Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5720371-43.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
15/11/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/11/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS OBJETIVO
E SUBJETIVO NÃO SATISFEITOS. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE SUSTENTO
ESTABELECIDO NO ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de
deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O dever de sustento dos filhos (art. 229 da CF) não pode ser substituído pela intervenção
Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício será
devido somente quando o sustento não puder ser provido pela família.
- Ausentes os requisitos subjetivo (deficiência) e objetivo (hipossuficiência), o benefício é
indevido.
- Parte autora condenada a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
R$ 700,00 (setecentos reais) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase
recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspendendo-se, porém, a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5720371-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: IVONE PEREIRA GOMES
Advogados do(a) APELANTE: NIVALDO BENEDITO SBRAGIA - SP155281-N, VANDREI NAPPO
DE OLIVEIRA - SP306552-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5720371-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: IVONE PEREIRA GOMES
Advogados do(a) APELANTE: NIVALDO BENEDITO SBRAGIA - SP155281-N, VANDREI NAPPO
DE OLIVEIRA - SP306552-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: trata-se de apelação interposta pela
parte autora em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício
assistencial de prestação continuada.
Nas razões de apelação, requer a reforma do julgado, alegando incapacidade para o trabalho
diante do quadro de doenças de que é portadora e idade avançada. Insurge-se, ainda, contra a
razão de decidir do Juízo a quo, cuja conclusão fundamentou-se apenas na ausência de
comprovação da incapacidade para o trabalho atestada no laudo pericial.
Não foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5720371-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: IVONE PEREIRA GOMES
Advogados do(a) APELANTE: NIVALDO BENEDITO SBRAGIA - SP155281-N, VANDREI NAPPO
DE OLIVEIRA - SP306552-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: conheço do recurso em razão da
satisfação de seus requisitos.
Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, regulamentado, atualmente,
pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei conferiu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal ao estabelecer, em
seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar situação de
miserabilidade ou hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção
nem de tê-la provida por sua família.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
O critério da miserabilidade fixado no § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 não impede o
julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do
deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de
necessidades especiais com medicamentos ou com educação.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza – entendida como
a falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial –, para se concluir se é devida ou não a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Logo, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma, Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61; REsp n. 222.764, STJ, 5ª T., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/03/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson
Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
O próprio Supremo Tribunal Federal, recentemente, reviu seu posicionamento e, em sede de
repercussão geral, reconheceu que o requisito do artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 não pode
ser considerado taxativo (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n.
225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos nos quais, embora o limite legal de renda per
capita seja ultrapassado, evidencia-se um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não apenas das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas
assistenciais destinados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per
capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/1997, regulamentada
pelos Decretos n. 2.609/1998 e 2.728/1999; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da
Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do
Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Ressalte-se que o critério do meio salário mínimo foi estabelecido para outros benefícios diversos
do amparo social.
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Vale dizer: não se pode tomar como “taxativo” o critério do artigo 20, § 3º, da LOAS, mesmo
porque toda regra jurídica deve pautar-se na realidade fática. Dessa forma, em todos os casos,
outras circunstâncias devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente
também se subsome à noção de hipossuficiência, devendo ser apurado se vive em casa própria,
com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, auxílio permanente de
parentes ou de terceiros etc.
Assim, podem-se estabelecer alguns parâmetros norteadores da análise individual de cada caso,
como, por exemplo: (i) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário
mínimo são miseráveis; (ii) nem todos os que percebem renda familiar per capita superior a ¼ do
salário mínimo e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; (iii) nem todos os que percebem
renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; (iv) todos os que
perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição
Federal) não são miseráveis.
Vamos adiante.
Para apurar se a renda per capita do requerente atinge ou não o âmbito da hipossuficiência, faz-
se necessário abordar o conceito de família.
Nesse sentido, o artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 estabelecia, para efeitos da concessão do
benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/1991, desde
que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada
para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita
inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993 e
estabeleceu que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, pelo cônjuge ou companheiro, pelos pais e, na ausência de um deles,
pela madrasta ou pelo padrasto, pelos irmãos solteiros, pelos filhos e enteados solteiros e pelos
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/1998, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/2003).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência – previsto no § 2º da Lei n.
