Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2012414 / SP
0002849-10.2011.4.03.6120
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
12/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/08/2019
Ementa
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
SAQUES REALIZADOS APÓS O ÓBITO DO TITULAR. CONFISSÃO DE RECEBIMENTO
INDEVIDO. COAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. MÁ-FÉ CONFIGURADA. DEVOLUÇÃO DOS
VALORES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA SEGURIDADE
SOCIAL. DANOS MORAIS. LEGALIDADE DA COBRANÇA. INDENIZAÇÃO INDEVIDA.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
2 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
3 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
4 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
5 - Deve-se ponderar que a Seguridade Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
6 - In casu, a parte autora é aposentada por invalidez (NB 5354077083) e, por ser curadora de
sua irmã, recebe em seu nome os benefícios de aposentadoria por invalidez (NB 0555082342)
e pensão por morte (NB 1423111998) (fl. 03).
7 - Em auditoria interna realizada em 11/5/2009, o INSS identificou irregularidades no benefício
que deu origem à pensão por morte, uma vez que os proventos de aposentadoria da instituidora
MARIA JOSÉ DE ALMEIDA, genitora da parte autora, continuaram sendo sacados na agência
bancária após o seu óbito, durante quase dois anos, de julho de 2005 a março de 2007,
conforme demonstra a relação de crédito de fls. 53.
8 - Após a abertura de processo administrativo, a parte autora recebeu ofício de cobrança em
10/09/2010, informando a origem e o valor líquido da dívida, bem como o prazo para seu
pagamento ou para exercer o direito de defesa (fls. 59/60). Em nova declaração assinada e
apresentada em 20/9/2010, a parte autora ratificou o recebimento do benefício de sua genitora,
mas informou que não tinha condições de devolver a quantia recebida indevidamente.
9 - Desse modo, constata-se que em dois momentos distintos, separados por lapso superior a
um ano, a parte autora ratificou ter recebido o benefício de aposentadoria em nome de sua mãe
que já falecera, a fim de assistir sua irmã e curatelada, pois não tinha conhecimento de que esta
fazia jus ao recebimento do benefício de pensão por morte.
10 - Por outro lado, no processo de modificação da curatela ajuizado perante a 1ª Vara de
Família e Sucessões da Comarca de Araraquara, em 16/12/2006 (fl. 87), foi realizado estudo
social a fim de averiguar a situação socioeconômica e familiar da interdita. No laudo pericial
elaborado em 11 de novembro de 2005, a parte autora informou o recebimento do benefício de
sua mãe já falecida.
11 - É pouco crível que as diversas autoridades públicas envolvidas na questão, que gozam de
fé pública e não possuem qualquer interesse particular na causa, tenham coagido a parte
autora a confessar o recebimento, em nome próprio, de benefício de pessoa já falecida em
tantas ocasiões.
12 - Assim, à míngua de comprovação da alegada coação, deve ser reconhecida a validade das
declarações apresentadas pela parte autora e que embasaram a cobrança efetuada pela
Autarquia Previdenciária dos valores pagos indevidamente.
13 - Ora, constitui pressuposto para a configuração da boa-fé no recebimento de benefício
previdenciário a presunção de legalidade do pagamento, o que não ocorreu na hipótese.
14 - Até o mais leigo dos cidadãos compreende a irregularidade na percepção de valores
destinados a pessoa já falecida, de modo que não constitui erro escusável o recebimento de
prestação previdenciária sabidamente indevida, razão pela qual deve ser afastada a alegação
de boa-fé na conduta da parte autora. Precedentes.
15 - Por fim, verificada a regularidade da cobrança, deve ser afastada a pretensão indenizatória
de supostos danos morais suscitada pela parte autora.
16 - Apelação da parte autora desprovida. Sentença mantida. Ação julgada improcedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
