Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003706-63.2017.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
14/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/08/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. COMPROVAÇÃO DA
BOA-FÉ. REALIZAÇÃO DE PROVA ORAL. DESNECESSIDADE. VALOR EXTERIORIZADO
NOS ATOS MATERIALIZADOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. SUBSISTÊNCIA DO VÍNCULO CONJUGAL
COM SEGURADO DO RGPS. OCULTAÇÃO POR OCASIÃO DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO POSTERIOR RECONHECENDO A FALSIDADE. BOA-FÉ.
NÃO CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E A CONDUTA
DA DEMANDADA. CONFIGURADA. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO DO ATO ILÍCITO.
APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS EM SEDE
RECURSAL.
1 - É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de
repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de
serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito
civil. Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº
20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas
ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma
figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
2 - In casu, a constatação da irregularidade que ensejou a cobrança foi apurada no bojo do
procedimento administrativo em que se discutiu a concessão do benefício de pensão por morte à
demandante, na condição de esposa do segurado instituidor, o Sr. Paulo Pedro, instaurado por
ocasião da apresentação do requerimento administrativo, em 09/11/2012.
3 - Apenas ao tomar ciência da declaração prestada pela demandante em 01/02/2013, no sentido
de que ainda mantinha vínculo conjugal com o de cujuse, portanto, seria sua dependente na
época do passamento, o INSS pôde cogitar de irregularidade na concessão e manutenção do
benefício assistencial usufruído pela autora desde 2005. Por outro lado, o débito administrativo só
foi constituído em 19/10/2016, tendo a autora sido notificada da cobrança em 24/10/2016.
4 - Assim, considerando as datas da constituição do débito (19/10/2016) e da propositura desta
demanda (10/07/2017), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no
artigo 1º do Decreto 20.910/32.
5 - É dispensável a oitiva de testemunhas para aferir a boa-fé do segurado, pois esta se
exterioriza nos atos praticados e materializados no bojo dos procedimentos administrativos
instaurados perante o INSS e nos documentos anexados aos autos, sendo prescindível, portanto,
a colheita de depoimentos para averiguar as motivações psicológicas que conduziram o segurado
a agir de determinada maneira.
6 - Não se pode olvidar que o destinatário é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente
esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos
esclarecimentos, a realização de audiência de instrução, tão só porque a decisão judicial lhe foi
desfavorável.
7 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
8 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
9 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
10 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
11 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
12 - Compulsando os autos, verifica-se que a demandante usufruiu do assistencial de prestação
continuada, durante o interregno de 04/10/2005 a 28/02/2015. Todavia, em 09/11/2012, ela
apresentou requerimento administrativo, solicitando a concessão do benefício de pensão por
morte, na condição de dependente do segurado instituidor, seu falecido marido, o Sr. Paulo
Pedroso.
13 - Segundo o extrato do CNIS anexado aos autos, o falecido usufruía do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 083688879-0), no valor de R$ 2.748,87 (dois mil,
setecentos e quarenta e oito reais e oitenta e sete centavos), na época do passamento. Como os
proventos recebidos pelo falecido necessariamente impossibilitariam o atendimento do requisito
previsto no artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, concluiu-se pela irregularidade na concessão e
manutenção do benefício recebido pela demandante.
14 - Entretanto, não se pode falar em erro administrativo quando o próprio interessado adota
comportamento malicioso, omitindo ou distorcendo dados e, consequentemente, impossibilitando
a Autarquia Previdenciária de ter pleno conhecimento dos fatos para aferir se subsistem as
condições que ensejaram a concessão do benefício, como ocorreu no caso dos autos.
15 - Quanto a este ponto, a autora prestou os seguintes esclarecimentos em 21/03/2013, no
procedimento administrativo que verificou sua condição de dependente do falecido: "(...) por
ocasião do meu pedido do benefício LOAS encontrava-me separada de fato do mesmo, por um
período que ultrapassou 4 anos e durante o qual jamais recebi um centavo de ajuda de meu
marido que encontrava gravemente enfermo e sem condições de trabalho".
