
| D.E. Publicado em 28/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS e, por maioria, manter a concessão do benefício da justiça gratuita, excluir a aplicação da multa à autora e determinar a exclusão da determinação de devolução dos valores recebidos por força de tutela revogada, nos termos do voto da Desembargadora Federal Marisa Santos, a qual foi acompanhada pela Desembargadora Federal Ana Pezarini e pela Desembargadora Federal Tânia Marangoni (que votaram nos termos do art. 942, "caput" e §1º, do CPC). Vencido o Relator, que revogava a justiça gratuita, condenava a parte autora a pagar multa, na forma do artigo 100, parágrafo único, do CPC, e determinava a devolução dos valores recebidos em tutela provisória de urgência, o qual foi acompanhado pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan. Julgamento nos termos do disposto no artigo 942, "caput" e §1º, do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Relatora para o acórdão
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002597-63.2018.4.03.9999/SP
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS: Cuida-se de declarar o voto proferido no julgamento da apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente pedido de concessão de benefício assistencial, antecipando os efeitos da tutela.
Na sessão de 1º de agosto de 2018, o senhor Relator deu provimento à apelação para julgar improcedente o pedido, revogando a justiça gratuita, condenando a autora a pagar, além das custas e honorários de advogado, multa no valor de 3 (três) vezes o valor das custas, na forma do artigo 100, par. único, do NCPC, e determinando a devolução dos valores recebidos indevidamente, em tutela provisória de urgência, nos termos do Resp. 1.401.560/MT. Apresentei divergência no que se refere à revogação da assistência judiciária gratuita, à condenação em multa e à determinação de devolução dos valores recebidos por força de tutela revogada.
Passo a declarar o voto.
Os artigos 98 e seguintes do CPC/2015 regulamentam a gratuidade da justiça, que deverá ser deferida à pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, que não dispuser de recursos para o pagamento das custas, despesas processuais e honorárias advocatícias.
Para a concessão da justiça gratuita, basta o interessado formular o pedido na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso, de acordo com o art. 99, caput, do CPC/2015.
A presunção da alegação de insuficiência de recursos, prevista no § 3º do art. 99, no entanto, não é absoluta, porque pode o magistrado indeferir o benefício se existirem nos autos "elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade", conforme autoriza o § 2º do mesmo dispositivo legal.
Nesse mesmo sentido já decidiu este Tribunal:
PROCESSUAL. AGRAVO. ARTIGO 557, § 1º, CPC. LEI Nº 1.060/50. CONDIÇÃO DE SUPORTAR AS DESPESAS PROCESSUAIS. INDEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA. INTIMAÇÃO PESSOAL PARA O RECOLHIMENTO DAS CUSTAS. INÉRCIA DOS AUTORES. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. ARTIGO 267, III E IV, DO CPC. SENTENÇA MANTIDA.
1 - A Lei nº 1.060/50 exige a simples alegação do interessado para que o juiz possa conceder-lhe a Assistência Judiciária Gratuita. Correta, entretanto, a decisão que afasta essa presunção no caso de autores que desempenham profissões de nível superior notoriamente bem remuneradas (engenheiro, economista e industriário) e não apresentam qualquer demonstração incapacidade econômica para suportar as despesas do processo.
2 - A presunção relativa de veracidade da alegação de impossibilidade de suportar os encargos do processo não pode obrigar a parte contrária a esforço probatório injustificado que, aliás, redundaria em incursão na vida privada do beneficiário, incompatível com a natureza da discussão.
3 - Os autores foram intimados pessoalmente para o recolhimento das custas processuais, de sorte que, ante a inércia, o feito foi extinto sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 267, III e IV, do CPC. Sentença mantida. Precedentes do STJ: REsp 758610 e REsp 167550.
4 - Agravo a que se nega provimento.
(2ª Turma, AC 827201, Proc. 2002.03.99.035533-6, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, DJF3 28/08/2008).
PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA - ALEGAÇÃO DE FALTA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS - RENDIMENTOS QUE COMPROVAM O CONTRÁRIO - FUNDADA RAZÃO - INDEFERIMENTO - AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO
1. Agravo de instrumento interposto em face de r. decisão que, em sede de "ação ordinária", indeferiu a gratuidade da justiça diante dos comprovantes de rendimentos dos autores.
2. Dispõe o art. 4o da Lei 1.060/50 que "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família".
3. Referido dispositivo limita muito o poder do juiz para negar o benefício, o que só poderá fazer diante de "fundadas razões" (art. 5o). Ainda, cabe ao adverso impugnar a concessão do benefício se tiver interesse na providência.
