
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001896-07.2019.4.03.6111
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIO SERGIO DE MEDEIROS
Advogados do(a) APELADO: RHOBSON LUIZ ALVES - SP275223-A, SHIRLEY MARA ROZENDO PINTO - SP337344-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001896-07.2019.4.03.6111
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIO SERGIO DE MEDEIROS
Advogados do(a) APELADO: RHOBSON LUIZ ALVES - SP275223-A, SHIRLEY MARA ROZENDO PINTO - SP337344-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em face de sentença (proferida em 26/3/2020) que julgou procedente pedido de concessão de aposentadoria especial, com o reconhecimento de tempo de serviço homônimo.
Anteciparam-se os efeitos da tutela rogada.
Nas razões recursais, a autarquia previdenciária alega, em síntese, não provado o tempo de serviço especial afirmado e requer a reforma do julgado, decretando-se a improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, insurge-se contra os critérios de incidência dos juros de mora e da correção monetária estabelecidos na sentença.
Mais tarde, o requerente atravessou petição (id. 138615315, ps. 1/2) requerendo a revogação da tutela antecipada que havia obtido.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001896-07.2019.4.03.6111
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JULIO SERGIO DE MEDEIROS
Advogados do(a) APELADO: RHOBSON LUIZ ALVES - SP275223-A, SHIRLEY MARA ROZENDO PINTO - SP337344-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade, daí por que dele se conhece.
Persegue-se o reconhecimento de tempo de serviço especial e a consequente concessão de aposentadoria especial ou, subsidiariamente, aposentadoria por tempo de contribuição.
Os pedidos principais foram julgados procedentes em primeiro grau.
Com isso não se conforma o INSS, o qual desfia as razões de recurso que a seguir serão examinadas.
Da aposentadoria especial
Aposentadoria especial é espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação, concedida em razão do exercício de atividades que afetam o patrimônio corporal do trabalhador. Presta-se a não deixar sem distingo, no enfoque previdenciário, o trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas (cf. “Manual de Direito Previdenciário”, Castro e Lazzari, 8ª ed., Florianópolis, Conceito Editorial, 2007, p. 499).
É benefício devido ao segurado que tiver trabalhado submetido a condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou sua integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos, dês que atendidas as exigências contidas na legislação de regência.
Para o segurado filiado à Previdência Social até 12/11/2019, a EC nº 103/2019, artigo 21,estabelece regra de transição, nos seguintes termos:
“Art. 21. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional cujas atividades tenham sido exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, desde que cumpridos, no caso do servidor, o tempo mínimo de 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e de 5(cinco) anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria, na forma dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, poderão aposentar-se quando o total da soma resultante da sua idade e do tempo de contribuição e o tempo de efetiva exposição forem, respectivamente, de:
I - 66 (sessenta e seis) pontos e 15 (quinze) anos de efetiva exposição;
II - 76 (setenta e seis) pontos e 20 (vinte) anos de efetiva exposição; e
III -86 (oitenta e seis) pontos e 25 (vinte e cinco) anos de efetiva exposição.
§ 1º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se refere o caput.
§ 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.
§ 3º Aplicam-se às aposentadorias dos servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação, na forma do §4º-C do art. 40 da Constituição Federal, as normas constitucionais e infraconstitucionais anteriores à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, enquanto não promovidas alterações na legislação interna relacionada ao respectivo regime próprio de previdência social.”
Da aposentadoria por tempo de contribuição
No período anterior à Emenda Constitucional n. 20/98, para a obtenção de aposentadoria integral, exigia-se tempo mínimo de sujeição ao regime geral de previdência (35 anos para o homem e 30 anos para a mulher), levando-se em conta somente o tempo de serviço, sem imposição de idade ou pedágio, nos termos do artigo 201, parágrafo 7o., I, da CF.
A seu turno, a modificação constitucional referida deixou manifesta, em seu artigo 3o., a possibilidade de deferir-se aposentadoria proporcional aos que tivessem cumprido os requisitos para essa modalidade de benefício até 16/12/1998. Para isso, impunha-se apenas o requisito temporal, ou seja, 30 anos de trabalho no caso do homem e 25 anos em se tratando de mulher, requisitos a adimplir até a data da publicação da referida emenda, independentemente de qualquer outra exigência.
