Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0001174-45.2011.4.03.6109
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/06/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 01/07/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. QUALIDADE DE
SEGURADA DEMONSTRADA. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO POR LONGO PERÍODO.
MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO ALICERÇADA EM PARECERES DE PERITOS
AUTÁRQUICOS. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ATOS PRATICADOS POR
SERVIDORES PÚBLICOS. BOA-FÉ OBJETIVA DA DEMANDANTE COMPROVADA. VERBA DE
CARÁTER ALIMENTAR. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO RECONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS
DESPROVIDA.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
7 – Compulsando os autos, verifica-se que a demandante usufruiu do benefício de auxílio-doença
(NB 504.308.835 - 0), no período entre 03/01/2005 e 28/02/2006, o qual foi convertido
posteriormente em aposentadoria por invalidez, com efeitos financeiros a partir de 05/08/2005
(NB 516.590.873-5). Entretanto, após ter sido submetida à revisão periódica de rotina em
16/06/2009, nos termos do artigo 101 da Lei n. 8.213/91, constatou-se a ausência de
incapacidade omniprofissional, razão pela qual sua aposentadoria foi cessada
administrativamente em 01/08/2009 (ID 118153773 - p. 24).
8 - Todavia, após a cessação da prestação, em 30/04/2010, a Autarquia Previdenciária enviou
carta de cobrança à demandante, solicitando a restituição de todos os valores por ela recebidos,
a titulo de benefício previdenciário por incapacidade, entre 03/01/2005 e 31/07/2009 (ID
118153773 - p. 18/20).
9 - Embora no referido documento não esteja explícita a causa que ensejou o reconhecimento de
débito previdenciário, depreende-se do relatório do processo administrativo anexado aos autos,
ratificado na peça recursal do INSS ora sob julgamento, que a dívida está fundada no
reconhecimento tardio de erro administrativo, uma vez que a autora não mantinha a qualidade de
segurada por ocasião do requerimento do benefício de auxílio-doença (ID 118153773 - p. 24).
10 - De acordo com as informações contidas no referido documento, a demandante efetuou
recolhimentos previdenciários, na condição de segurada facultativa, nos períodos de 01/01/2003
a 31/08/2003, de 01/10/2003 a 31/12/2003, de 01/12/2004 a 31/01/2005.
11 - É sabido que os atos administrativos praticados pela Administração Pública devem ser
motivados, sobretudo quando resultam na restrição de direito dos administrados, como ocorre no
caso da cessação de benefícios previdenciários. Por outro lado, a causa invocada como
justificativa para a medida deve ser legítima, sob pena de tornar o ato eivado de ilegalidade, nos
termos da teoria dos motivos determinantes.
12 - No caso vertente, a justificativa apresentada pela Autarquia Previdenciária não se sustenta,
uma vez que a qualidade de segurada da autora, por ocasião da concessão do auxílio-doença,
em 03/01/2005, é evidente, já que o próprio INSS reconhece que ela efetuou recolhimentos
previdenciários em dezembro de 2004 e janeiro de 2005 e ainda afirma que "a inscrição da
segurada como facultativa foi feita em época própria e os recolhimentos estão no código correto
(1406 - facultativo)". Diante desse fato, não há como dizer que ela não tinha qualidade de
segurado em janeiro de 2005.
13 - Neste sentido, impende salientar que basta uma única contribuição para que o segurado
reingresse no sistema de proteção da Previdência Social, nos termos do artigo 15 da Lei n.
8.213/91.
14 - Ademais, deve-se considerar que a demandante passou por sucessivas revisões médicas
entre 2005 e 2009, tendo a data de início da incapacidade (DII) sido reiteradamente fixada pelos
peritos autárquicos em épocas em que a autora ostentava a qualidade de segurada. Realmente,
caso tivesse sido constatada a preexistência do quadro patológico, o benefício por incapacidade
temporária não teria sido concedido, prorrogado e, inclusive, convertido em aposentadoria por
invalidez. Impende salientar que o benefício foi cessado em virtude do restabelecimento da
capacidade laboral reconhecida na perícia administrativa realizada em 16/06/2009, e não em
razão da perda da qualidade de segurado, conforme consta expressamente do relatório do
processo administrativo (ID 118153773 - p. 24).
