Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5175313-06.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE.
PERICULOSIDADE. AGENTES QUÍMICOS E BIOLÓGICOS. ENQUADRAMENTO PARCIAL.
REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TERMO INICIAL.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Demonstrada a especialidade em razão da periculosidade e do trabalho nas funções de
“vigilante”, independentemente do uso de arma de fogo. Precedentes.
- O uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
- Comprovada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a agentes químicos
deletérios (venenos) e a agentes biológicos, situações que viabilizam a contagem diferenciada.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativo. Precedentes.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Para o enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 (trabalhadores na agropecuária) do
anexo do Decreto n. 53.831/1964, a jurisprudência prevê a necessidade de comprovação da
efetiva exposição habitual aos possíveis agentes agressivos à saúde e do exercício conjugado na
agricultura e pecuária. Situação não visualizada.
- Não obstante a presença de PPP, constata-se a ausência de fator de risco capaz de ensejar o
reconhecimento da especialidade. O agente ergonômico não legitima a caracterização do
trabalho como especial.
- A controvérsia a respeito do computo do período em gozo de auxílio-doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
STJ.
- A parte autora faz não jus à concessão do benefício de aposentadoria especial.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/1988).
- Em razão do cômputo de tempo de serviço entre a DER e o ajuizamento da ação, o termo inicial
do benefício deve ser fixado na data da citação (TNU, Pedido de Uniformização de Interpretação
de Lei n. 0002863-91.2015.4.01.3506, Relator Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito, publicado em
31/10/2018).
- Não são contemplados pela hipótese de reafirmação da DER (Tema n. 995 do STJ) os casos
nos quais o preenchimento dos requisitos ocorre até a data do ajuizamento da ação (STJ;
Primeira Seção; EDcl nos EDcl do Resp n. 1.727.063/SP, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques; DJ 26/8/2020; DJe 4/9/2020).
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelações das partes parcialmente providas.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5175313-06.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: VALDECIR SIMOES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: RUI MAURICIO BENTO DA SILVA - SP420730-N, EDUARDO
PORSSANI - SP363472-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VALDECIR SIMOES DA
SILVA
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PORSSANI - SP363472-N, RUI MAURICIO BENTO
DA SILVA - SP420730-N
OUTROS PARTICIPANTES:
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PORSSANI - SP363472-N
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SILVA
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora busca o reconhecimento de tempo de serviço especial, com
vistas à concessão de aposentadoria especial ou subsidiariamente, aposentadoria por tempo de
contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) enquadrar como atividade
especial os períodos de 1º/7/1990 a 25/2/1991, de 1º/10/1991 a 16/2/1992, de 24/11/2008 a
13/9/2010, de 9/3/2012 a 6/6/2012, de 26/11/2012 a 29/11/2016, de 23/7/2016 a 7/1/2017 e de
15/1/2008 a 15/9/2017 (DER); (ii) determinar a concessão do benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição, integral ou proporcional, ou aposentadoria especial, o que for mais
vantajoso e desde que preenchidos os requisitos, desde a data do requerimento administrativo
(DER 15/9/2017), fixados os consectários legais.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual reitera o pedido de
enquadramento dos intervalos de 17/8/1982 a 28/2/1983, de 27/6/1983 a 29/12/1983, de
9/7/1994 a 5/1/1985, de 5/6/1985 a 13/1/1986, de 26/9/1989 a 3/1/1990, de 11/3/1997 a
30/11/2005, de 1º/12/2005 a 14/5/2007 e de 19/7/2012 a 1º/10/2012, com a consequente
obtenção do benefício previdenciário. Pleiteia a antecipação dos efeitos da tutela jurídica e por
fim, prequestiona a matéria para fins recursais.