8.742/1993, com a redação dada pela Lei n. 13.146/2015 –, passou a ser considerada aquela
com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Assim, ratificou-se o entendimento consolidado nesta Corte de que o rol previsto no artigo 4º do
Decreto n. 3.298/1999 (regulamentador da Lei n. 7.853/1989, que dispõe sobre a Política
Nacional da Pessoa Portadora de Deficiência) não era exaustivo. Portanto, constatado que os
males sofridos pelo postulante impedem sua inserção social, restará preenchido um dos
requisitos exigidos para a percepção do benefício.
Menciona-se também o conceito apresentado pela ONU, elaborado por meio da Resolução n.
3.447 (XXX), que conforma a Declaração, em 09/12/1975, in verbis: “1. O termo ‘pessoa
deficiente’ refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar a si mesma, total ou parcialmente,
as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência,
congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”.
Esse conceito dá mais ênfase à necessidade, inclusive da vida individual, ao passo que o
conceito proposto por Luiz Alberto David Araujo prioriza a questão da integração social, como se
verá.
Nair Lemos Gonçalves apresentou os principais requisitos para sua definição: “desvio acentuado
dos mencionados padrões médios e sua relação com o desenvolvimento físico, mental, sensorial
ou emocional, considerados esses aspectos do desenvolvimento separada, combinada ou
globalmente” (Verbete Excepcionais. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, n. XXXIV. São Paulo:
Saraiva, 1999).
Luiz Alberto David Araujo, por sua vez, compilou muitos significados da palavra deficiente,
extraídos dos dicionários de Língua Portuguesa. Observa ele que, geralmente, os dicionários
trazem a ideia de que a pessoa deficiente sofre de falta, de carência ou de falha.
Esse autor critica essas noções porque a ideia de deficiência não se apresenta tão simples, à
medida que as noções de falta, de carência ou de falha não abrangem todas as situações de
deficiência, como, por exemplo, o caso dos superdotados, ou de um portador do vírus HIV que
consiga levar a vida normal, sem manifestação da doença, ou ainda de um trabalhador intelectual
que tenha um dedo amputado.
Por ser a noção de falta, de carência ou de falha insuficiente à caracterização da deficiência, Luiz
Alberto David Araujo propõe um norte mais seguro para identificação da pessoa protegida, cujo
fator determinante do enquadramento ou não no conceito de pessoa portadora de deficiência seja
o meio social:
“O indivíduo portador de deficiência, quer por falta, quer por excesso sensorial ou motor, deve
apresentar dificuldades para seu relacionamento social. O que define a pessoa portadora de
deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a
pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O
grau de dificuldade para a sua integração social é o que definirá quem é ou não portador de
deficiência”. (A Proteção Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília:
Ministério da Justiça, 1997, p. 18-22)
E quanto mais complexo o meio social, maior rigor se exigirá da pessoa portadora de deficiência
para sua adaptação social. De outra parte, na vida em comunidades mais simples, como nos
meios agrícolas, a pessoa portadora de deficiência poderá integrar-se com mais facilidade.
Desse modo, o conceito de Luiz Alberto David Araujo é adequado e de acordo com a norma
constitucional, motivo pelo qual é possível seu acolhimento para a caracterização desse grupo de
pessoas protegidas nas várias situações reguladas na Constituição Federal, nos artigos. 7º, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, V e 208, III.
Mas é preciso delimitar a proteção constitucional apenas àquelas pessoas que realmente dela
necessitam, porquanto existem graus de deficiência que apresentam menores dificuldades de
adaptação à pessoa. E tal verificação somente poderá ser feita diante de um caso concreto.
Luiz Alberto David Araujo salienta que os casos-limite podem, desde logo, ser excluídos, como o
exemplo do bibliotecário que perde um dedo ou do operário que perde um artelho; em ambos os
casos, as pessoas continuam integradas socialmente. Em outro exemplo, pequenas
manifestações de retardo mental (deficiência mental leve) podem passar despercebidas em
comunidades simples, pois tal pessoa poderá “não encontrar problemas de adaptação a sua
realidade social (escola, trabalho, família)”, de maneira que não se pode afirmar que essa pessoa
deverá receber proteção, “tal como aquele que sofre restrições sérias em seu meio social” (obra
citada, p. 42-43).
