Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2319939 / SP
0002754-02.2019.4.03.9999
Relator(a)
JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
NONA TURMA
Data do Julgamento
04/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/09/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE TEMPORARIAMENTE CONFIGURADA. FATO
SUPERVENIENTE. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em
seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3,
São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos
e destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento
não puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da
solidariedade social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- Sobre a definição de deficiência, Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de
Direito, n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
- A Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência",
com início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da
LOAS, in verbis: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada,
considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas."
- Como apontado no item IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (voto do relator), não é
qualquer limitação ou problema físico ou mental que torna possível a percepção de benefício
assistencial de prestação continuada, mesmo porque este não pode ser postulado como mero
substituto de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, por aqueles que não mais gozam
da proteção previdenciária (artigo 15 da Lei nº 8.213/91), ou dela nunca usufruíram.
- Quanto ao requisito da deficiência, a perícia concluiu pela incapacidade total e permanente,
por ser ele portador de diversas doenças, inclusive sequela de AVC.
- No que toca à hipossuficiência, o estudo social, realizado em 10/12/2015, revelou que a autora
vive com o marido e um filho. Vivem em casa simples e alugada. Casa de alvenaria, com dois
dormitórios, dotada de água encanada, saneamento básico e energia elétrica. O filho é titular de
BPC no valor de um salário mínimo, e o marido trabalha formalmente com remuneração mensal
de R$ 905,00. O filho deve ser excluído do núcleo familiar, porquanto titular de benefício mínimo
(vide item 1, supra). O extrato do CNIS demonstra que, na época da DER, o companheiro
recebia remuneração superior a R$ 1500,00.
- Nestas condições, como bem observou a Procuradoria Regional da República, não há falar-se
em miserabilidade, já que o núcleo familiar tinha acesso aos mínimos sociais. Cumpre salientar
que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um
público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas
pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de
não terem renda ou de ser essa insignificante.
- Contudo, o amásio da autora permaneceu desempregado entre 02/10/2017 até 12/04/2019
(CNIS às f. 164/165). Nesse interstício será devido o BA, porque aí sim havia hipossuficiência.
Registre-se que o desemprego temporário do companheiro constitui fato superveniente, a ser
computado nos termos do artigo 493 do CPC.
- Sobre a devolução dos valores recebidos a título de tutela provisória revogada, a questão
deverá ser oportunamente aventada na fase de cumprimento do julgado, nos termos que vierem
a ser definidos pelo e. STJ na reapreciação do Tema Repetitivo nº 692.
- Tendo em vista a ocorrência de sucumbência recíproca, condeno ambas as partes a pagar
honorários ao advogado da parte contrária, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da
condenação, conforme critérios do artigo 85, caput e § 14, do NCPC. Todavia, em relação à
parte autora, fica suspensa a exigibilidade, segundo a regra do artigo 98, § 3º, do mesmo
diploma processual, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer da apelação e
lhe dar parcial provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