16 - No entanto, ao constatar que tal alegação era desfavorável ao seu pleito de concessão do
benefício de pensão por morte, a demandante apresentou nova declaração em 17/12/2013,
contradizendo todos os fatos narrados anteriormente. Eis o teor da referida manifestação redigida
de próprio punho: "(...) venho pela presente RETIFICAR a declaração de fls. 45/46 do processo
administrativo nº 21/162.940.047-2, pois fui induzida pelo meu antigo procurador a declarar que
estava separada do meu cônjuge Sr. PAULO PEDROSO, fato este que nunca ocorreu conforme
provas apresentadas no processo, mas que erroneamente assinei tendo em vista o medo de ser
obrigada a devolver valores recebidos de uma única vez sem ter fonte financeira para isso.
Ratifico ainda que quando do requerimento do amparo assistencial ao idoso também fui orientada
por outro procurador que tinha direito a esse benefício e por isso assinei uma procuração ao
mesmo, que realizou o requerimento onde todo o formulário de requerimento desse benefício foi
preenchido pelo mesmo, onde apenas assinei conforme solicitado. Declaro que sempre estive de
boa-fé e nunca procurei fraudar o INSS e caso tenha recebido algo de indevido não tinha
qualquer conhecimento de tal ilegalidade, sendo vítima de procuradores que induzem nos idosos
a supostos direitos".
17 - Desse modo, depreende-se das manifestações dúbias da demandante, que ela afirma o que
se apresenta mais conveniente para a consecução de seu objetivo mais imediato. Quando era
oportuno alegar que estava separada de fato, a autora subscreveu declaração com firma
reconhecida em cartório sustentando tal tese. No entanto, quando a condição de dependente se
mostrou mais vantajosa, a demandante rapidamente elaborou nova declaração dizendo que seu
relacionamento amoroso com o falecido perdurou ininterruptamente até a época do passamento.
18 - Ora, a postura discursiva cambiante da autora obsta o reconhecimento de sua boa-fé
objetiva, na medida em que inviabiliza concluir, com segurança, qual declaração é verdadeira e,
por conseguinte, revela que sua conduta processual não é pautada pelos valores da lealdade e
da honestidade. Neste momento, apenas é possível reconhecer que o benefício mais vantajoso
para ela é a pensão por morte deixada pelo segurado instituidor, com renda mensal inicial
equivalente a aproximada R$ 2.748,87 (dois mil, setecentos e quarenta e oito reais e oitenta e
sete centavos), em razão do disposto no artigo 75 da Lei n. 8.213/91.
19 - Ademais, é pouco crível que a ré ocultou inocentemente do INSS a subsistência do vínculo
conjugal, ora confessada, por ocasião da concessão do amparo social ao idoso, pois nem mesmo
pessoas humildes se confundem quanto ao seu atual estado civil, de modo que a invocação da
ignorância como justificativa para tal conduta se mostra frágil. Além disso, a julgar pelo teor das
manifestações redigidas de próprio punho pela autora no bojo do procedimento administrativo
anexado aos autos, conclui-se não se tratar de pessoa incapaz de articular idéias e comunicá-las
em um discurso dotado de sentido completo, o que infirma ainda mais a tese de ser pessoa de
parcas luzes.
20 - A propósito, é relevante destacar que a ninguém é dado o direito de descumprir a lei sob a
justificativa de desconhecê-la, nos termos do artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Lei n. 4.657/42).
21 - Por outro lado, não se está a falar de pessoa incapaz ou inimputável, de modo que a
remissão a sua inocência ou ignorância não pode ser aceita juridicamente como justificativa para
excluir sua responsabilidade pela reparação do ato ilícito praticado, por ausência de previsão
legal neste sentido.
22 - Por fim, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a autora, razão pela qual não
há como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento por ela de benefício assistencial
indevido por quase uma década.
23 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato
ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de
benefício assistencial, no período de 04/10/2005 a 28/02/2015, é medida que se impõe, nos
termos do artigo 927 do Código Civil. Precedentes.
