
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001444-34.2014.4.03.6119
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: NOTHEBURGA DUNKEL DUARTE
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO DE SOUZA JUNIOR - RJ135195
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001444-34.2014.4.03.6119
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: NOTHEBURGA DUNKEL DUARTE
Advogado do(a) APELANTE: JOSE ROBERTO DE SOUZA JUNIOR - RJ135195
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
Do caso concreto.
Compulsando os autos, verifica-se que a ré usufruiu do benefício previdenciário de pensão por morte, durante o interregno de 17/05/2009 a 31/07/2011. Todavia, em auditoria interna verificou-se que a concessão do referido beneplácito foi lastreada em vínculo empregatício inexistente, supostamente mantido pelo segurado instituidor com a empresa ANJOS COMÉRICO E DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA, entre 01/05/2009 e 17/05/2009.
A fim de demonstrar a inexistência do referido contrato de trabalho, foram anexados aos autos os seguintes documentos:
a) cópia da CTPS do falecido com anotação do referido vínculo com a empregadora que, iniciado em 01/05/2009, não possui registro da data de saída (ID 107207442 - p. 26);
b) comprovante de devolução da CTPS, sem assinatura do falecido (ID 107207442 - p. 57);
c) acordo de compensação de horas de trabalho, sem assinatura do falecido (ID 107207442 - p. 58);
d) pedido de concessão de vale transporte, sem assinatura do falecido (ID 107207442 - p. 59);
e) ficha de funcionário, sem assinatura ou foto do falecido (ID 107207442 - p. 61);
f) assinatura no contrato de trabalho diferente daquela registrada na cédula de identidade do falecido (ID 107207442 - 60);
g) registro de diligência feita pelo INSS junto à empregadora em 10/12/2009, na qual as funcionárias Agda e Cristina informaram não terem localizado qualquer documento do instituidor, a não ser a ficha de empregado com as deficiências acima mencionadas (ID 107207442 - p. 36).
Não foi apresentada uma única prova em sentido contrário pela ré, cuja defesa se resumiu a afirmar que o benefício de pensão por morte tinha sido cessado indevidamente e que o INSS não demonstrou a inexistência do vínculo empregatício.
Embora se saiba que as anotações na CTPS possuem presunção relativa de veracidade, ao se analisar a vasta prova documental apresentada pelo INSS, conclui-se que a prestação de serviço pelo instituidor à empregadora jamais existiu, razão pela qual o referido vínculo não pode ser utilizado, para fins de aferir a qualidade de segurado do
de cujus
na época do passamento.
Assim, examinando-se o histórico contributivo do falecido, verifica-se que o último recolhimento previdenciário por ele efetuado remonta a 05/03/1982, de modo que ele não estava vinculado à Previdência Social na época do passamento (17/05/2009), por ter sido superado o "período de graça" previsto no artigo 15 da Lei n. 8.213/91.
Desse modo, demonstrada a inexistência da prestação de serviço do falecido para a empregadora, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela ré, a título de pensão por morte, no período de 17/05/2009 a 31/07/2011, é medida que se impõe.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.
Ante o exposto,
rejeito
a preliminar de cerceamento de defesa,nego provimento
à apelação da ré, em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC,majoro
os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) e,de ofício, esclareço
que a correção monetária deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS NO MOMENTO PROPÍCIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. ÚLTIMO VÍNCULO EMPREGATÍCIO DO INSTITUIDOR. AUSÊNCIA DE EVIDÊNCIAS MATERIAIS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. ÚLTIMO RECOLHIMENTO VÁLIDO EM 1982. ÓBITO EM 2009. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO CONFIGURADA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELA DEPENDENTE. NECESSIDADE DE RESTITUIÇÃO. APELAÇÃO DA RÉ DESPROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA RETIFICADA DE OFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS EM SEDE RECURSAL.
1 - Preliminarmente, não merece prosperar a alegação de nulidade suscitada pela ré. Compulsando os autos, verifica-se que a demandada, após ter sido intimada pelo Juízo, em 24/04/2015, para especificar as provas que tinha interesse em produzir, foi obscura em seu requerimento, postulando apenas a realização de "
provas supervenientes
" (ID 107207443 - p. 38). A colheita do depoimento da empregadora, portanto, jamais foi solicitado no curso da instrução.2 - Não se pode olvidar que o destinatário é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos esclarecimentos, a realização de audiência de instrução, tão só porque a decisão judicial lhe foi desfavorável.
3 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações
in rem verso
, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.4 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
5 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
6 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
7 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
8 - a ré usufruiu do benefício previdenciário de pensão por morte, durante o interregno de 17/05/2009 a 31/07/2011. Todavia, em auditoria interna verificou-se que a concessão do referido beneplácito foi lastreada em vínculo empregatício inexistente, supostamente mantido pelo segurado instituidor com a empresa ANJOS COMÉRICO E DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA, entre 01/05/2009 e 17/05/2009.
9 - A fim de demonstrar a inexistência do referido contrato de trabalho, foram anexados aos autos os seguintes documentos: a) cópia da CTPS do falecido com anotação do referido vínculo com a empregadora que, iniciado em 01/05/2009, não possui registro da data de saída (ID 107207442 - p. 26); b) comprovante de devolução da CTPS, sem assinatura do falecido (ID 107207442 - p. 57); c) acordo de compensação de horas de trabalho, sem assinatura do falecido (ID 107207442 - p. 58); d) pedido de concessão de vale transporte, sem assinatura do falecido (ID 107207442 - p. 59); e) ficha de funcionário, sem assinatura ou foto do falecido (ID 107207442 - p. 61); f) assinatura no contrato de trabalho diferente daquela registrada na cédula de identidade do falecido (ID 107207442 - 60); g) registro de diligência feita pelo INSS junto à empregadora em 10/12/2009, na qual as funcionárias Agda e Cristina informaram não terem localizado qualquer documento do instituidor, a não ser a ficha de empregado com as deficiências acima mencionadas (ID 107207442 - p. 36).
10 - Não foi apresentada uma única prova em sentido contrário pela ré, cuja defesa se resumiu a afirmar que o benefício de pensão por morte tinha sido cessado indevidamente e que o INSS não demonstrou a inexistência do vínculo empregatício.
11 - Embora se saiba que as anotações na CTPS possuem presunção relativa de veracidade, ao se analisar a vasta prova documental apresentada pelo INSS, conclui-se que a prestação de serviço pelo instituidor à empregadora jamais existiu, razão pela qual o referido vínculo não pode ser utilizado, para fins de aferir a qualidade de segurado do
de cujus
na época do passamento.12 - Examinando-se o histórico contributivo do falecido, verifica-se que o último recolhimento previdenciário por ele efetuado remonta a 05/03/1982, de modo que ele não estava vinculado à Previdência Social na época do passamento (17/05/2009), por ter sido superado o "período de graça" previsto no artigo 15 da Lei n. 8.213/91.
13 - Desse modo, demonstrada a inexistência da prestação de serviço do falecido para a empregadora, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela ré, a título de pensão por morte, no período de 17/05/2009 a 31/07/2011, é medida que se impõe.
14 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
15 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
16 - Apelação da ré desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa, negar provimento à apelação da ré, em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC, majorar os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) e, de ofício, esclarecer que a correção monetária deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