15 - Por derradeiro, a boa-fé objetiva da autora perante o INSS ao longo de todo o período
controvertido é evidente, uma vez que ela não ocultou ou adulterou informações por ocasião do
requerimento administrativo dos benefícios, submeteu-se às revisões médicas e, por não ter
conhecimento clínico ou jurídico, é natural que ela presumisse que os valores por ela recebidos
até então eram devidos, uma vez que alicerçados, ao longo de quase quatro anos, em pareceres
elaborados por peritos da própria Autarquia Previdenciária e processados após a análise de
servidores do órgão, que ostentam fé pública e que, portanto, praticam atos perante terceiros que
detém a presunção de estarem conforme a lei.
16 - Por oportuno, no que se refere à questão envolvendo a devolução ou não de valores
recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má
aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social, impende ressaltar que o C.
Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao
rito dos recursos repetitivos, firmou a seguinte tese: “Com relação aos pagamentos indevidos aos
segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em
interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o
desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao
segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto,
comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível
constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
17 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com
base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os
processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
18 - In casu, como o fundamento invocado para a cobrança administrativa - ausência de
qualidade de segurada da demandante - não restou demonstrada no curso do processo, o débito
previdenciário deve ser considerado inexigível, sobretudo, em razão da boa-fé objetiva da
demandante perante o INSS e do caráter alimentar das prestações previdenciárias. Precedentes.
19 - Apelação do INSS desprovida. Sentença mantida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001174-45.2011.4.03.6109
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANNYLO ANTUNES DE SOUSA ALMEIDA - SP284895-N
APELADO: ROSA FERNANDES GRILLO
Advogado do(a) APELADO: PAULO ANTONIO BATISTA DOS SANTOS JUNIOR - SP151107-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001174-45.2011.4.03.6109
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANNYLO ANTUNES DE SOUSA ALMEIDA - SP284895-N
APELADO: ROSA FERNANDES GRILLO
Advogado do(a) APELADO: PAULO ANTONIO BATISTA DOS SANTOS JUNIOR - SP151107-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURADO SOCIAL - INSS,
em ação ajuizada por ROSA FERNANDES GRILLO, objetivando o reconhecimento da
inexigibilidade de débito previdenciário.
A r. sentença, prolatada em 27/05/2011, julgou procedente o pedido deduzido na inicial e
condenou o INSS a se abster de cobrar a restituição das parcelas recebidas pela demandante,
a título de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez, entre 03/01/2005 e 31/07/2009, no
valor total de R$ 24.572,36 (vinte e quatro mil, quinhentos e setenta e dois reais e trinta e seis
centavos). Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor do débito
administrativo.
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese,
ser possível a cobrança dos valores pagos indevidamente à autora, nos termos do artigo 115, II,
da Lei n. 8.213/91. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este
Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001174-45.2011.4.03.6109
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: DANNYLO ANTUNES DE SOUSA ALMEIDA - SP284895-N
APELADO: ROSA FERNANDES GRILLO
Advogado do(a) APELADO: PAULO ANTONIO BATISTA DOS SANTOS JUNIOR - SP151107-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício
previdenciário, na seara administrativa.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e
o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de
benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o
equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os
demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
Do caso concreto.
Compulsando os autos, verifica-se que a demandante usufruiu do benefício de auxílio-doença
(NB 504.308.835 - 0), no período entre 03/01/2005 e 28/02/2006, o qual foi convertido
posteriormente em aposentadoria por invalidez, com efeitos financeiros a partir de 05/08/2005
(NB 516.590.873-5). Entretanto, após ter sido submetida à revisão periódica de rotina em
16/06/2009, nos termos do artigo 101 da Lei n. 8.213/91, constatou-se a ausência de
incapacidade omniprofissional, razão pela qual sua aposentadoria foi cessada
administrativamente em 01/08/2009 (ID 118153773 - p. 24).
Todavia, após a cessação da prestação, em 30/04/2010, a Autarquia Previdenciária enviou
carta de cobrança à demandante, solicitando a restituição de todos os valores por ela
recebidos, a titulo de benefício previdenciário por incapacidade, entre 03/01/2005 e 31/07/2009
(ID 118153773 - p. 18/20).
Embora no referido documento não esteja explícita a causa que ensejou o reconhecimento de
débito previdenciário, depreende-se do relatório do processo administrativo anexado aos autos,
ratificado na peça recursal do INSS ora sob julgamento, que a dívida está fundada no
reconhecimento tardio de erro administrativo, uma vez que a autora não mantinha a qualidade
de segurada por ocasião do requerimento do benefício de auxílio-doença (ID 118153773 - p.
24).
De acordo com as informações contidas no referido documento, a demandante efetuou
recolhimentos previdenciários, na condição de segurada facultativa, nos períodos de
01/01/2003 a 31/08/2003, de 01/10/2003 a 31/12/2003, de 01/12/2004 a 31/01/2005.