24 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os
limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
25 - Apelação da autora desprovida. Sentença mantida. Ação julgada parcialmente procedente.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003706-63.2017.4.03.6183
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JAMILE ABRAO PEDROSO
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE FERREIRA LOUZADA - SP202224-A, EDSON
MACHADO FILGUEIRAS JUNIOR - SP198158-A, FELIPE GUILHERME SANTOS SILVA -
SP338866-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003706-63.2017.4.03.6183
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JAMILE ABRAO PEDROSO
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE FERREIRA LOUZADA - SP202224-A, EDSON
MACHADO FILGUEIRAS JUNIOR - SP198158-A, FELIPE GUILHERME SANTOS SILVA -
SP338866-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JAMILE ABRAÃO PEDROSO, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a cessação dos descontos na renda
mensal de benefício previdenciário e a restituição dos valores já pagos, em virtude do
reconhecimento da inexigibilidade do débito administrativo, ou a limitação do percentual da
consignação em 10% (dez por cento) do valor do beneplácito.
A r. sentença, prolatada em 14/05/2018, julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na
inicial, a fim de limitar os descontos posteriores a 10% (dez por cento) do valor da renda mensal
do benefício previdenciário, condenando a demandante no pagamento das despesas processuais
e de honorários advocatícios, arbitrados estes últimos no percentual mínimo estabelecido pelo
artigo 85, §3º, do Código de Processo Civil, incidente sobre o valor atribuído à causa,
condicionando, contudo, a exigibilidade destas verbas à perda dos benefícios da gratuidade
judiciária.
Em suas razões recursais, a autora suscita, preliminarmente, ter sido cerceada a defesa de seu
direito, em virtude da necessidade de realização de prova oral. Aduz ainda estar prescrita a
pretensão condenatória. No mérito, pugna pela reforma do r. decisum, ao fundamento de que foi
vítima de ação de terceiros, razão pela qual não pode ser responsabilizada pelo prejuízo aos
cofres públicos. No mais, afirma que o caráter alimentar das prestações previdenciária e sua boa-
fé perante o INSS tornariam inexigível o débito administrativo.
Devidamente processado o recurso, sem contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal
Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003706-63.2017.4.03.6183
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JAMILE ABRAO PEDROSO
Advogados do(a) APELANTE: ALEXANDRE FERREIRA LOUZADA - SP202224-A, EDSON
MACHADO FILGUEIRAS JUNIOR - SP198158-A, FELIPE GUILHERME SANTOS SILVA -
SP338866-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Preliminarmente, não merece prosperar a alegação de prescrição suscitada pela autora.
É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de
repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de
serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito
civil.
A ementa fora assim sintetizada:
"CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE.
SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. É prescritível a ação de
reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil. 2. Recurso extraordinário a que
se nega provimento."
(STF, RE nº 669.069/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, publicado em 28.04.2016).
Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº
20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas
ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma
figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
O Decreto em questão assim dispõe:
"Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem."
In casu, a constatação da irregularidade que ensejou a cobrança foi apurada no bojo do
procedimento administrativo em que se discutiu a concessão do benefício de pensão por morte à
demandante, na condição de esposa do segurado instituidor, o Sr. Paulo Pedro, instaurado por
ocasião da apresentação do requerimento administrativo, em 09/11/2012.
Apenas ao tomar ciência da declaração prestada pela demandante em 01/02/2013, no sentido de
que ainda mantinha vínculo conjugal com o de cujuse, portanto, seria sua dependente na época
do passamento, o INSS pôde cogitar de irregularidade na concessão e manutenção do benefício
assistencial usufruído pela autora desde 2005.
Por outro lado, o débito administrativo só foi constituído em 19/10/2016, tendo a autora sido
notificada da cobrança em 24/10/2016.
Assim, considerando as datas da constituição do débito (19/10/2016) e da propositura desta
demanda (10/07/2017), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no
artigo 1º do Decreto 20.910/32.
Igualmente, não pode ser acolhida a nulidade arguida pela autora.
É dispensável a oitiva de testemunhas para aferir a boa-fé do segurado, pois esta se exterioriza
nos atos praticados e materializados no bojo dos procedimentos administrativos instaurados
perante o INSS e nos documentos anexados aos autos, sendo prescindível, portanto, a colheita
de depoimentos para averiguar as motivações psicológicas que conduziram o segurado a agir de
determinada maneira.