Não resignada, a autarquia também interpôs apelação, na qual alega, em síntese, a
impossibilidade do enquadramento efetuado e da concessão de aposentadoria especial e
aposentadoria por tempo de contribuição. Requer a reforma da decisão a quo, com a
improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, impugna a data de início do benefício.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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APELANTE: VALDECIR SIMOES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogados do(a) APELANTE: RUI MAURICIO BENTO DA SILVA - SP420730-N, EDUARDO
PORSSANI - SP363472-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, VALDECIR SIMOES DA
SILVA
Advogados do(a) APELADO: EDUARDO PORSSANI - SP363472-N, RUI MAURICIO BENTO
DA SILVA - SP420730-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
De início, cumpre destacar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a
sentença foi proferida na vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, §
3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito
econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, adstrito ao princípio que norteia o recurso de apelação (tantum devolutum quantum
appellatum), procedo ao julgamento apenas das questões ventiladas nas peças recursais.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, no tocante aos interregnos controvertidos de 1º/7/1990 a 25/2/1991, de 1º/10/1991
a 16/2/1992, de 11/3/1997 a 30/11/2005, de 1º/12/2005 a 14/5/2007, de 24/11/2008 a
13/9/2010, de 9/3/2012 a 6/6/2012 e de 19/7/2012 a 1º/10/2012, a parte autora logrou
demonstrar, via anotações em Carteira de Trabalho de Previdência Social (CTPS), Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP) e laudo técnico (realizado por similaridade), o exercício
das funções de “vigia”, “vigilante”, “guarda” e “controlador de acesso” (guarda patrimonial) - com
porte de arma de fogo em alguns períodos -, fato que permite o enquadramento por analogia à
função de “guarda”, tida por perigosa, independentemente do porte de arma de fogo, nos
termos do código 2.5.7 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 (AREsp n. 623928/SC, 2ª Turma,
Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJU 18/3/2015).
Restou demonstrada, desse modo, a existência de risco à integridade física da parte autora
(periculosidade), inerente às suas funções.
No que tange à possibilidade de enquadramento em razão da periculosidade, o STJ, ao
apreciar Recurso Especial n. 1.306.113, reconheceu a controvérsia da matéria e concluiu pela
possibilidade de reconhecimento, como especial, do tempo de serviço no qual o segurado ficou
sujeito a periculosidade no período posterior a 5/3/1997, por ser meramente exemplificativo o rol
de agentes nocivos constante do Decreto n. 2.172/1997 (STJ, REsp n. 1.306.113/SC, Rel.
Herman Benjamin, Primeira Seção, J: 14/11/2012, DJe: 7/3/2013).
No mesmo sentido, o STJ julgou, em 9/12/2020, o Tema 1031 que versava sobre a
possibilidade de reconhecimento do tempo de serviço especial para a atividade de vigilante,
exercida após a edição da Lei n. 9.032/1995 e do Decreto n. 2.172/1997, com ou sem o uso de
arma de fogo, ocasião que ficou firmada a seguinte tese:
“É admissível o reconhecimento da atividade especial de vigilante, com ou sem arma de fogo,
em data posterior à edição da Lei 9.032/95 e do Decreto 2.172/97, desde que haja
comprovação da efetiva nocividade da atividade por qualquer meio de prova até 05.03.1997 e,
após essa data, mediante apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente,
para a comprovar a permanente, não ocasional, nem intermitente, exposição a agente nocivo
que coloque em risco a integridade física do segurado”.
Frisa-se que o uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
A perícia por similaridade é aceita pela jurisprudência como meio adequado de fazer prova de
condição de trabalho especial (REsp 1370229/RS, MAURO CAMPBELL MARQUES,
SEGUNDA TURMA, julgado em 25/2/2014; RESP 201700371993, HERMAN BENJAMIN, STJ -
SEGUNDA TURMA, DJE DATA: 2/5/2017).
No que tange ao interstício de 15/1/2013 a 31/3/2016, restou comprovado, via Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), pela descrição das atividades que o autor trabalhava
exposto, de forma habitual e permanente, a agentes químicos deletérios (venenos), situação
que autoriza o enquadramento nos códigos 1.2.6 e 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964,
1.2.6 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00019264020134036111, Desembargador Federal Sergio
Nascimento – 10ª Turma, e-DJF3: 5/8/2015; APELREEX 00035154020124036002,
Desembargadora Federal Tania Marangoni – 8ª Turma, e-DJF3: 29/4/2015.
Ademais, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativo (TRF-4 - APELREEX:
50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM
DA SILVA, Data de Julgamento: 09/7/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E.
10/7/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ
FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA
REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/1/2016 e-DJF1 P. 281).
Especificamente ao intervalo de 1º/4/2016 a 15/9/2017 (DER), consta Perfil Profissiográfico
Previdenciário (PPP), o qual indica exposição habitual e permanente a agentes biológicos, fato
que permite o enquadramento nos termos dos códigos 1.3.2 do anexo do Decreto n.