4. Sucede que no caso dos autos o digno juízo de primeira instância houve por bem indeferir a concessão da gratuidade da justiça à autora "diante dos documentos juntados pelos autores".
5. Considerando o princípio geral de direito segundo o qual apenas devem ser agraciadas com o benefício da gratuidade da justiça as pessoas menos aquinhoadas, que efetivamente não disponham de condições para demandar em juízo, e restando essa circunstância infirmada nos autos pelo valor dos rendimentos declarados pelos recorrentes, não se justifica a concessão dos benefícios da Lei 1.060/50 diante da singela afirmação da parte agravante de que não possui "condições financeiras" para arcar com as custas e despesas processuais.
6. Agravo de instrumento improvido.
(1º Turma, AI 323743, Proc. 2008.03.00.001530-9, Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, DJF3 30/06/2008).
Nos termos do § 4º do art. 99 do CPC/2015, o fato de a parte ter contratado advogado para o ajuizamento da ação não impede a concessão da justiça gratuita.
Nesse sentido:
IMPUGNAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ALEGAÇÃO DE POBREZA NO SENTIDO JURÍDICO DO TERMO DEDUZIDA NOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA EM CONTRÁRIO. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Segundo orientação jurisprudencial segura do Egrégio STJ, a alegação de pobreza deve ser prestigiada pelo Juízo e, salvo prova em contrário, deve ser concedida.
2. Entende ainda aquela Corte que, "para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, basta a afirmação de pobreza pela parte, somente afastável por prova inequívoca em contrário, inexistente na espécie" (AgRg no REsp 1191737/RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO).
3. O benefício da assistência judiciária não atinge, apenas, os pobres e miseráveis, mas, também, todo aquele cuja situação econômica não lhe permite pagar as custas e demais despesas do processo, sem prejuízo do seu sustento ou da família. Verifica-se, portanto, que mesmo não sendo a parte miserável ou pobre, poderá se revestir dos benefícios da justiça gratuita. Não garantir o benefício a quem demonstra necessidade seria desvirtuar a finalidade do instituto, haja vista a Assistência Judiciária ser uma garantia Constitucional que visa assegurar o acesso ao Judiciário à parte que não puder arcar com as despesas processuais, sem prejuízo de seu sustento, ou de sua família. Garantia essa não condicionada a total miserabilidade do beneficiado.
4. O fato de ter contratado advogado, sem se valer da Assistência Judiciária Gratuita, não é fator determinante para o indeferimento do pedido de gratuidade processual, até porque, se assim fosse, o instituto não teria razão de ser, dado que aqueles patrocinados pelas Defensorias Públicas estão dispensados, por lei, do pagamento de custas e despesas processuais em geral, cabendo a postulação da gratuidade apenas aos que são atendidos por advogados contratados. Pelo desprovimento do apelo da União.
(TRF3, 3ª Turma, AC 1654558, Proc. 0001122-76.2011.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Márcio Moraes, DJe 18/05/2012).
Analisando o caso concreto, verifico que os documentos constantes dos autos comprovaram a alegada hipossuficiência.
As informações constantes do estudo social (fls. 53/55) comprovam que a renda da família gira em torno de R$ 1.760,00, em julho de 2016, oriunda das aposentadorias recebidas pelo marido e pelo irmão da autora.
Portanto, entendo que está caracterizada a insuficiência de recursos para o pagamento das custas e despesas processuais, nos termos do art. 98, caput, do CPC/2015.
Nesse sentido, o entendimento adotado pela Terceira Seção deste Tribunal, por maioria, no julgamento, em 23.02.2017, das Ações Rescisórias 2016.03.00.000880-6, 2013.03.00.012185-3, 2014.03.00.019590-7, 2015.03.00.020988-1, 2015.03.00.021276-4 e 2016.03.00.003236-5, de relatoria do Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias.
Transcrevo o voto condutor do Desembargador Federal Baptista Pereira, quanto ao deferimento da justiça gratuita (AR 2016.03.00.003236-5):
Acompanho o Senhor Relator no que se refere à rejeição da matéria preliminar, a procedência do pedido de rescisão de julgado e a improcedência do pedido deduzido na ação subjacente.
Peço vênia para discordar, todavia, unicamente em relação ao indeferimento da concessão da justiça gratuita à parte ré.
Sobre a questão, assim se pronuncia o Eminente Relator:
"Inicialmente, indefiro a concessão da justiça gratuita a parte ré.
Com efeito, dispõe o artigo 99, § 3º, do Novo Código de Processo Civil, in verbis:
"O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural."
