Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5231386-66.2019.4.03.9999
Relator(a)
Juiz Federal Convocado RODRIGO ZACHARIAS
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
23/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/05/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. NEOPLASIA DE MAMA. IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO.
MISERABILIDADE CONFIGURADA. FATO SUPERVENIENTE. ÓBITO DA AUTORA.
IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS EM VIDA. PARCELAS VENCIDAS
DEVIDAS. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL. TERMO FINAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. ABATIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO
PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
- Por um lado, o benefício pleiteado tem caráter personalíssimo, não podendo ser transferido aos
herdeiros em caso de óbito, tampouco gera o direito à percepção do benefício de pensão por
morte aos dependentes. Por outro, o que não pode ser transferido é o direito à percepção mensal
do benefício, pois a morte do beneficiário coloca um termo final em seu pagamento. Permanece a
pretensão dos sucessores ao recebimento dos valores eventualmente devidos até o óbito.
- Cumpre observar que os valores a que fazia jus o titular e que não foram recebidos em vida
integraram seu patrimônio, de modo a tornar possível a transmissão aos herdeiros. Tanto é certo
que, do contrário, jamais se poderia reconhecer o direito a atrasados pelo titular, violando legítimo
direito deste e de eventuais herdeiros.
- A propósito, dispõe o parágrafo único do art. 23 do Decreto nº 6.214, de 26.09.2007: “Art. 23. O
Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
herdeiros ou sucessores. Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo
beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil.”
- Desta forma, não se poderia extinguir o feito sem julgamento do mérito, segundo orientação
jurisprudencial predominante inclusive no Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.330.596 – SP,
relator Min. Benedito Gonçalves, em julgamento de recurso representativo de controvérsia). Com
efeito, o entendimento no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, apesar do caráter
personalíssimo dos benefícios previdenciários e assistenciais, os herdeiros têm o direito de
receber eventuais parcelas que seriam devidas ao autor que falece no curso da ação.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- Sobre a definição de deficiência, Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito,
n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
- A Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência", com
início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in
verbis: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
- No caso concreto, o requisito subjetivo da deficiência, que restou demonstrado. O laudo médico
(ID nº 31716090 - fls. 107/116 do pdf) constatou que se trata de pessoa com Neoplasia Maligna
da Mama Direita, caso particular grave o que lhe provocava incapacidade laboral parcial e
definitiva, constituindo impedimento de longo prazo de natureza física, o qual, em interação com
diversas barreiras, como miséria familiar, obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas. A questão da capacidade de trabalho não
esgota a análise da deficiência, que é definida em outros termos.
- No mais, está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais. No relatório social,
apurou-se que a autora vivia com quadro filhos (nascidos em 1999, 2006, 2009 e 2014), em casa
cedida pelo ex marido. O filho mais velho, Julio Cesar, exercia atividade laborativa com
rendimento declarado de aproximadamente R$ 500,00. Os demais filhos recebiam pensão
alimentícia (R$ 156,50 + R$ 156,50 + R$ 170,00), valores que naturalmente integram a renda
familiar na forma da lei. Ainda segundo o estudo social, a parte autora reside "de favor" em imóvel
cedido pelo ex marido, composto por seis cômodos, guarnecido por móveis e alguns
eletrodomésticos essenciais, em péssimo estado de conservação, não existe sequer geladeira. A
casa é antiga e precisa de reparos, o forro está caindo. As despesas são referentes a água,
energia elétrica, alimentação, gás, IPTU, remédios e outros tudo no valor de R$ 1.143,18. Há
fotografias nos autos.
- De toda forma, deve ser seguida a orientação do RE n. 580963, identificando-se no caso a
presença de vulnerabilidade social. Em decorrência, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n.
8.742/93 e regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- O benefício é devido com termo inicial na data da propositura da ação (STF, RE 631240,
Repercussão Geral, item 8). O termo final é a data do óbito da autora. As prestações já recebidas
pela autora na via administrativa deverão ser integralmente abatidas do crédito dos sucessores.
- Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017,
Relator Ministro Luiz Fux). Contudo, em 24 de setembro de 2018 (DJE n. 204, de 25/9/2018), o
Relator da Repercussão Geral, Ministro Luiz Fux,deferiu, excepcionalmente,efeito suspensivoaos
embargos de declaração opostos em face do referido acórdão, razão pela qual resta obstada a
aplicação imediata da tese pelas instâncias inferiores, antes da apreciação pelo Supremo Tribunal
Federaldo pedido de modulação dos efeitos da tese firmada no RE 870.947.
- Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês,
contados da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência
do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser
utilizada a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante
alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09
(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux),observada, quanto ao
termo inicial de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em
19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
- Caberá ao Juízo a quo promover a habilitação dos sucessores, antes do levantamento dos
valores.
- Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 12%
(doze por cento) sobre a condenação, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do
Novo CPC e súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente
da fase recursal.
- Apelação parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5231386-66.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SHIRLEI APARECIDA DA FONSECA
Advogados do(a) APELANTE: CINTIA BENEDITA DURAN GRIAO - SP160049-N, KAMILA
APARECIDA DURAN GRIAO - SP253336-N, LORENA FERREIRA FERNANDES - SP382184-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5231386-66.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SHIRLEI APARECIDA DA FONSECA
Advogados do(a) APELANTE: LORENA FERREIRA FERNANDES - SP382184-N, KAMILA
APARECIDA DURAN GRIAO - SP253336-N, CINTIA BENEDITA DURAN GRIAO - SP160049-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de apelação interposta em face
de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial de
prestação continuada.
A parte autora requer a reforma da sentença, alegando fazer jus ao benefício, por se encontrar
sem condições de trabalho e ser hipossuficiente.
Contrarrazões apresentadas.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal sugere o provimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5231386-66.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: SHIRLEI APARECIDA DA FONSECA
Advogados do(a) APELANTE: LORENA FERREIRA FERNANDES - SP382184-N, KAMILA
APARECIDA DURAN GRIAO - SP253336-N, CINTIA BENEDITA DURAN GRIAO - SP160049-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação porque presentes
os requisitos de admissibilidade.
Inicialmente, observando-se o sistema INFBEN, consta que a autora recebeu BPC com DIB em
22/02/2018 até 30/9/2018, quando faleceu, fatos não informados nestes autos mas que devem
ser levados em conta, na forma do artigo 493 do CPC.
Trata-se de hipótese em que a habilitação deverá dar-se em 1º grau de jurisdição, quando do
retorno dos autos ao Juízo a quo.
DIREITO PERSONALÍSSIMO E PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
Por um lado, o benefício pleiteado tem caráter personalíssimo, não podendo ser transferido aos
herdeiros em caso de óbito, tampouco gera o direito à percepção do benefício de pensão por
morte aos dependentes.
Por outro, o que não pode ser transferido é o direito à percepção mensal do benefício, pois a
morte do beneficiário coloca um termo final em seu pagamento. Permanece a pretensão dos
sucessores ao recebimento dos valores eventualmente devidos até o óbito.
Cumpre observar que os valores a que fazia jus o titular e que não foram recebidos em vida
integraram seu patrimônio, de modo a tornar possível a transmissão aos herdeiros. Tanto é certo
que, do contrário, jamais se poderia reconhecer o direito a atrasados pelo titular, violando legítimo
direito deste e de eventuais herdeiros.
A propósito, dispõe o parágrafo único do art. 23 do Decreto nº 6.214, de 26.09.2007: “Art. 23. O
Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos
herdeiros ou sucessores. Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo
beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil.”
Desta forma, não se pode extinguir o feito sem julgamento do mérito, segundo orientação
jurisprudencial predominante inclusive no Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.330.596 – SP,
relator Min. Benedito Gonçalves, em julgamento de recurso representativo de controvérsia).