Não se pode olvidar que o destinatário é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente
esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos
esclarecimentos, a realização de audiência de instrução, tão só porque a decisão judicial lhe foi
desfavorável.
Avanço ao mérito.
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício
assistencial, na seara administrativa.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do
sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir
o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo, sob
pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário. Em
caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à parte
lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar o
respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871,
de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
Do caso concreto.
Compulsando os autos, verifica-se que a demandante usufruiu do assistencial de prestação
continuada, durante o interregno de 04/10/2005 a 28/02/2015. Todavia, em 09/11/2012, ela
apresentou requerimento administrativo, solicitando a concessão do benefício de pensão por
morte, na condição de dependente do segurado instituidor, seu falecido marido, o Sr. Paulo
Pedroso.
Segundo o extrato do CNIS anexado aos autos, o falecido usufruía do benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição (NB 083688879-0), no valor de R$ 2.748,87 (dois mil, setecentos e
quarenta e oito reais e oitenta e sete centavos), na época do passamento. Como os proventos
recebidos pelo falecido necessariamente impossibilitariam o atendimento do requisito previsto no
artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, concluiu-se pela irregularidade na concessão e manutenção do
benefício recebido pela demandante.
Entretanto, não se pode falar em erro administrativo quando o próprio interessado adota
comportamento malicioso, omitindo ou distorcendo dados e, consequentemente, impossibilitando
a Autarquia Previdenciária de ter pleno conhecimento dos fatos para aferir se subsistem as
condições que ensejaram a concessão do benefício, como ocorreu no caso dos autos.
Quanto a este ponto, a autora prestou os seguintes esclarecimentos em 21/03/2013, no
procedimento administrativo que verificou sua condição de dependente do falecido:
"(...) por ocasião do meu pedido do benefício LOAS encontrava-me separada de fato do mesmo,
por um período que ultrapassou 4 anos e durante o qual jamais recebi um centavo de ajuda de
meu marido que encontrava gravemente enfermo e sem condições de trabalho" (g. n.).
No entanto, ao constatar que tal alegação era desfavorável ao seu pleito de concessão do
benefício de pensão por morte, a demandante apresentou nova declaração em 17/12/2013,
contradizendo todos os fatos narrados anteriormente. Eis o teor da referida manifestação redigida
de próprio punho:
"(...) venho pela presente RETIFICAR a declaração de fls. 45/46 do processo administrativo nº
21/162.940.047-2, pois fui induzida pelo meu antigo procurador a declarar que estava separada
do meu cônjuge Sr. PAULO PEDROSO, fato este que nunca ocorreu conforme provas
apresentadas no processo, mas que erroneamente assinei tendo em vista o medo de ser
obrigada a devolver valores recebidos de uma única vez sem ter fonte financeira para isso.
Ratifico ainda que quando do requerimento do amparo assistencial ao idoso também fui orientada
por outro procurador que tinha direito a esse benefício e por isso assinei uma procuração ao
mesmo, que realizou o requerimento onde todo o formulário de requerimento desse benefício foi
preenchido pelo mesmo, onde apenas assinei conforme solicitado. Declaro que sempre estive de
boa-fé e nunca procurei fraudar o INSS e caso tenha recebido algo de indevido não tinha
qualquer conhecimento de tal ilegalidade, sendo vítima de procuradores que induzem nos idosos
a supostos direitos" (g. n.).
Desse modo, depreende-se das manifestações dúbias da demandante, que ela afirma o que se
apresenta mais conveniente para a consecução de seu objetivo mais imediato. Quando era
oportuno alegar que estava separada de fato, a autora subscreveu declaração com firma
reconhecida em cartório sustentando tal tese. No entanto, quando a condição de dependente se
mostrou mais vantajosa, a demandante rapidamente elaborou nova declaração dizendo que seu
relacionamento amoroso com o falecido perdurou ininterruptamente até a época do passamento.