“A questão, assim, não se resolve sob o ângulo da deficiência, mas, sim sob o prisma da
integração social. Há pessoas portadoras de deficiência que não encontram qualquer problema
de adaptação no meio social. Dentro de uma comunidade de doentes, isolados por qualquer
motivo, a pessoa portadora de deficiência não encontra qualquer outro problema de integração,
pois todos têm o mesmo tipo de dificuldade” (obra citada, p. 43).
Enfim, a constatação da existência de graus de deficiência é de fundamental importância para
identificar aqueles que receberão a proteção social prevista no art. 203, V, da Constituição
Federal.
Feitas essas considerações, torna-se possível inferir que não será qualquer pessoa portadora de
deficiência que se subsumirá no molde jurídico protetor da Assistência Social.
SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
É relevante consignar que a Assistência Social, tal como regulada na Constituição Federal e na
Lei n. 8.742/1993, tem caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social
(previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc.), dada a gratuidade de
suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, é lícito inferir que ela só deve ser prestada em
casos de real necessidade, dentro das estritas regras do direito material, sob pena de
comprometer a mesma proteção social não apenas às futuras gerações, mas também à atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
Desse modo, a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade e isonomia de condições a todos.
Diga-se, de passagem, que a concessão indiscriminada do benefício assistencial geraria não
apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que esses parem de
contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam, o que constitui situação anômala e
gravíssima do ponto de vista atuarial.
No mais, não deve o Estado substituir a sociedade em situações onde essa consegue, ela
própria, mediante esforço, resolver suas pendências, sob pena de se construir uma sociedade de
freeloaders, cada vez mais dependente das prestações do Estado e incapaz de planejar um
futuro social e economicamente viável para si própria.
Nesse diapasão, a proteção social baseada na solidariedade legal não tem como finalidade cobrir
contingências encontradas somente na letra da lei (dever - ser) e não no mundo dos fatos (ser).
Cabe, nesses casos, à sociedade (solidariedade social) prestar, na medida do possível,
assistência aos próximos.
É pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera,
quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: “O Estado é, sobretudo,
o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80).” (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto para, na impossibilidade de
atender a um público maior, socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, aquelas
pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato
de não terem renda ou de ser essa insignificante.
Por fim, quanto a esse tópico, é lícito concluir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
CASO CONCRETO
A r. sentença deve ser mantida tendo em vista a ausência dos requisitos objetivos e subjetivos
necessários à concessão do benefício assistencial.
De início, verifica-se que a parte autora, nascida em 01/07/1958, conta, atualmente, com 61 anos
(Id 67642265, p. 1), idade inferior ao mínimo fixado no art. 20, caput, da Lei n. 8.742/1993.
Do mesmo modo, no tocante ao requisito fixado no § 2º do mesmo dispositivo, o conjunto
probatório revela que a autora não pode ser considerada pessoa com deficiência para os fins
assistenciais.
Segundo o laudo médico, a autora é portadora de lombalgia e hipertensão arterial e não
apresenta sinais ou sintomas que caracterizam doença psiquiátrica. Possui doenças assaz
comuns na população, que não a tornam inválida nem a impedem de trabalhar, ainda que em
serviços leves (Id 67642335, p. 2).
Diante dessas circunstâncias, a perícia concluiu pela ausência de incapacidade para o trabalho e
para a vida independente. As dificuldades, no caso, encontram-se no campo exclusivo do
trabalho e não são barreiras, mas limitações.
Em virtude de sua condição de saúde, a parte autora não sofre segregação típica das pessoas
com deficiência.
Trata-se de caso a ser tutelado pelo seguro social (artigo 201 da CF) ou pela saúde (artigo 196 da
CF).