Com efeito, o entendimento no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, apesar do
caráter personalíssimo dos benefícios previdenciários e assistenciais, os herdeiros têm o direito
de receber eventuais parcelas que seriam devidas ao autor que falece no curso da ação.
Outros precedentes há, proferidos nesta egrégia Corte Regional, no mesmo sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. AÇÃO DE HABILITAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL . ÓBITO DO AUTOR. ARTIGO 23 DO DECRETO 6.214/2007.
PAGAMENTO AOS SUCESSORES. I - Trata-se de agravo, interposto pelo Instituto Nacional do
Seguro Social - INSS, com apoio no § 1º do art. 557 do CPC, em face da decisão monocrática
que negou seguimento ao seu apelo, interposto em face de sentença que julgou procedente o
pedido de habilitação dos sucessores de Aparecida Moreira Freitas. II - O agravante sustenta que
o benefício assistencial (LOAS) tem finalidade muito restrita (a sobrevivência física do seu titular),
possuindo caráter personalíssimo, sendo intransmissível. Afirma que, em ocorrendo o falecimento
do autor no curso da lide, descabe cogitar-se a respeito da percepção de eventuais diferenças em
favor de terceiros, mesmo que dependentes ou sucessores do de cujus, a teor do artigo 21, § 1º,
da Lei nº 8.742/93 e artigo 267 , IX, do CPC. Pretende seja rejeitado o pedido de habilitação,
julgando-se extinto o feito sem apreciação do mérito, nos moldes do artigo 267 , VI, do CPC. III -
Embora não se discuta acerca do caráter personalíssimo e intransferível do benefício assistencial
de prestação continuada, uma vez reconhecido o direito ao amparo, os valores devidos e não
recebidos em vida pelo beneficiário integram o patrimônio do de cujos e devem ser pagos aos
sucessores na forma da lei civil. IV - O art. 23, do Decreto n.º 6.214/2007, que regulamenta o
benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao
idoso, assim prescreve, no seu Parágrafo único: "O valor do resíduo não recebido em vida pelo
beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil."- negritei. V – (...).
VII - Agravo improvido. (TRF 3ª Região, Oitava Turma, AC 00219847420124039999, Julg.
17.06.2013, Rel. Raquel Perrini, e-DJF3 Judicial 1 Data:28.06.2013)
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. ARTIGO 203, INCISO V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ÓBITO DA AUTORA. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS EM VIDA. PARCELAS VENCIDAS DEVIDAS. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS.
POSSIBILIDADE. I - A assistência social é paga ao portador de deficiência ou ao idoso com 65
(sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria
subsistência ou de tê-la provida pela sua família (CF, art. 203, V, Lei nº 8.742/93, Lei nº 9.720/98
e Lei nº 10.741/03, art. 34). II - As parcelas vencidas entre o termo inicial do benefício e a data do
óbito da autora são devidas aos seus sucessores. III - Agravo a que se nega provimento. (TRF 3ª
Região, Décima Turma, AC 00072414619994036109, Julg. 29.01.2013, Rel. Walter do Amaral, e-
DJF3 Judicial 1 Data:06.02.2013).
CAUSA MADURA
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos
Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a
miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve
o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita
de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos
Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da
Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional
de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo
fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
2.CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
3.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente
dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante
interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça
aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou
mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
5.CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito subjetivo da deficiência, que restou demonstrado.
O laudo médico (ID nº 31716090 - fls. 107/116 do pdf) constatou que se trata de pessoa com
Neoplasia Maligna da Mama Direita, caso particular grave o que lhe provocava incapacidade
laboral parcial e definitiva, constituindo impedimento de longo prazo de natureza física, o qual, em
interação com diversas barreiras, como miséria familiar, obstrui sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Como já analisado no item 4 (vide supra), a questão da capacidade de trabalho não esgota a
análise da deficiência, que é definida em outros termos.
No mais, está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais.
No relatório social, apurou-se que a autora vivia com quadro filhos (nascidos em 1999, 2006,
2009 e 2014), em casa cedida pelo ex marido.