Ora, a postura discursiva cambiante da autora obsta o reconhecimento de sua boa-fé objetiva, na
medida em que inviabiliza concluir, com segurança, qual declaração é verdadeira e, por
conseguinte, revela que sua conduta processual não é pautada pelos valores da lealdade e da
honestidade. Neste momento, apenas é possível reconhecer que o benefício mais vantajoso para
ela é a pensão por morte deixada pelo segurado instituidor, com renda mensal inicial equivalente
a aproximada R$ 2.748,87 (dois mil, setecentos e quarenta e oito reais e oitenta e sete centavos),
em razão do disposto no artigo 75 da Lei n. 8.213/91.
Ademais, é pouco crível que a ré ocultou inocentemente do INSS a subsistência do vínculo
conjugal, ora confessada, por ocasião da concessão do amparo social ao idoso, pois nem mesmo
pessoas humildes se confundem quanto ao seu atual estado civil, de modo que a invocação da
ignorância como justificativa para tal conduta se mostra frágil. Além disso, a julgar pelo teor das
manifestações redigidas de próprio punho pela autora no bojo do procedimento administrativo
anexado aos autos, conclui-se não se tratar de pessoa incapaz de articular idéias e comunicá-las
em um discurso dotado de sentido completo, o que infirma ainda mais a tese de ser pessoa de
parcas luzes.
A propósito, é relevante destacar que a ninguém é dado o direito de descumprir a lei sob a
justificativa de desconhecê-la, nos termos do artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Lei n. 4.657/42).
Por outro lado, não se está a falar de pessoa incapaz ou inimputável, de modo que a remissão a
sua inocência ou ignorância não pode ser aceita juridicamente como justificativa para excluir sua
responsabilidade pela reparação do ato ilícito praticado, por ausência de previsão legal neste
sentido.
Por fim, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a autora, razão pela qual não há
como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento por ela de benefício assistencial
indevido por quase uma década.
Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato ilícito
praticado, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de benefício
assistencial, no período de 04/10/2005 a 28/02/2015, é medida que se impõe, nos termos do
artigo 927 do Código Civil.
Neste sentido, reporto-me aos seguintes precedentes desta Corte Regional firmados em casos
análogos:
"PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-
DOENÇA. PAGAMENTO INDEVIDO. PREVISÃO DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL LIMITADA ÀS AÇÕES PARA APURAÇÃO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PRAZO
PRESCRICIONAL DO DECRETO Nº 20.910/32. INOCORRÊNCIA. AFASTADA A BOA-FÉ.
DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO DEVIDO.
- Inaplicável, in casu, a aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em
vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade.
- Tendo em vista o disposto no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco
anos para as pretensões ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de
previsão legal e em respeito aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser
aplicado nas hipóteses em que a Fazenda Pública é a autora da ação. Ajuizada a ação em
23.11.2015 e findo o processo administrativo em 2011, não há que se falar em prescrição.
- Consta dos autos do processo administrativo que, em auditoria, o Instituto Nacional do Seguro
Social-INSS identificou indício de irregularidade na concessão e manutenção do benefício de
auxílio-doença que consistiu na inserção de vínculo falso no CNIS que possibilitou o
reconhecimento da qualidade de segurado para a concessão indevida.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- Oportunizada administrativamente a demonstração dos vínculos excedentes, quedou-se a
requerida inerte.
- O Relatório Conclusivo Individual contido no processo administrativo de cobrança é claro ao
apontar que a concessão do benefício somente foi possível considerando-se os vínculos de
trabalho inexistentes, que foram irregularmente inseridos no sistema somente para concessão do
benefício.
- Conquanto a boa-fé se presuma, esta presunção é juris tantum e, por meio do cotejo das provas
coligidas aos autos, restou amplamente comprovada a má-fé do requerido.
- Presentes os pressupostos à condenação da requerida ao ressarcimento do dano advindo do
recebimento indevido de benefício em razão de fraude, porquanto comprovados o dano e o nexo
causal, a conduta ilícita e dolosa e elidida a presunção juris tantum de boa-fé.
- Honorários advocatícios majorados ante a sucumbência recursal, observando-se o limite legal,
nos termos do §§ 2º e 11 do art. 85 do CPC/2015, observada a gratuidade da justiça.
- Apelação da ré desprovida.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5009330-02.2018.4.03.6105, Rel.
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 05/09/2019, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 09/09/2019)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. RENDA MENSAL VITALÍCIA.