Em que pese a alegação do INSS, o débito administrativo não merece subsistir.
É sabido que os atos administrativos praticados pela Administração Pública devem ser
motivados, sobretudo quando resultam na restrição de direito dos administrados, como ocorre
no caso da cessação de benefícios previdenciários. Por outro lado, a causa invocada como
justificativa para a medida deve ser legítima, sob pena de tornar o ato eivado de ilegalidade, nos
termos da teoria dos motivos determinantes.
No caso vertente, a justificativa apresentada pela Autarquia Previdenciária não se sustenta,
uma vez que a qualidade de segurada da autora, por ocasião da concessão do auxílio-doença,
em 03/01/2005, é evidente, já que o próprio INSS reconhece que ela efetuou recolhimentos
previdenciários em dezembro de 2004 e janeiro de 2005 e ainda afirma que "a inscrição da
segurada como facultativa foi feita em época própria e os recolhimentos estão no código correto
(1406 - facultativo)". Diante desse fato, não há como dizer que ela não tinha qualidade de
segurado em janeiro de 2005.
Neste sentido, impende salientar que basta uma única contribuição para que o segurado
reingresse no sistema de proteção da Previdência Social, nos termos do artigo 15 da Lei n.
8.213/91.
Ademais, deve-se considerar que a demandante passou por sucessivas revisões médicas entre
2005 e 2009, tendo a data de início da incapacidade (DII) sido reiteradamente fixada pelos
peritos autárquicos em épocas em que a autora ostentava a qualidade de segurada. Realmente,
caso tivesse sido constatada a preexistência do quadro patológico, o benefício por incapacidade
temporária não teria sido concedido, prorrogado e, inclusive, convertido em aposentadoria por
invalidez. Impende salientar que o benefício foi cessado em virtude do restabelecimento da
capacidade laboral reconhecida na perícia administrativa realizada em 16/06/2009, e não em
razão da perda da qualidade de segurado, conforme consta expressamente do relatório do
processo administrativo (ID 118153773 - p. 24).
Por derradeiro, a boa-fé objetiva da autora perante o INSS ao longo de todo o período
controvertido é evidente, uma vez que ela não ocultou ou adulterou informações por ocasião do
requerimento administrativo dos benefícios, submeteu-se às revisões médicas e, por não ter
conhecimento clínico ou jurídico, é natural que ela presumisse que os valores por ela recebidos
até então eram devidos, uma vez que alicerçados, ao longo de quase quatro anos, em
pareceres elaborados por peritos da própria Autarquia Previdenciária e processados após a
análise de servidores do órgão, que ostentam fé pública e que, portanto, praticam atos perante
terceiros que detém a presunção de estarem conforme a lei.
Por oportuno, no que se refere à questão envolvendo a devolução ou não de valores recebidos
de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação
da lei ou erro da Administração da Previdência Social, impende ressaltar que o C. Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito dos
recursos repetitivos, firmou a seguinte tese:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base
na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos
distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
In casu, como o fundamento invocado para a cobrança administrativa - ausência de qualidade
de segurada da demandante - não restou demonstrada no curso do processo, o débito
previdenciário deve ser considerado inexigível, sobretudo, em razão da boa-fé objetiva da
demandante perante o INSS e do caráter alimentar das prestações previdenciárias.
Neste sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional firmados em casos
análogos:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA .BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IRREPETIBILIDADE
DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. BOA-
FÉ SE PRESUME E A MÁ-FÉ DEVE SER COMPROVADA. AGRAVO DA PARTE AUTORA
PROVIDO.1. .As verbas previdenciárias, de caráter alimentar, percebidas de boa-fé, não são
objeto de repetição 2. Não há nos autos até o presente momento comprovação cabal de que a
concessão administrativa do benefício assistencial se deu por culpa da parte autora ou por
eventual declaração falsa sua. A simples suspeita ou indícios não é o suficiente para afastar a
presunção de boa-fé. 3. Não havendo prova robusta da má-fé, deve prevalecer a presunção de
boa-fé da autora na percepção do benefício, afastando-se a cobrança dos eventuais valores
recebidos indevidamente até a conclusão do processo que criminal ou civil que está apurando
eventual conduta delituosa.4. Agravo de instrumento a que se dá provimento."
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5001688-28.2016.4.03.0000,
Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 28/02/2018, Intimação via
sistema DATA: 09/03/2018)
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE
BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.