O filho mais velho, Julio Cesar, exercia atividade laborativa com rendimento declarado de
aproximadamente R$ 500,00.
Os demais filhos recebiam pensão alimentícia (R$ 156,50 + R$ 156,50 + R$ 170,00), valores que
naturalmente integram a renda familiar na forma da lei.
Ainda segundo o estudo social, a parte autora reside "de favor" em imóvel cedido pelo ex marido,
composto por seis cômodos, guarnecido por móveis e alguns eletrodomésticos essenciais, em
péssimo estado de conservação, não existe sequer geladeira. A casa é antiga e precisa de
reparos, o forro está caindo. As despesas são referentes a água, energia elétrica, alimentação,
gás, IPTU, remédios e outros tudo no valor de R$ 1.143,18.
Há fotografias nos autos.
De toda forma, deve ser seguida a orientação do RE n. 580963 (repercussão geral – vide supra),
identificando-se no caso a presença de vulnerabilidade social.
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93 e regulamentado
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
O benefício é devido desde a data da propositura da ação (STF,RE 631240, Repercussão Geral,
item 8).
O termo final é a data do óbito da autora.
As prestações já recebidas pela autora na via administrativa deverão ser integralmente abatidas
do crédito dos sucessores.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017,
Relator Ministro Luiz Fux). Contudo, em 24 de setembro de 2018 (DJE n. 204, de 25/9/2018), o
Relator da Repercussão Geral, Ministro Luiz Fux,deferiu, excepcionalmente,efeito suspensivoaos
embargos de declaração opostos em face do referido acórdão, razão pela qual resta obstada a
aplicação imediata da tese pelas instâncias inferiores, antes da apreciação pelo Supremo Tribunal
Federaldo pedido de modulação dos efeitos da tese firmada no RE 870.947.
Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados
da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser
utilizada a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante
alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09
(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux),observada, quanto ao
termo inicial de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em
19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
Referentemente às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como
nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia
Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora,
por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação, para condenar o réu ao pagamento do
benefício assistencial de prestação continuada aos sucessores da parte autora, desde a data da
propositura da ação até a data do óbito, com os consectários acima discriminados.
Caberá ao Juízo a quo promover a habilitação dos sucessores, antes do levantamento dos
valores.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 12%
(doze por cento) sobre a condenação, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do
Novo CPC e súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente
da fase recursal.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. NEOPLASIA DE MAMA. IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO.
MISERABILIDADE CONFIGURADA. FATO SUPERVENIENTE. ÓBITO DA AUTORA.
IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS EM VIDA. PARCELAS VENCIDAS
DEVIDAS. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS. POSSIBILIDADE. TERMO INICIAL. TERMO FINAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. ABATIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO
PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
- Por um lado, o benefício pleiteado tem caráter personalíssimo, não podendo ser transferido aos
herdeiros em caso de óbito, tampouco gera o direito à percepção do benefício de pensão por
morte aos dependentes. Por outro, o que não pode ser transferido é o direito à percepção mensal
do benefício, pois a morte do beneficiário coloca um termo final em seu pagamento. Permanece a
pretensão dos sucessores ao recebimento dos valores eventualmente devidos até o óbito.
- Cumpre observar que os valores a que fazia jus o titular e que não foram recebidos em vida
integraram seu patrimônio, de modo a tornar possível a transmissão aos herdeiros. Tanto é certo
que, do contrário, jamais se poderia reconhecer o direito a atrasados pelo titular, violando legítimo
direito deste e de eventuais herdeiros.
- A propósito, dispõe o parágrafo único do art. 23 do Decreto nº 6.214, de 26.09.2007: “Art. 23. O
Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos
herdeiros ou sucessores. Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo
beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil.”