PAGAMENTO INDEVIDO. DECLARAÇÃO FALSA. REVISÃO ADMINISTRATIVA.
NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. ARTIGOS 884 DO CÓDIGO CIVIL E 115, II, DA LBPS.
CONTROLE ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DESCONTO DE 30% POSSÍVEL.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ALTERAÇÃO DO PEDIDO EM SEDE RECURSAL.
INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
- No caso, a parte autora percebeu renda mensal vitalícia indevidamente, desde 08/6/1995 (carta
de concessão à f. 26). Isso porque já recebia pensão por morte desde 05/8/1982 (NB
21/070.260.812-2) e declarou ao INSS não possuir qualquer renda. Ela declarou que "não possuo
bens, não recebo pensão e nenhum tipo de aposentadoria" (f. 40). Trata-se de declaração
ideologicamente falsa, que gerou efeitos jurídicos assaz relevantes.
- Em revisão administrativa, o INSS considerou ilegal a percepção do benefício assistencial por
ultrapassar, muito, a renda familiar per capita prevista no § 3º, do artigo 20 da LOAS. Assim, o
INSS passou a efetuar a cobrança de R$ 113.324,18 (f. 41), a título de pagamento indevido,
passando a efetuar descontos de 30% na renda mensal ad pensão por morte.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de
prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios
órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja
conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Quando patenteado o pagamento a maior de benefício, o direito de a Administração obter a
devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do
disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91. Trata-se de norma cogente, que obriga o
administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
- O presente caso constitui hipótese de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou
locupletamento). O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento
indevido, "Todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir".
- O princípio da moralidade administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da
República, obriga a autarquia previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente
pagos, na forma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Resp 1.401.560/MT,
submetido à sistemática dos recursos repetitivos, pacificou o entendimento de que é possível a
restituição de valores percebidos a título de benefício previdenciário, em virtude de decisão
judicial precária posteriormente revogada, independentemente da natureza alimentar da verba e
da boa-fé do segurado.
- No caso, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência de boa-fé objetiva (artigo
422 do Código Civil).
- Por fim, não há possibilidade de reconhecimento da prescrição no presente caso. Conquanto
matéria de ordem pública, não há pedido nesse sentido, o seu reconhecimento implicando
violação da regra do artigo 264, § único, do CPC/73. Inviável, assim, a alteração do pedido
(limitado à redução dos descontos de 30% para 5%) em sede recursal.
- Quanto à regra do artigo 46, § 1º, da Lei nº 8112/91, não se pode aplicá-la nas relações
previdenciárias do Regime Geral, por ausência de lacunas, haja vista trazer a Lei nº 8.213/91
regra própria em seu artigo 115 e §§.
- Agravo legal desprovido."
(TRF 3ª Região, NONA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142041 - 0007899-
57.2014.4.03.6105, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-
DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018 )
Ante o exposto, rejeito as preliminares de cerceamento de defesa e de prescrição da pretensão,
nego provimento à apelação da autora e, em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC,
majoro os honorários advocatícios em 2%(dois por cento).
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. COMPROVAÇÃO DA
BOA-FÉ. REALIZAÇÃO DE PROVA ORAL. DESNECESSIDADE. VALOR EXTERIORIZADO
NOS ATOS MATERIALIZADOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. SUBSISTÊNCIA DO VÍNCULO CONJUGAL
COM SEGURADO DO RGPS. OCULTAÇÃO POR OCASIÃO DO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO POSTERIOR RECONHECENDO A FALSIDADE. BOA-FÉ.
NÃO CONFIGURADA. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O DANO AO ERÁRIO E A CONDUTA
DA DEMANDADA. CONFIGURADA. NECESSIDADE DE REPARAÇÃO DO ATO ILÍCITO.
APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MAJORADOS EM SEDE
RECURSAL.
1 - É certo que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado em sede de
repercussão geral (RE nº 669.069/MG - Tema nº 666), assentou entendimento no sentido de
serem prescritíveis as ações de reparação de danos à Fazenda Pública, decorrentes de ilícito
civil. Todavia, há que ser observado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº
20.910/32, diploma legal que, malgrado contemple regramento direcionado às demandas
ajuizadas em face da Fazenda Pública, comporta aplicação, também, nos feitos em que a mesma
figure como autora, a contento do princípio da isonomia.