1. Apesar do julgamento do recurso representativo de controvérsia REsp nº 1.401.560/MT,
entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado pelo e. STF no ARE 734242 AgR,
este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-se a necessidade de devolução de
valores recebidos de boa fé, em razão de sua natureza alimentar.
2. Ademais, não há qualquer indício de fraude ou ilegalidade na conduta do segurado.
3. Agravo de instrumento desprovido."
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5000261-54.2020.4.03.0000,
Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em
30/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/05/2020)
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-
FÉ IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS.
- Agravo legal, interposto pelo INSS, em face da decisão monocrática que deu parcial
provimento ao apelo da Autarquia, nos termos do artigo 557 do CPC, para autorizar apenas a
compensação entre o valor recebido a título de auxílio-doença e o devido a título de
aposentadoria por tempo de contribuição, restando mantida a sentença no que diz respeito à
impossibilidade de se efetuar o desconto do excedente na aposentadoria do autor, dada a boa-
fé do segurado e à natureza eminentemente alimentar do benefício, bem como para fixar a
sucumbência recíproca.
- Tendo a 15ª Junta de Recursos provido o recurso pela aposentadoria por tempo de
contribuição e estando o autor em gozo de auxílio-doença, esse foi notificado a fazer opção por
um dos benefícios, tendo optado pela Aposentadoria por Tempo de Contribuição.
- Com a concessão da aposentadoria, houve geração de crédito no valor de R$ 34.618,35.
Realizado encontro de contas entre os benefícios, verificou-se que o valor pago a título de
auxílio-doença, no período concomitante (22/07/2006 a 31/08/2009) gerou um débito de R$
42.874,14, resultando o complemento negativo de R$ 8.255,79 a ser descontado do benefício
do autor, motivo da interposição da presente ação.
- O artigo 124 da Lei nº 8.213/91, veda o recebimento conjunto do auxílio-doença e qualquer
aposentadoria. Assim, inequívoco que devem ser compensadas as parcelas pagas
administrativamente em período concomitante, sob pena de efetuar-se pagamento em
duplicidade ao exequente, que acarretaria seu enriquecimento ilícito.
- Também há de se levar em conta que à época da concessão do benefício de auxílio-doença, o
autor era segurado da Previdência Social e encontrava-se incapacitado para o exercício de
suas atividades laborativas, tendo sido o benefício regularmente concedido, restando
preservada a boa-fé do segurado.
- Apesar indevida a cumulação de benefícios, também deve ser considerado reputar-se
indevida a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, notadamente em razão da
natureza alimentar dos benefícios previdenciários.
- Indevida a cobrança do excedente à compensação efetuada, de forma que procede a
determinação para que a Autarquia cancele a consignação efetuada no benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição do autor.
- Decisão monocrática com fundamento no art. 557, caput e § 1º-A, do C.P.C., que confere
poderes ao relator para decidir recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto,
intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo
Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê-lo ao órgão colegiado, não importa em
infringência ao CPC ou aos princípios do direito. Precedentes.
- É assente a orientação pretoriana no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a
decisão do Relator, salvo na hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente
fundamentada, ou padecer dos vícios da ilegalidade e abuso de poder, e for passível de resultar
lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.
- In casu, a decisão está solidamente fundamentada e traduz de forma lógica o entendimento do
Relator, juiz natural do processo, não estando eivada de qualquer vício formal, razão pela qual
merece ser mantida.
- Agravo legal improvido."
(TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1833757 - 0002124-
04.2009.4.03.6116, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, julgado em
17/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/08/2015 )
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE. QUALIDADE DE
SEGURADA DEMONSTRADA. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO POR LONGO PERÍODO.
MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO ALICERÇADA EM PARECERES DE PERITOS
AUTÁRQUICOS. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE DOS ATOS PRATICADOS POR
SERVIDORES PÚBLICOS. BOA-FÉ OBJETIVA DA DEMANDANTE COMPROVADA. VERBA
DE CARÁTER ALIMENTAR. INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO RECONHECIDA. APELAÇÃO DO
INSS DESPROVIDA.
1 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
7 – Compulsando os autos, verifica-se que a demandante usufruiu do benefício de auxílio-
doença (NB 504.308.835 - 0), no período entre 03/01/2005 e 28/02/2006, o qual foi convertido
posteriormente em aposentadoria por invalidez, com efeitos financeiros a partir de 05/08/2005
(NB 516.590.873-5). Entretanto, após ter sido submetida à revisão periódica de rotina em
16/06/2009, nos termos do artigo 101 da Lei n. 8.213/91, constatou-se a ausência de
incapacidade omniprofissional, razão pela qual sua aposentadoria foi cessada
administrativamente em 01/08/2009 (ID 118153773 - p. 24).