- Desta forma, não se poderia extinguir o feito sem julgamento do mérito, segundo orientação
jurisprudencial predominante inclusive no Superior Tribunal de Justiça (RESP 1.330.596 – SP,
relator Min. Benedito Gonçalves, em julgamento de recurso representativo de controvérsia). Com
efeito, o entendimento no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, apesar do caráter
personalíssimo dos benefícios previdenciários e assistenciais, os herdeiros têm o direito de
receber eventuais parcelas que seriam devidas ao autor que falece no curso da ação.
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- Na ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício
Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no §
3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
- Depois, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o
entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
- Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
- Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- Sobre a definição de deficiência, Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos:
"desvio acentuado dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento
físico, mental, sensorial ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento
separada, combinada ou globalmente" (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito,
n. XXXIV. São Paulo: Saraiva, 1999).
- A Lei nº 13.146/2015, que "institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência", com
início de vigência em 02/01/2016, novamente alterou a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS, in
verbis: "§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se
pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas."
- No caso concreto, o requisito subjetivo da deficiência, que restou demonstrado. O laudo médico
(ID nº 31716090 - fls. 107/116 do pdf) constatou que se trata de pessoa com Neoplasia Maligna
da Mama Direita, caso particular grave o que lhe provocava incapacidade laboral parcial e
definitiva, constituindo impedimento de longo prazo de natureza física, o qual, em interação com
diversas barreiras, como miséria familiar, obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas. A questão da capacidade de trabalho não
esgota a análise da deficiência, que é definida em outros termos.
- No mais, está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais. No relatório social,
apurou-se que a autora vivia com quadro filhos (nascidos em 1999, 2006, 2009 e 2014), em casa
cedida pelo ex marido. O filho mais velho, Julio Cesar, exercia atividade laborativa com
rendimento declarado de aproximadamente R$ 500,00. Os demais filhos recebiam pensão
alimentícia (R$ 156,50 + R$ 156,50 + R$ 170,00), valores que naturalmente integram a renda
familiar na forma da lei. Ainda segundo o estudo social, a parte autora reside "de favor" em imóvel
cedido pelo ex marido, composto por seis cômodos, guarnecido por móveis e alguns
eletrodomésticos essenciais, em péssimo estado de conservação, não existe sequer geladeira. A
casa é antiga e precisa de reparos, o forro está caindo. As despesas são referentes a água,
energia elétrica, alimentação, gás, IPTU, remédios e outros tudo no valor de R$ 1.143,18. Há
fotografias nos autos.
- De toda forma, deve ser seguida a orientação do RE n. 580963, identificando-se no caso a
presença de vulnerabilidade social. Em decorrência, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos
necessários à concessão do benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n.
8.742/93 e regulamentado pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
- O benefício é devido com termo inicial na data da propositura da ação (STF, RE 631240,
Repercussão Geral, item 8). O termo final é a data do óbito da autora. As prestações já recebidas
pela autora na via administrativa deverão ser integralmente abatidas do crédito dos sucessores.
- Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017,
Relator Ministro Luiz Fux). Contudo, em 24 de setembro de 2018 (DJE n. 204, de 25/9/2018), o
Relator da Repercussão Geral, Ministro Luiz Fux,deferiu, excepcionalmente,efeito suspensivoaos
embargos de declaração opostos em face do referido acórdão, razão pela qual resta obstada a
aplicação imediata da tese pelas instâncias inferiores, antes da apreciação pelo Supremo Tribunal
Federaldo pedido de modulação dos efeitos da tese firmada no RE 870.947.
- Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês,
contados da citação, por força dos artigos 1.062 do CC/1916 e 240 do CPC/2015, até a vigência
do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, ser
utilizada a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante
alterações introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09
(Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017, Rel. Min. Luiz Fux),observada, quanto ao
termo inicial de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em
19/4/2017, Rel. Min. Marco Aurélio.
- Caberá ao Juízo a quo promover a habilitação dos sucessores, antes do levantamento dos
valores.
- Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 12%
(doze por cento) sobre a condenação, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do
Novo CPC e súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente
da fase recursal.
- Apelação parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer da apelação e lhe dar parcial provimento, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