2 - In casu, a constatação da irregularidade que ensejou a cobrança foi apurada no bojo do
procedimento administrativo em que se discutiu a concessão do benefício de pensão por morte à
demandante, na condição de esposa do segurado instituidor, o Sr. Paulo Pedro, instaurado por
ocasião da apresentação do requerimento administrativo, em 09/11/2012.
3 - Apenas ao tomar ciência da declaração prestada pela demandante em 01/02/2013, no sentido
de que ainda mantinha vínculo conjugal com o de cujuse, portanto, seria sua dependente na
época do passamento, o INSS pôde cogitar de irregularidade na concessão e manutenção do
benefício assistencial usufruído pela autora desde 2005. Por outro lado, o débito administrativo só
foi constituído em 19/10/2016, tendo a autora sido notificada da cobrança em 24/10/2016.
4 - Assim, considerando as datas da constituição do débito (19/10/2016) e da propositura desta
demanda (10/07/2017), verifica-se que não foi extrapolado o prazo de cinco anos previsto no
artigo 1º do Decreto 20.910/32.
5 - É dispensável a oitiva de testemunhas para aferir a boa-fé do segurado, pois esta se
exterioriza nos atos praticados e materializados no bojo dos procedimentos administrativos
instaurados perante o INSS e nos documentos anexados aos autos, sendo prescindível, portanto,
a colheita de depoimentos para averiguar as motivações psicológicas que conduziram o segurado
a agir de determinada maneira.
6 - Não se pode olvidar que o destinatário é o juiz, que, por sua vez, sentiu-se suficientemente
esclarecido sobre o tema. Não é direito subjetivo da parte, a pretexto de supostos
esclarecimentos, a realização de audiência de instrução, tão só porque a decisão judicial lhe foi
desfavorável.
7 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
8 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
9 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
10 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
11 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
12 - Compulsando os autos, verifica-se que a demandante usufruiu do assistencial de prestação
continuada, durante o interregno de 04/10/2005 a 28/02/2015. Todavia, em 09/11/2012, ela
apresentou requerimento administrativo, solicitando a concessão do benefício de pensão por
morte, na condição de dependente do segurado instituidor, seu falecido marido, o Sr. Paulo
Pedroso.
13 - Segundo o extrato do CNIS anexado aos autos, o falecido usufruía do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição (NB 083688879-0), no valor de R$ 2.748,87 (dois mil,
setecentos e quarenta e oito reais e oitenta e sete centavos), na época do passamento. Como os
proventos recebidos pelo falecido necessariamente impossibilitariam o atendimento do requisito
previsto no artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93, concluiu-se pela irregularidade na concessão e
manutenção do benefício recebido pela demandante.
14 - Entretanto, não se pode falar em erro administrativo quando o próprio interessado adota
comportamento malicioso, omitindo ou distorcendo dados e, consequentemente, impossibilitando
a Autarquia Previdenciária de ter pleno conhecimento dos fatos para aferir se subsistem as
condições que ensejaram a concessão do benefício, como ocorreu no caso dos autos.
15 - Quanto a este ponto, a autora prestou os seguintes esclarecimentos em 21/03/2013, no
procedimento administrativo que verificou sua condição de dependente do falecido: "(...) por
ocasião do meu pedido do benefício LOAS encontrava-me separada de fato do mesmo, por um
período que ultrapassou 4 anos e durante o qual jamais recebi um centavo de ajuda de meu
marido que encontrava gravemente enfermo e sem condições de trabalho".
16 - No entanto, ao constatar que tal alegação era desfavorável ao seu pleito de concessão do
benefício de pensão por morte, a demandante apresentou nova declaração em 17/12/2013,
contradizendo todos os fatos narrados anteriormente. Eis o teor da referida manifestação redigida
de próprio punho: "(...) venho pela presente RETIFICAR a declaração de fls. 45/46 do processo
administrativo nº 21/162.940.047-2, pois fui induzida pelo meu antigo procurador a declarar que
estava separada do meu cônjuge Sr. PAULO PEDROSO, fato este que nunca ocorreu conforme
provas apresentadas no processo, mas que erroneamente assinei tendo em vista o medo de ser
obrigada a devolver valores recebidos de uma única vez sem ter fonte financeira para isso.