É dizer, no regime anterior à transformação constitucional mencionada a aposentadoria por tempo de contribuição oferecia-se à/ao segurada/segurado que tivesse trabalhado por 25/30 anos (proporcional) ou 30/35 anos (integral), desde que cumprida a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições (arts. 25, II, 52 e 53 da Lei n. 8.213/91 e 201, par. 7o., da CF), observada a regra de transição prevista no artigo 142 da Lei n. 8.213/91, para os filiados à Previdência Social até 25/07/1991.
A seguir, a Emenda Constitucional nº 20, publicada em 16 de dezembro de 1998, estabeleceu diretriz aplicável aos filiados à Previdência Social antes de sua publicação, mas que somente implementariam os requisitos legais para concessão do benefício após aquela data. A regra de transição contemplava dois novos requisitos: (i) idade mínima de 53 anos (homens) e de 48 anos (mulheres) e (ii) adicional de 20% (vinte por cento) do tempo de contribuição faltante quando da publicação da sobredita emenda, no caso de aposentadoria integral, e de 40% (quarenta por cento), em hipótese de aposentadoria proporcional.
Já a Emenda Constitucional nº 103/2019, no que respeita ao benefício que se tem em apreço, lança regras de transição, a abranger diferentes situações, nos seguintes termos:
“Art. 15. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, fica assegurado o direito à aposentadoria quando forem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, equivalente a 86 (oitenta e seis) pontos, se mulher, e 96 (noventa e seis) pontos, se homem, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a pontuação a que se refere o inciso II do caput será acrescida a cada ano de 1 (um) ponto, até atingir o limite de 100 (cem) pontos, se mulher, e de 105 (cento e cinco) pontos, se homem.
§ 2º A idade e o tempo de contribuição serão apurados em dias para o cálculo do somatório de pontos a que se referem o inciso II do caput e o § 1º.
§ 3º Para o professor que comprovar exclusivamente 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, se mulher, e 30 (trinta) anos de contribuição, se homem, em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, será equivalente a 81 (oitenta e um) pontos, se mulher, e 91 (noventa e um) pontos, se homem, aos quais serão acrescidos, a partir de 1º de janeiro de 2020, 1 (um) ponto a cada ano para o homem e para a mulher, até atingir o limite de 92 (noventa e dois) pontos, se mulher, e 100 (cem) pontos, se homem.
§ 4º O valor da aposentadoria concedida nos termos do disposto neste artigo será apurado na forma da lei.”
“Art. 16. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - idade de 56 (cinquenta e seis) anos, se mulher, e 61 (sessenta e um) anos, se homem.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade a que se refere o inciso II do caput será acrescida de 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem.
§ 2º Para o professor que comprovar exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o tempo de contribuição e a idade de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão reduzidos em 5 (cinco) anos, sendo, a partir de 1º de janeiro de 2020, acrescidos 6 (seis) meses, a cada ano, às idades previstas no inciso II do caput, até atingirem 57 (cinquenta e sete) anos, se mulher, e 60 (sessenta) anos, se homem.
§ 3º O valor da aposentadoria concedida nos termos do disposto neste artigo será apurado na forma da lei.”
“Art. 17. Ao segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional e que na referida data contar com mais de 28 (vinte e oito) anos de contribuição, se mulher, e 33 (trinta e três) anos de contribuição, se homem, fica assegurado o direito à aposentadoria quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem; e
II - cumprimento de período adicional correspondente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem.
Parágrafo único. O benefício concedido nos termos deste artigo terá seu valor apurado de acordo com a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações calculada na forma da lei, multiplicada pelo fator previdenciário, calculado na forma do disposto nos §§ 7º a 9º do art. 29 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.”