53.831/1964, 1.3.2 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 3.0.1 dos anexos dos Decretos n.
2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Relevante destacar que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente
nocivo já é suficiente para a sua caracterização.
Contudo, em relação aos períodos de 17/8/1982 a 28/2/1983, de 27/6/1983 a 29/12/1983, de
9/7/1994 a 5/1/1985, de 5/6/1985 a 13/1/1986 e de 26/9/1989 a 3/1/1990, a sentença não
merece reparos, uma vez que as atividades anotadas em Carteira de Trabalho e Previdência
Social - CTPS (“trabalhador rural” em "agroindústria" e "colheita de citrus") não estão previstas
nos mencionados decretos, nem podem ser caracterizadas como insalubres, perigosas ou
penosas por simples enquadramento da atividade, possível até 28/4/1995.
Ademais, para o enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 (trabalhadores na
agropecuária) do anexo do Decreto n. 53.831/1964, a jurisprudência prevê a necessidade de
comprovação da efetiva exposição habitual aos possíveis agentes agressivos à saúde e do
exercício conjugado na agricultura e pecuária. Situação não visualizada.
Cumpre consignar que a sujeição às intempéries da natureza (condições climáticas - sol, chuva,
frio, calor, radiações não ionizantes, poeira etc.), por si só, é insuficiente a caracterizar o
trabalho no campo como insalubre ou penoso.
Nesse sentido: TRF3, 10ª Turma, AC n. 0035126-48.2012.4.03.9999, Relator: Des. Fed.
Baptista Pereira, Julgamento: 14/10/2014; e TRF3, 3ª Seção AC n. 2001.03.99.013747-0/SP,
Rel. Des. Fed. Marisa Santos; Julgamento 11/05/2005; DJU 14/07/2005.
No tocante ao interstício de 15/1/2008 a 15/1/2013, não obstante a presença de PPP, constata-
se a ausência de fator de risco capaz de ensejar o reconhecimento da especialidade.
Com efeito, o referido documento informa a sujeição da parte autora à postura inadequada
(risco ergonômico), fator de risco não previsto nos decretos regulamentadores como apto a
conferir caráter insalubre à atividade desenvolvida.
O agente ergonômico não legitima a caracterização do trabalho como especial, porque o
esforço físico é inerente à profissão, que atua sobre o trabalhador em níveis normais, não
autorizando a conclusão de que causa danos à saúde.
Outrossim, a controvérsia a respeito do computo do período em gozo de auxílio-doença como
tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo
n. 998 do STJ, no seguinte sentido:
“O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-
doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como
tempo de serviço especial.” (STJ, REsp 1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/6/2019, DJe 1º/8/2019).
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na
GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à
vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enfoque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Destarte, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos interregnos de 1º/7/1990 a 25/2/1991, de 1º/10/1991 a 16/2/1992, de 11/3/1997 a
30/11/2005, de 1º/12/2005 a 14/5/2007, de 24/11/2008 a 13/9/2010, de 9/3/2012 a 6/6/2012, de
19/7/2012 a 1º/10/2012, de 26/11/2012 a 29/1/2016, de 23/7/2016 a 7/1/2017 e de 15/1/2013 a
15/9/2017 (DER).
Nessas circunstâncias, somados os períodos especiais reconhecidos judicialmente (excluídos
os intervalos concomitantes), até a data do requerimento administrativo (DER 15/9/2017), a
parte autora não conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo,
não faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e
parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Passo à análise do pedido sucessivo.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Quanto ao tempo de serviço, somados os períodos ora reconhecidos ao montante incontroverso
(27 anos, 2 meses e 13 dias), constata-se que na data do requerimento administrativo (DER
15/9/2017), a parte autora não contava 35 anos de profissão. Ainda, não tinha interesse na
aposentadoria por tempo de contribuição proporcional (regras de transição da EC n. 20/1998)
porque o pedágio da EC n. 20/1998, art. 9°, § 1°, inc. I, é superior a 5 anos.
Não obstante, o requisito restou preenchido posteriormente, em 8/3/2018, uma vez que o autor
continuou trabalhando, conforme consulta realizada no sistema cadastral do INSS (Cadastro
Nacional de Informações Sociais - CNIS).