Ratifico ainda que quando do requerimento do amparo assistencial ao idoso também fui orientada
por outro procurador que tinha direito a esse benefício e por isso assinei uma procuração ao
mesmo, que realizou o requerimento onde todo o formulário de requerimento desse benefício foi
preenchido pelo mesmo, onde apenas assinei conforme solicitado. Declaro que sempre estive de
boa-fé e nunca procurei fraudar o INSS e caso tenha recebido algo de indevido não tinha
qualquer conhecimento de tal ilegalidade, sendo vítima de procuradores que induzem nos idosos
a supostos direitos".
17 - Desse modo, depreende-se das manifestações dúbias da demandante, que ela afirma o que
se apresenta mais conveniente para a consecução de seu objetivo mais imediato. Quando era
oportuno alegar que estava separada de fato, a autora subscreveu declaração com firma
reconhecida em cartório sustentando tal tese. No entanto, quando a condição de dependente se
mostrou mais vantajosa, a demandante rapidamente elaborou nova declaração dizendo que seu
relacionamento amoroso com o falecido perdurou ininterruptamente até a época do passamento.
18 - Ora, a postura discursiva cambiante da autora obsta o reconhecimento de sua boa-fé
objetiva, na medida em que inviabiliza concluir, com segurança, qual declaração é verdadeira e,
por conseguinte, revela que sua conduta processual não é pautada pelos valores da lealdade e
da honestidade. Neste momento, apenas é possível reconhecer que o benefício mais vantajoso
para ela é a pensão por morte deixada pelo segurado instituidor, com renda mensal inicial
equivalente a aproximada R$ 2.748,87 (dois mil, setecentos e quarenta e oito reais e oitenta e
sete centavos), em razão do disposto no artigo 75 da Lei n. 8.213/91.
19 - Ademais, é pouco crível que a ré ocultou inocentemente do INSS a subsistência do vínculo
conjugal, ora confessada, por ocasião da concessão do amparo social ao idoso, pois nem mesmo
pessoas humildes se confundem quanto ao seu atual estado civil, de modo que a invocação da
ignorância como justificativa para tal conduta se mostra frágil. Além disso, a julgar pelo teor das
manifestações redigidas de próprio punho pela autora no bojo do procedimento administrativo
anexado aos autos, conclui-se não se tratar de pessoa incapaz de articular idéias e comunicá-las
em um discurso dotado de sentido completo, o que infirma ainda mais a tese de ser pessoa de
parcas luzes.
20 - A propósito, é relevante destacar que a ninguém é dado o direito de descumprir a lei sob a
justificativa de desconhecê-la, nos termos do artigo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Lei n. 4.657/42).
21 - Por outro lado, não se está a falar de pessoa incapaz ou inimputável, de modo que a
remissão a sua inocência ou ignorância não pode ser aceita juridicamente como justificativa para
excluir sua responsabilidade pela reparação do ato ilícito praticado, por ausência de previsão
legal neste sentido.
22 - Por fim, quem usufruiu da vantagem decorrente do ato ilícito foi a autora, razão pela qual não
há como dissociar o desfalque ao erário público do recebimento por ela de benefício assistencial
indevido por quase uma década.
23 - Em decorrência, constatado o nexo de causalidade entre o dano aos cofres públicos e o ato
ilícito praticado, a restituição dos valores recebidos indevidamente pela autora, a título de
benefício assistencial, no período de 04/10/2005 a 28/02/2015, é medida que se impõe, nos
termos do artigo 927 do Código Civil. Precedentes.
24 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os
limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
25 - Apelação da autora desprovida. Sentença mantida. Ação julgada parcialmente procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares de cerceamento de defesa e de prescrição da
pretensão, negar provimento à apelação da autora e, em atenção ao disposto no artigo 85, §11,
do CPC, majorar os honorários advocatícios em 2% (dois por cento), nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
