D.E. Publicado em 17/08/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação autárquica, para acolher preliminar de coisa julgada, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005417-26.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Cuida-se de recurso interposto em ação ajuizada pela parte autora em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, cujo escopo é a concessão de aposentadoria por idade rural.
A parte autora alega estar comprovado o exercício de atividade rural pelo período de carência exigido no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário. A fim de comprovar tal condição, apresentou documentos e arrolou testemunhas.
Na audiência de conciliação, instrução e julgamento foi produzida prova oral.
A r. sentença julgou procedente o pedido para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade rural, desde a data da citação, acrescido dos consectários legais. Antecipou-se a tutela.
Decisão não submetida ao reexame necessário.
O Instituto Nacional do Seguro Social, em seu apelo, requer a reforma da sentença, alegando ofensa à coisa julgada. Sustenta, ainda, o não preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, diante da ausência de comprovação do efetivo exercício da atividade rural no por número de meses idêntico à carência exigida no art. 142 da Lei 8.213/91. Aduz que o ex-marido da autora possui vínculos empregatícios urbanos.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço da apelação da parte autora, porque presentes os requisitos de admissibilidade.
No caso, salta patente a ocorrência de coisa julgada, pois outra ação foi movida pela autora, com os mesmos fundamentos e mesmo pedido.
Com efeito, na ação pretérita de nº 06.00.00146-8 (Apelação nº 0016592-95.2008.4.03.9999), foi conferido efeito modificativo aos embargos de declaração interpostos pelo INSS e de consequência dado provimento à apelação autárquica para julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria rural da parte autora (f. 83), tendo havido o trânsito em julgado (1º/8/2013).
Assim, torna-se ilegal a pretensão da parte autora, porque esbarra em regra expressamente prevista no ordenamento jurídica, necessária à manutenção da segurança jurídica, consoante mandamento constitucional (artigo 5º, XXXVI, da CF).
O fato de ter atingido idade superior não altera o panorama fático, mesmo porque a legislação previdenciária exige a idade de cinquenta e cinco anos para a aposentadoria por idade rural (artigo 48, § 1º, da LBPS).
De qualquer forma, não se aplica a regra do artigo 462 do CPC/1973 ao presente caso, já que o direito ao benefício previdenciário deve ser apurado quando do atingimento da idade de cinquenta e cinco anos, não havendo nos autos elementos para a comprovação de trabalho rural posteriormente à ação judicial pretérita.
Pelo contrário, as testemunhas disseram que ela não trabalha há alguns tempo, sendo vagas e mal circunstanciadas a respeito das atividades da autora nos últimos anos.
Ademais, a parte autora não informou na petição inicial a respeito da outra ação anteriormente proposta, muito menos comprovou alteração da causa petendi, incorrendo em violação do princípio da lealdade processual. Em contrarrazões, a parte autora afirma que na primeira demanda não constou que a autora estava divorciada e que: "(...) embora o pedido feito no processo de número 1468/2006, a final julgado improcedente, seja o mesmo versado na presente demanda, lastreia-se em causa de pedir distinta (a de que Antônio Manoel Pereira Neto é ex-esposo da autora desde 29/junho/1995".
Conforme disposto no Novo Código de Processo Civil, só existe litispendência ou coisa julgada quando se verifica a perfeita identidade entre as demandas dos três elementos da ação: partes, causa de pedir e pedido:
Conforme a doutrina: "Litispendência. Dá-se a litispendência quando se repete ação idêntica a uma que se encontra em curso, isto é, quando a ação proposta tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir (próxima e remota) e o mesmo pedido (mediato e imediato). A segunda ação tem de ser extinta sem conhecimento do mérito. V. coment. CPC 301." (Nelson Nery Jr, Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, notas ao art. 267, p. 728).
No mesmo sentido, o seguinte julgado:
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região admite a rescisão em casos de alteração fática ou da causa de pedir, em ações versando sobre aposentadoria por idade rural, fundada a solução pro misero.
Todavia, a situação é diversa da atual, em que a parte autora simplesmente moveu outra ação omitindo a existência do processo pretérito, sem acrescentar fatos ou fundamentos.
Flagrante é a ofensa ao artigo 506 do Novo Código de Processo Civil.
Evidente, assim, a identidade de pedido, partes e causa de pedir.
Necessária, assim, a extinção do processo sem julgamento do mérito, na forma da lei processual.
Registro que este relator tem entendimento assaz diverso dos manifestados em decisões que se pautam pela solução pro misero aos trabalhadores rurais, pois tal princípio não encontra abrigo na Constituição ou nas leis do direito positivo, e por isso gera graves distorções no sistema de proteção social.