Assim, em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende de simples afirmação de insuficiência de recursos da parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem "comprovar" a insuficiência de recursos.
Esse o sentido constitucional da justiça gratuita , que prevalece sobre o teor da legislação ordinária.
Registre-se que a Defensoria Pública da União só presta assistência judiciária a quem percebe renda inferior a 3 (três) salários mínimos (Resolução CSDPU Nº 85 DE 11/02/2014).
Via de regra, esse nível de renda, ainda que não de forma absoluta, é um parâmetro razoável para se aferir a possibilidade de concessão da justiça gratuita .
No caso, a parte ré percebe aposentadoria com renda mensal de R$ 5.375,00 (cinco mil trezentos e setenta e cinco reais) em janeiro de 2017, além de manter vínculo empregatício com remuneração, em dezembro de 2016, de maneira que não se vislumbra a insuficiência de recursos alegada".
Em primeiro lugar, tenho que a legislação processual não define um critério objetivo para a aferição da hipossuficiência do postulante à gratuidade da justiça. Tanto é que se presume verdadeira a simples afirmação do requerente, de que não possui meios para arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios.
Assim, não me parece adequado dar interpretação restritiva à norma legal para impor um limite de salário a fim de definir se a parte detém ou não insuficiência de recursos.
No caso dos autos, o Senhor Relator emprega disposição contida em resolução do Conselho Superior da Defensoria Pública da União para estabelecer a divisa objetiva para reconhecimento ou negativa do direito à justiça gratuita, algo, como já dito, não previsto pelo ordenamento processual.
Ademais, o fato de a Constituição Federal prever que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos", não prejudica o direito ao contraditório e à ampla defesa, corolários do devido processo legal, visto que estes constituem garantia fundamental expressamente resguardada pelo Texto Constitucional (CF/88, Art. 5º, LIV e LV).
Não por outra razão, consigna o Art. 99, § 2º, que "o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos".
Ora, verifica-se que, no caso concreto, não houve oportunidade para a parte comprovar o preenchimento dos pressupostos à concessão da gratuidade judiciária.
De outra parte, cabe ponderar ainda que o salário nominal recebido pelo requerente não pode ser considerado de forma isolada, sem que se verifique a sua situação em particular, pois se tratar de verba de caráter alimentar, que pode sofrer sérias restrições em face dos gastos mensais com a manutenção da saúde, alimentação e moradia, por exemplo, oferecendo riscos à própria subsistência.
Por fim, é de se observar, afora o que já foi dito, que a impugnação à justiça gratuita cabe à parte contrária, que deverá produzir prova em sentido oposto, o que não se logrou demonstrar nestes autos.
Ante o exposto, acompanho o Senhor Relator no que diz respeito à rejeição da matéria preliminar, à procedência do pedido de rescisão de julgado e à improcedência do pedido deduzido na ação subjacente, e, com a devida vênia, divirjo no tocante ao indeferimento do pedido de concessão dos benefícios da Justiça, para deferi-lo.
É o voto.
Assim, entendo que se impõe a concessão do benefício da justiça gratuita, até a existência nos autos de prova em contrário sobre a situação de hipossuficiência financeira da parte autora.
Descabida a aplicação da multa de 3 (três) vezes o valor das custas, na forma do art. 100, par. único, do CPC/2015, por dois motivos: primeiro, porque não se justifica a revogação dos benefícios da assistência judiciária gratuita, conforme explanado anteriormente; segundo, porque, ainda que justificada a sua revogação, não está comprovada a má-fé ou a violação aos princípios da lealdade e da boa-fé processual necessários para a aplicação da referida penalidade.
Por fim, compartilho do entendimento no sentido de que os valores recebidos por força de tutela, posteriormente revogada, devam ser devolvidos, nos termos do decidido pelo STJ no Resp n. 1.401.560/MT, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
Contudo, a devolução dos valores recebidos por força de tutela revogada deverá ser efetivada apenas após o trânsito em julgado da decisão proferida na ação de conhecimento, mediante provocação das partes. O que se revela inoportuno neste momento processual.
Com essas considerações, acompanho o senhor Relator para dar provimento à apelação do INSS e julgar improcedente o pedido, mas dele divirjo para manter a concessão do benefício da justiça gratuita, excluir a aplicação da multa e determinar a exclusão da determinação de devolução dos valores recebidos por força de tutela revogada, nos termos da fundamentação.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002597-63.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão do benefício de amparo social, discriminados os consectários, antecipando os efeitos da tutela, dispensado o reexame necessário.
O INSS alega que o benefício é indevido por ausência de miserabilidade e requer a reforma para a improcedência total do pleito. Subsidiariamente impugna consectários.