Em decorrência, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral (CF/1988, art. 201, § 7º, inc. I, com redação
dada pela EC 20/1998), conforme planilha disponível em:
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/HRSW6-FWNTD-S6P6P
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, com a incidência do
fator previdenciário, uma vez que a pontuação totalizada é inferior a 95 pontos (Lei n.
8.213/1991, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Em razão do cômputo de tempo de serviço entre a DER e o ajuizamento da ação, o termo inicial
do benefício deve ser fixado na data da citação (TNU, Pedido de Uniformização de
Interpretação de Lei n. 0002863-91.2015.4.01.3506, Relator Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito,
publicado em 31/10/2018).
Ademais, importante frisar que não são contemplados pela hipótese de reafirmação da DER
(Tema n. 995 do STJ) os casos nos quais o preenchimento dos requisitos ocorre até a data do
ajuizamento da ação (STJ; Primeira Seção; EDcl nos EDcl do Resp n. 1.727.063/SP, Relator
Ministro Mauro Campbell Marques; DJ 26/8/2020; DJe 4/9/2020).
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Sobre o pedido de antecipação da tutela jurídica, esta é incabível neste caso, tendo em vista
que a parte autora continua em atividade, conforme consulta ao Cadastro Nacional de
Informações Sociais (CNIS). Dessa forma, embora reconhecido o direito, está afastada a
extrema urgência da medida ora pleiteada (periculum in mora), exigida no artigo 300, caput, do
CPC. Indefiro, portanto, a antecipação da tutela de urgência requerida.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade
alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, dou parcial provimento às apelações das partes para, nos termos da
fundamentação: (i) delimitar o enquadramento da atividade especial aos interstícios de
1º/7/1990 a 25/2/1991, de 1º/10/1991 a 16/2/1992, de 11/3/1997 a 30/11/2005, de 1º/12/2005 a
14/5/2007, de 24/11/2008 a 13/9/2010, de 9/3/2012 a 6/6/2012, de 19/7/2012 a 1º/10/2012, de
26/11/2012 a 29/1/2016, de 23/7/2016 a 7/1/2017 e de 15/1/2013 a 15/9/2017; (ii) julgar
improcedente o pedido de concessão de aposentadoria especial; (iii) reconhecer o direito do
autor à obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data da
citação.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE.
PERICULOSIDADE. AGENTES QUÍMICOS E BIOLÓGICOS. ENQUADRAMENTO PARCIAL.
REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TERMO INICIAL.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Demonstrada a especialidade em razão da periculosidade e do trabalho nas funções de
“vigilante”, independentemente do uso de arma de fogo. Precedentes.
- O uso de EPI não elimina os riscos à integridade física do segurado.
- Comprovada a especialidade em razão da exposição habitual e permanente a agentes
químicos deletérios (venenos) e a agentes biológicos, situações que viabilizam a contagem
diferenciada.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativo. Precedentes.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI
não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Para o enquadramento na hipótese prevista no código 2.2.1 (trabalhadores na agropecuária)
do anexo do Decreto n. 53.831/1964, a jurisprudência prevê a necessidade de comprovação da
efetiva exposição habitual aos possíveis agentes agressivos à saúde e do exercício conjugado
na agricultura e pecuária. Situação não visualizada.
- Não obstante a presença de PPP, constata-se a ausência de fator de risco capaz de ensejar o
reconhecimento da especialidade. O agente ergonômico não legitima a caracterização do
trabalho como especial.
- A controvérsia a respeito do computo do período em gozo de auxílio-doença como tempo de
serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do
STJ.
- A parte autora faz não jus à concessão do benefício de aposentadoria especial.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/1988).
- Em razão do cômputo de tempo de serviço entre a DER e o ajuizamento da ação, o termo
inicial do benefício deve ser fixado na data da citação (TNU, Pedido de Uniformização de
Interpretação de Lei n. 0002863-91.2015.4.01.3506, Relator Juiz Federal Sérgio de Abreu Brito,
publicado em 31/10/2018).
- Não são contemplados pela hipótese de reafirmação da DER (Tema n. 995 do STJ) os casos
nos quais o preenchimento dos requisitos ocorre até a data do ajuizamento da ação (STJ;
Primeira Seção; EDcl nos EDcl do Resp n. 1.727.063/SP, Relator Ministro Mauro Campbell
Marques; DJ 26/8/2020; DJe 4/9/2020).
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Apelações das partes parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento às apelações das partes, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
