, § 3º, da LOAS, já que a autora não se encontrava em
vulnerabilidade social por ter acesso aos mínimos sociais.
- O benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público
maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que
sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem
renda ou de ser essa insignificante.
- Invertida a sucumbência, condena-se a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do
artigo 85, § 4º, III, do Novo CPC. Considerando que a sentença foi publicada na vigência do
CPC/1973, não incide ao presente caso a regra de seu artigo 85, §§ 1º e 11, que determina a
majoração dos honorários de advogado em instância recursal, ficando suspensa a exigibilidade,
segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A NONA TURMA, POR
UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