“Art. 20. O segurado ou o servidor público federal que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social ou ingressado no serviço público em cargo efetivo até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se voluntariamente quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 57 (cinquenta e sete) anos de idade, se mulher, e 60 (sessenta) anos de idade, se homem;
II - 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem;
III - para os servidores públicos, 20 (vinte) anos de efetivo exercício no serviço público e 5 (cinco) anos no cargo efetivo em que se der a aposentadoria;
IV - período adicional de contribuição correspondente ao tempo que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, faltaria para atingir o tempo mínimo de contribuição referido no inciso II.
§ 1º Para o professor que comprovar exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio serão reduzidos, para ambos os sexos, os requisitos de idade e de tempo de contribuição em 5 (cinco) anos.
(...)”
Se tempo não houver para a aposentadoria especial, é possível transformar tempo especial em comum para que o segurado consiga jubilar-se por tempo de contribuição (art. 70 do Decreto nº 3.048/99) até 12/11/2019, na forma do artigo 36, III, da EC 103/2019.
Do tempo de serviço especial
No tocante ao pedido de reconhecimento de tempo de serviço especial, condições especiais de trabalho são aquelas às quais o segurado se acha sujeito, ao ficar exposto, no exercício do trabalho, a agentes químicos, físicos e biológicos, sós ou combinados, capazes de prejudicar a saúde ou a integridade física do obreiro.
Lado outro, agentes nocivos são aqueles, existentes no ambiente de trabalho, que podem provocar dano à saúde ou à integridade física do segurado, tendo em vista sua natureza, concentração, intensidade ou fator de exposição.
Com relação ao reconhecimento da atividade exercida em condições especiais – e sobre isso não há mais questionamento –, interessa a lei vigente à época em que prestada, em respeito ao direito adquirido do segurado.
Sob tal moldura, ressalte-se que, para o tempo de labor efetuado até 28/04/95, quando vigente a Lei nº 3.807/60 e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213/91, em sua redação original, a simples prova, por qualquer meio em Direito admitido, de que a atividade profissional enquadra-se no rol dos Decretos nos 53.831/64 ou 83.080/79 (seja por agente nocivo, seja por categoria profissional) é suficiente para a caracterização da atividade como especial, exceto para ruído, frio e calor, sempre exigentes de aferição técnica.
Com a vigência da Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, passou a ser necessária a comprovação da real exposição de forma habitual (não ocasional) e permanente (não intermitente) aos agentes nocivos à saúde ou integridade física do segurado, independentemente da profissão exercida. Exige-se, para tanto, a apresentação de formulário para todo e qualquer agente nocivo, o qual não precisa estar embasado, porém, em laudo técnico, ressalvadas as hipóteses de exposição a ruído, frio e calor (PET 9.194 – STJ; AREsp 2070641, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe de 13/09/2023).
Desde 06/03/97, com a entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei nº 8.213/91 pela MP nº 1596-14 (convertida na Lei nº 9.528/97), a comprovação da exposição às condições especiais passou a ser realizada mediante a apresentação de laudo técnico (AREsp nº 1.963.281, Ministro Francisco Falcão, DJe de 22/06/2023).
A partir de 01/01/2004, o único documento exigido para comprovação da exposição a agentes nocivos é o PPP, documento que substituiu o formulário anterior e o laudo técnico pericial (artigo 256, inciso IV, e artigo 272, § 1º, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010).
Por outra via, não tem lugar limitação à conversão de tempo especial em comum, mesmo que posterior a 28/05/98, segundo o decidido no REsp nº 956.110/SP.
Mas com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 103/2019 ficou vedada a conversão em tempo de serviço comum do tempo especial, para fim de concessão de aposentadoria. É o que se extrai de seu artigo 25, §2°, a seguir copiado:
“Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.
(...)
§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.
(...)”
No que se refere à utilização de EPI – equipamento de proteção individual –, há que se observar o decidido pelo E. STF no julgamento do ARE – Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, com repercussão geral reconhecida, à luz do qual o Plenário negou provimento ao recurso extraordinário, fixando duas relevantes teses, a saber:
“(...) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial” e;
“(...) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria” (vide itens 10 e 14 da ementa do acórdão).