Subiram os autos a esta egrégia Corte.
Manifestou-se a Procuradoria Regional da República pelo provimento da apelação, porquanto não patenteada a miserabilidade, inclusive com cassação da justiça gratuita e fixação de multa.
A tutela provisória de urgência foi cassada por este relator.
Manifestou-se a parte autora, ao depois.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço do apelo em razão da satisfação de seus requisitos.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova, conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos do amparo social. Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Vale dizer, não se pode tomar como "taxativo" o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Entendo pessoalmente que, em todos os casos, outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Resta consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na Lei nº 8.742/93, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, lícito é inferir que só deve ser prestada em casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de comprometer a mesma proteção social não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde esta consegue, ela própria, mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de construir um futuro social e economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir contingências encontradas somente na letra da lei (dever-ser) e não no mundo dos fatos (ser). Cabe, em casos que tais, à sociedade (solidariedade social) prestar na medida do possível assistência aos próximos.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Ademais, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social (autora é inscrita como dependente do marido) está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a autora possui idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
Ela padece de males da idade avançada e outras doenças.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais.
O estudo social apontou que a parte autora vive com o marido e um irmão, em casa cedida pertencente ao irmão. Os 2 últimos recebem benefício de 1 salário mínimo cada.
Além deste filho, a autora possui 3 (três) filhos, maiores e capazes.
Como bem observou o Ministério Público Federal, o marido da autora exercer atividade econômica, fato que foi omitido neste feito. Há inscrição ativa, desde 16/11/2016, como produtor rural (f. 114 e seguintes).
Os filhos, por outro lado, exercem atividade remunerada e possuem plenas condições de auxiliar os pais, à luz do artigo 229 da Constituição Federal.
Nesse mesmo diapasão, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade".
A família inclusive é proprietária de imóveis e terrenos (f. 114 e seguintes).
Logo, mesmo aplicando-se o teor do RE n. 580963, não há falar-se em hipossuficiência para fins assistenciais, pois ausente o risco social.
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL". No caso, os filhos prestam auxílio devido, consoante dever constitucional.
Com efeito, o dever de sustento dos filhos não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família.
Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da miserabilidade, não podendo o artigo 20, § 3º, da LOAS ser interpretado de forma isolada, como se não houvesse normas constitucionais regulando a questão.
Dessarte, as regras do §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS não podem ser reduzida ao critério matemático, cabendo a aferição individual da situação socioeconômica. Essa a ratio do RE nº 580963.
Percebe-se, assim, que a autora tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de vulnerabilidade social.
Indevido o benefício em tais circunstâncias.
Há inúmeros precedentes desta Nona Turma:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. FAMÍLIA. DEVER DE PRESTAR ALIMENTOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SUBSIDIARIDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO IMPROVIDA. |
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- Deficiência comprovada. Porém, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais, pois recebe assistência da família. |
- No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." |
- Descabe conceder benefício assistencial a quem possui não se encontra em situação de vulnerabilidade social, e no caso o autor tem acesso aos mínimos sociais. |
- Não é função do Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo. |
- O benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. |
- Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita. |
- Apelação conhecida e desprovida (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2246015 / SP, 0017746-36.2017.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento, 27/11/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2017). |
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ARTIGO 1.021 DO NOVO CPC. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA FAMILIAR. AUXÍLIO DA FAMÍLIA. 10 (DEZ) FILHOS. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 20, §§ 1º E 3º, DA LEI 8742/93. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE SOCIAL. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO. |
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- A parte autora é idosa para fins assistenciais, porquanto nascida em 1939 (f. 22). |
- Todavia, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. O estudo social apontou que a autora vive com marido que percebe aposentadoria no valor de um salário mínimo, e com um filho maior e capaz para o trabalho, em casa alugada, há catorze anos. Casa composta por dois quartos, cozinha, sala e banheiro, construção de alvenaria, com energia elétrica e água encanada. Boa acomodação e higienização; localização com acesso à rede básica de saúde e transporte público. Família atendida pela rede municipal de saúde. |
- Nos termos do estabelecido no RE n. 580963, em repercussão geral (vide item acima "DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE"), a aposentadoria do marido deve ser desconsiderada. Porém, não pode ser ignorado que a autora recebe ajuda financeira - devida constitucionalmente, aliás - do filho e de outra filha. |