De fato, com relação ao princípio in dubio pro misero, hodiernamente denominado "solução pro misero", não deve ser usado em previdência social, porquanto "o uso indiscriminado deste princípio afeta a base de sustentação do sistema, afetando sua fonte de custeio ou de receita, com prejuízos incalculáveis para os segurados, pois o que se proporciona a mais a um, é exatamente o que se tira dos outros" (Rui Alvim, Interpretação e Aplicação da Legislação Previdenciária, in Revista de Direito do Trabalho n° 34).
Ademais, "A previdência em si já é um instrumento social, por isso não vinga o pretexto de aplicar a lei com vista no interesse social. Este raciocínio é falso. O interesse social maior é que o seguro funcione bem, conferindo as prestações a que se obrigou. Se lhe é transmitida uma carga acima do previsto, compromete-se a sua liquidez financeira: ponto nevrálgico da eficiência de qualquer seguro. O prius que se outorga sairá do próprio conjunto de segurados, em virtude da pulverização do risco entre eles. Nesta circunstância o seguro se torna custoso e socialmente desinteressante, indo refletir no preço dos bens produzidos, influindo de maneira maléfica sobre os demais contribuintes, os quais têm de suportar o que se outorga alargando as obrigações do órgão segurador em favor de pretensões lamuriosas" (Elcir Castello Branco, Segurança Social e Seguro Social, 1º volume, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda, 1975, São Paulo, páginas 127/128).
Noutro passo, necessário abordar a responsabilidade processual civil das partes envolvidas no processo, tão pouco desenvolvida na doutrina e jurisprudência pátrias, mas assente em ordenamentos jurídicos estrangeiros, como o Direito Português.
A responsabilidade por dano processual é objetiva, o que dispensa a observância de quaisquer outros ritos e procedimentos, à míngua de previsão legal.
A responsabilidade processual regula-se da mesma maneira do que a responsabilidade civil: presença do dano, nexo causal e resultado.
Nota-se que o dever de lealdade processual refere-se às partes e aos advogados e membros do Ministério Público.
Quanto à pena de litigância de má-fé à parte, quando motivas ações em duplicidade, não há dúvidas de que é devida.
Nesse diapasão:
In casu, a parte autora, ao mover duas ações com o mesmo propósito, infringiu as normas previstas nos artigos 14, II e 17, III, do CPC/1973 e merece, à nitidez, ser condenada em litigância de má-fé, a pagar multa.
Há precedentes nesse sentido, conquanto não majoritários:
Não se pode ignorar os prejuízos causados à atividade jurisdicional, aos contribuintes e aos próprios jurisdicionados, pois gasto tempo e trabalho na análise de ações movidas em duplicidade.
Não é admissível, assim, que se movam tantas ações com os mesmos elementos, patenteada ilegalidade intencional por parte dos advogados, ainda que na busca de proteção social para seu cliente.
A propósito, não se pode chamar de "boa-fé" (nem subjetiva nem objetiva) a conduta da parte autora, devendo ser levado em conta o disposto no artigo 422 do Código Civil.
Pessoalmente penso que o advogado deveria ser condenado por litigância de má-fé, não o hipossuficiente, mas tal pensamento não encontra eco na jurisprudência majoritária.
Oportuno registrar que cabe ao advogado, antes de ingressar com ação previdenciária, verificar se o cliente já o fez preteritamente.
Em derradeiro, importa ressaltar que o artigo 1º, § 4º, da Lei nº 1.060/50 assegurava a gratuidade aos necessitados. Para tanto basta simples declaração nesse sentido, acrescentando-se que a autora tem profissão humilde, mal remunerada, compatível com a alegação de hipossuficiência.
Não obstante, o artigo 3º da Lei n° 1.060/50, vigente à época, não isenta a parte de responder por multa ou indenização em caso de litigância de má-fé. Nem poderia ser diferente, sob pena de a concessão da gratuidade judiciária descambar para blindagem geradora de impunidade.
Diante do exposto, dou provimento à apelação autárquica, para acolher a preliminar e decretar a extinção do processo, sem julgamento do mérito, em razão da coisa julgada, na forma do artigo 485, V, do Novo CPC. Condeno a parte autora em multa de 1% (um) por cento sobre o valor atualizado da causa, em razão da litigância de má-fé. Em decorrência, casso expressamente a tutela jurídica antecipada.
Comunique-se, via e-mail, para fins de revogação da tutela antecipatória de urgência concedida.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
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Data e Hora: | 02/08/2016 17:33:56 |