Ainda no mesmo julgado, assentou a Suprema Corte que, havendo dúvida em relação à efetiva neutralização da nocividade, "a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete".
Ressalte-se que a informação indicada no campo “EPI Eficaz (S/N)”, constante do PPP, não basta para caracterizar ou afastar a nocividade do agente, uma vez que preenchida pelo empregador em atendimento às normas regulamentares da Previdência Social. É preciso que o documento descreva, analiticamente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco para ser levado em conta (ApCiv 5000084-63.2020.4.03.6120, TRF3, 8ª Turma, Rel. Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA, DJEN DATA: 20/07/2022).
Vale acrescer que, ao teor da Súmula nº 87 da TNU, “a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida antes de 03/12/1998, data de início da vigência da MP 1.729/98, convertida na Lei nº 9732/98”.
Não custa deixar assinalado, ainda neste capítulo, a desnecessidade de prévia fonte de custeio (para reconhecimento de tempo de trabalho especial) quando se tratar de benefício diretamente criado pela Constituição Federal, como no caso se dá (STF - ADI 352-6, Plenário, Rel. o Min. Sepúlveda Pertence, j, de 30/10/1997).
Do caso concreto
Na hipótese vertente, analisada a prova carreada aos autos, sobre os períodos controversos, durante os quais a parte autora teria exercido atividades especiais, tem-se o seguinte:
Período: de 1º/3/1989 a 30/7/1994
Empresa: NESTLÉ BRASIL LTDA
Função/atividade: Auxiliar de limpeza
Agentes nocivos: Agentes químicos (detergentes, soda caustica, hipoclorito de sódio etc)
Prova: PPP (id. 138615289, ps. 28/29)
CONCLUSÃO: ESPECIALIDADE NÃO COMPROVADA
Não obstante os documentos trazidos à guisa de prova indicarem a exposição do autor a agentes químicos e biológicos, tais documentos não refletem a insalubridade ou penosidade aventadas. Não há reconhecer a exposição habitual e permanente a riscos químicos biológicos nas atividades de limpeza comuns. Veja-se a descrição das atividades desempenhadas pelo requerente:
"Realizar a limpeza da área externa da fábrica utilizando utensílios e equipamentos para este fim. A área externa compreende pátios e área social, além da área de lazer e área de refeitórios. Realiza higienização de áreas administrativas, vestiários e sanitários".
Não se nega que as tarefas de limpeza e serviços gerais, como outras similares, podem atrair nocividade pelo manejo de utensílios e contato com dejetos e certos tipos de resíduos, neutralizáveis por EPIs fornecidos. Mas certamente tal exposição não ocorria com habitualidade ou nas mesmas condições em que submetidos os profissionais da linha de frente de combate às moléstias das instituições hospitalares ou de instalações com larga utilização do público.
Além disso, os formulários aportados nos autos fazem indicação genérica de exposição a produtos químicos, componentes dos materiais de limpeza utilizados (a saber: detergentes, soda caustica, hipoclorito de sódio), os quais, por si só, não são suficientes a engendrar especialidade.
Nesse medida, a partir das tarefas descritas, não se vislumbra sujeição habitual e permanente a agentes nocivos, senão meramente esporádica.
Remarque-se que o que caracteriza uma atividade como especial é a exposição com habitualidade e permanência a agentes agressivos prejudiciais à saúde, o que não se verifica no caso em comento.
No caso, o magistrado pode se valer das máximas da experiência para afastar, ainda que parcialmente, o laudo produzido, quando suas conclusões desbordem da realidade e da razoabilidade, nos moldes do artigo 479 do CPC.