A autora sofre de doenças, cujo risco social é coberto pela previdência social e depende do
pagamento de contribuições, na forma do artigo 201, caput e inciso I, da Constituição Federal,
que tem a seguinte redação:
“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e
atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”
Ressalta-se não caber ao intérprete do direito equiparar os riscos sociais “invalidez” com
“deficiência”. Alguns podem ser inválidos e não deficientes. Outros podem ser deficientes, mas
não inválidos. Outros, ainda, inválidos e deficientes, e assim por diante.
A assistência social deve ser fornecida com critério, pois, se assim não for, serão gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos.
Convém lembrar, por oportuno, que o magistrado não está adstrito ao laudo pericial.
No caso, contudo, os demais elementos de prova não autorizam convicção em sentido diverso.
Os atestados e exames particulares juntados aos autos não possuem o condão de alterarem a
convicção formada pelas conclusões do perito, cujo laudo foi produzido sob o pálio do
contraditório e em conformidade com a situação de saúde da parte autora.
Assim, não pode o juiz julgar com base em critérios subjetivos quando patenteada no laudo a
ausência da incapacidade total para o trabalho.
Quanto ao aspecto da hipossuficiência, não restou demonstrada a situação de miserabilidade, a
legitimar a concessão do benefício assistencial.
De acordo com o estudo social realizado (Id 67642308):
(i) a autora não aufere renda e vive com o companheiro e três filhos em imóvel próprio, em bom
estado de higiene e conservação, em bairro atendido por todos os serviços públicos básicos;
(ii) o companheiro recebe BPC no valor de um salário mínimo, um dos filhos aufere renda mensal
no valor de R$ 1.409,00 e os outros dois filhos estão desempregados;
(iii) a renda mensal da família é de R$ 2.363,00 e as despesas somam o valor de R$ 924,00
(alimentação, energia elétrica, gás de cozinha, água, medicamentos, transporte).
No entanto, dados extraídos do CNIS/INSS revelam que dois dos três filhos da autora encontram-
se formalmente empregados e recebem as seguintes remunerações: R$ 1.041,00 e R$ 2.376,79.
Desse modo, a renda mensal do núcleo familiar totaliza R$ 4.413,79, valor incompatível com a
noção de miserabilidade.
É fato que deve ser respeitada a orientação do RE n. 580.963 (repercussão geral – vide supra),
devendo ser “desconsiderada” a renda do BPC percebida pelo companheiro da autora – artigo 34,
parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Mesmo diante do teor do RE n. 580.963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n.
225, 14/11/2013), não há que se falar em hipossuficiência e vulnerabilidade social, pois a autora
tem acesso aos mínimos legais.
Além disso, a renda per capita apurada (R$ 683,55) – excluído o valor do BCP recebido pelo
companheiro – é superior à prevista no artigo 20, § 3º, da LOAS.
Conquanto manifestado o estado de pobreza, não se enxerga, no caso, situação de penúria, pois
a família tem renda estável, casa própria, acesso a serviços de água, energia elétrica, telefone e
saneamento básico.
Acrescenta-se que, no caso, a técnica de proteção social prioritária no caso é a família, em
cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: “Art. 229. Os pais têm o
dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
E, nesse sentido, o dever familiar de sustento (art. 229 da CF) não pode ser substituído pela
intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o
benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de
atender a um público maior, para socorrer aos desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja,
àquelas pessoas que nem sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico,
pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
É indevido, portanto, o benefício assistencial.
Fica mantida a condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais), já majorados em razão da fase recursal,
conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspendendo-se, porém, a exigibilidade, na
forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, negoprovimento à apelação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS OBJETIVO
E SUBJETIVO NÃO SATISFEITOS. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE SUSTENTO
ESTABELECIDO NO ARTIGO 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPROCEDÊNCIA DO
PEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- São condições para a concessão do benefício da assistência social: ser o postulante portador de
deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O dever de sustento dos filhos (art. 229 da CF) não pode ser substituído pela intervenção
Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício será
devido somente quando o sustento não puder ser provido pela família.
- Ausentes os requisitos subjetivo (deficiência) e objetivo (hipossuficiência), o benefício é
indevido.
- Parte autora condenada a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em
R$ 700,00 (setecentos reais) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase
recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, suspendendo-se, porém, a
exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer da apelação e negar-lhe provimento, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