- Em realidade, a autora possui 10 (dez) filhos, todos com obrigação de auxílio financeiro aos pais, atribuição que não pode simplesmente ser transferida ao Estado. No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." |
- Quanto à hipossuficiência, mesmo se aplicando ao caso a orientação da RE n. 580963 (repercussão geral - vide supra), o fato é que a família da autora não experimenta situação de vulnerabilidade ou risco social. |
- Logo, os artigos 203, V e 229 do Texto Magno devem ser levadas em conta na apuração da miserabilidade, não podendo as regras conformadas nos §§ 1º e 3º do artigo 20 da LOAS ser interpretadas de forma isolada, cega e matemática, como se não houvesse normas constitucionais regulando a questão. |
- Recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade". |
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545). |
- Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais são os casos que configuram "necessidades sociais". Pois a assunção desmedida, pelo Estado, de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de encontro ao objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição Federal), à medida que ocorre o extravasamento dos limites das possibilidades financeiras do sistema de seguridade social, gerando variada gama de distorções sociais e econômicas. |
- Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. |
- Agravo interno conhecido e improvido (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2175403 / SP, 0024665-75.2016.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento 04/09/2017, Data da Publicação/Fonte, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2017). |
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PARTE AUTORA PORTADORA DE DOENÇAS. DEFICIÊNCIA NÃO CONFIGUARDA. MISERABILIDADE NÃO APURADA. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL. FAMÍLIA. DEVER DE SUSTENTO. ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 8 (OITO) FILHOS TRABALHANDO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. APELAÇÃO IMPROVIDA. REANÁLISE DA QUESTÃO DECORRENTE DE RECURSO ESPECIAL PROVIDO. DISPOSITIVO DO ACÓRDÃO MANTIDO. |
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011. |
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. |
- Mesmo com a aplicação do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso, não está patenteada a miserabilidade para fins assistenciais. |
- Quanto a essa questão, verifica-se, mediante o exame do estudo social (fls. 89/90), que a parte autora reside com seu marido, também idoso. A renda familiar é constituída pela aposentadoria por idade recebida pelo cônjuge, no valor de R$ 681,37 (seiscentos e oitenta e um reais e trinta e sete centavos), referente a abril de 2011, conforme consulta às informações do CNIS/DATAPREV. |
- Além disso, o casal recebe ajuda dos filhos para custear suas despesas, conforme afirmado pela parte autora (f. 90). A autora possui 8 (oito) filhos, todos eles com obrigação primária de auxílio dos pais. São 3 (três) mulheres e 5 (cinco) homens, todos trabalhando, conquanto possuam suas respectivas famílias. |
- Ocorre que o fato de possuírem famílias não lhes afasta o dever constitucionais de amparar os pais. No caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: "Art. 229 - Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade." |
A propósito, recentemente, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade". |
- De fato, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que o artigo 20, § 3º, da LOAS, que cuida do critério da miserabilidade, não ser interpretado taxativamente (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013). Logo, também o artigo 20, § 1º, da mesma lei, que discrimina o conceito de família (e com isso influi na apuração da presença ou não da miserabilidade), igualmente não pode ser interpretado literalmente, sob pena de prática de grave distorção e inversão de valores, geradora de concessões ou denegações indevidas conforme o caso. |
- E mais, depreende-se do estudo socioeconômico que o montante das despesas não ultrapassa os rendimentos do núcleo familiar, o que afasta a conclusão de que o casal vivencia a condição de miserabilidade que enseja a percepção do benefício. |
- Percebe-se, assim, que a autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de total "desamparo". Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante. |
- Não cabe ao Estado substituir as pessoas em suas respectivas obrigações legais, mesmo porque os direitos sociais devem ser interpretados do ponto de vista da sociedade, não do indivíduo. Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL". |
- Adotado como razão de decidir o entendimento determinado pelo E. STJ, sem, contudo, alterar o resultado do julgamento que negou provimento ao agravo, restando mantida a improcedência do pedido (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1600390 / SP, 0005585-04.2011.4.03.9999, Relator JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, NONA TURMA, Data do Julgamento 04/09/2017, Data da Publicação/Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2017). |
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
A propósito, decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).
Ante o exposto, conheço da apelação e lhe dou provimento, para julgar improcedente o pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Novo CPC.
Revogo a justiça gratuita e condeno a parte autora a pagar, além das custas e honorários de advogado, multa no valor de 3 (três) vezes o valor das custas, na forma do artigo 100, § único, do NCPC.
Os valores recebidos indevidamente, em tutela provisória de urgência, deverão ser devolvidos, observado o disposto no artigo 302, I, do NCPC e no Resp 1.401.560/MT, submetido à sistemática de recurso repetitivo.
É o voto.
Rodrigo Zacharias
Juiz Federal Convocado
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