8 - Todavia, após a cessação da prestação, em 30/04/2010, a Autarquia Previdenciária enviou
carta de cobrança à demandante, solicitando a restituição de todos os valores por ela
recebidos, a titulo de benefício previdenciário por incapacidade, entre 03/01/2005 e 31/07/2009
(ID 118153773 - p. 18/20).
9 - Embora no referido documento não esteja explícita a causa que ensejou o reconhecimento
de débito previdenciário, depreende-se do relatório do processo administrativo anexado aos
autos, ratificado na peça recursal do INSS ora sob julgamento, que a dívida está fundada no
reconhecimento tardio de erro administrativo, uma vez que a autora não mantinha a qualidade
de segurada por ocasião do requerimento do benefício de auxílio-doença (ID 118153773 - p.
24).
10 - De acordo com as informações contidas no referido documento, a demandante efetuou
recolhimentos previdenciários, na condição de segurada facultativa, nos períodos de
01/01/2003 a 31/08/2003, de 01/10/2003 a 31/12/2003, de 01/12/2004 a 31/01/2005.
11 - É sabido que os atos administrativos praticados pela Administração Pública devem ser
motivados, sobretudo quando resultam na restrição de direito dos administrados, como ocorre
no caso da cessação de benefícios previdenciários. Por outro lado, a causa invocada como
justificativa para a medida deve ser legítima, sob pena de tornar o ato eivado de ilegalidade, nos
termos da teoria dos motivos determinantes.
12 - No caso vertente, a justificativa apresentada pela Autarquia Previdenciária não se sustenta,
uma vez que a qualidade de segurada da autora, por ocasião da concessão do auxílio-doença,
em 03/01/2005, é evidente, já que o próprio INSS reconhece que ela efetuou recolhimentos
previdenciários em dezembro de 2004 e janeiro de 2005 e ainda afirma que "a inscrição da
segurada como facultativa foi feita em época própria e os recolhimentos estão no código correto
(1406 - facultativo)". Diante desse fato, não há como dizer que ela não tinha qualidade de
segurado em janeiro de 2005.
13 - Neste sentido, impende salientar que basta uma única contribuição para que o segurado
reingresse no sistema de proteção da Previdência Social, nos termos do artigo 15 da Lei n.
8.213/91.
14 - Ademais, deve-se considerar que a demandante passou por sucessivas revisões médicas
entre 2005 e 2009, tendo a data de início da incapacidade (DII) sido reiteradamente fixada pelos
peritos autárquicos em épocas em que a autora ostentava a qualidade de segurada. Realmente,
caso tivesse sido constatada a preexistência do quadro patológico, o benefício por incapacidade
temporária não teria sido concedido, prorrogado e, inclusive, convertido em aposentadoria por
invalidez. Impende salientar que o benefício foi cessado em virtude do restabelecimento da
capacidade laboral reconhecida na perícia administrativa realizada em 16/06/2009, e não em
razão da perda da qualidade de segurado, conforme consta expressamente do relatório do
processo administrativo (ID 118153773 - p. 24).
15 - Por derradeiro, a boa-fé objetiva da autora perante o INSS ao longo de todo o período
controvertido é evidente, uma vez que ela não ocultou ou adulterou informações por ocasião do
requerimento administrativo dos benefícios, submeteu-se às revisões médicas e, por não ter
conhecimento clínico ou jurídico, é natural que ela presumisse que os valores por ela recebidos
até então eram devidos, uma vez que alicerçados, ao longo de quase quatro anos, em
pareceres elaborados por peritos da própria Autarquia Previdenciária e processados após a
análise de servidores do órgão, que ostentam fé pública e que, portanto, praticam atos perante
terceiros que detém a presunção de estarem conforme a lei.
16 - Por oportuno, no que se refere à questão envolvendo a devolução ou não de valores
recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má
aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social, impende ressaltar que o C.
Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao
rito dos recursos repetitivos, firmou a seguinte tese: “Com relação aos pagamentos indevidos
aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em
interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o
desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao
segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto,
comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível
constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
17 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com
base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os
processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
18 - In casu, como o fundamento invocado para a cobrança administrativa - ausência de
qualidade de segurada da demandante - não restou demonstrada no curso do processo, o
débito previdenciário deve ser considerado inexigível, sobretudo, em razão da boa-fé objetiva
da demandante perante o INSS e do caráter alimentar das prestações previdenciárias.
Precedentes.
19 - Apelação do INSS desprovida. Sentença mantida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