Alinhado a esse posicionamento, oferece-se aresto:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. GUARDA MIRIM. ATIVIDADE ESPECIAL NÃO COMPROVADA. BALCONISTA. PROPRIETÁRIO DE FARMÁCIA. AGENTE NOCIVO. AUSÊNCIA DE HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. BENEFÍCIO INDEFERIDO. 1. A r. sentença julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, por falta de interesse de agir, pelo fato do autor não ter requerido o reconhecimento da atividade exercida como guarda mirim junto ao INSS. 2. No entanto, consta dos autos requerimento administrativo com data de 24/05/2016 (id 86191495 - Pág. 1), no qual o INSS indeferiu o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, inclusive tendo o INSS contestado o feito (id 86191539 - Pág. 1/20). 3. Assim, não há que falar em falta de interesse de agir, devendo a r. sentença ser anulada. 4. Cumpre lembrar que o NCPC estabeleceu, como um dos princípios fundamentais da atual sistemática processual civil, a primazia do julgamento de mérito, nos termos dos artigos 4º e 6º do diploma, inclusive em sede recursal, conforme prescrevem os artigos 932 e 938. 5. É certo, ademais, que, em situações como a presente, na qual há plena condição de ser julgada a demanda e, por se tratar inclusive de ação que dispensa dilação probatória, demonstra-se cabível a aplicação da teoria da causa madura, nos termos do artigo 1.013, §3º, I, do CPC/2015. 6. Têm direito somente à aposentadoria integral, calculada com base nas regras posteriores à EC nº 20/98, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e 30 (trinta) anos, para as mulheres. 7. Por ocasião da conversão da Medida Provisória nº 1.663/98 na Lei nº 9.711/98, permaneceu em vigor o parágrafo 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, razão pela qual continua sendo plenamente possível a conversão do tempo trabalhado em condições especiais em tempo de serviço comum relativamente a qualquer período, incluindo o posterior a 28/05/1998. 8. Com relação ao reconhecimento do trabalho exercido na qualidade de 'guarda-mirim', esta E. Sétima Turma tem posicionamento consolidado no sentido de que, devido ao caráter socioeducativo da atividade, bem como da ausência dos elementos ensejadores da relação de emprego, não há como ser considerado como tempo de serviço, para fins de obtenção de aposentadoria. 9. A atividade desenvolvida por intermédio de entidades de cunho assistencial, mediante oferta de alimentação, material, uniforme, ajuda de custo para a manutenção pessoal e escolar ao assistido, não gera vínculo empregatício, nos termos do artigo 3º, da CLT, não podendo contar como tempo de serviço. 10. A contagem do tempo de serviço militar para fins de aposentadoria está prevista no artigo 63 da Lei nº 4.375/64 (Lei do Serviço Militar). O artigo 55, I, da Lei nº 8.213/91 também estabelece o cômputo do serviço militar, inclusive voluntário, como tempo de contribuição. 11. Da análise do Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP (id 86191515 - Pág. 1/5) e, de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, a parte autora não comprovou o exercício da atividade especial nos períodos de 07/08/1990 a 31/05/1994, 01/07/1994 a 31/05/1997, 01/08/1997 a 31/10/1999, 01/11/1999 a 31/03/2003, 01/04/2003 a 31/05/2013, 01/06/2013 a 31/07/2013 e 01/08/2013 a 31/07/2016, pois ainda que conste do PPP a exposição do autor a agentes nocivos (substâncias químicas, medicamentos, vírus, bactérias, fungos, dentre outros), o documento não traz o nome e registro do responsável técnico pelos registros ambientais, nos termos da legislação vigente à época dos fatos. 12. É de se destacar que o enquadramento pelo exercício de atividade de farmacêutico somente é possível nos casos de Farmacêuticos-toxicologistas e bioquímicos (item 2.1.3 do Anexo II ao Decreto 83.080/79), o que não restou demonstrado nos autos. 13. O autor foi qualificado como comerciante em alteração de contrato social do qual se observa ser sócio proprietário da Drogaria Ciranda Bebedouro Ltda. (id 86191564 - Pág. 197/239) e, em sua declaração de Imposto de Renda consta a natureza da ocupação 'proprietário de empresa ou firma individual' e, ocupação principal como 'dirigente, presidente e diretor de empresa industrial, comercial ou prestadora de serviços'. 14. Prevalece o entendimento de que nas atividades desenvolvidas em farmácias, ambiente não hospitalar, não há exposição habitual e permanente a agentes nocivos, notadamente biológicos, em razão da eventual /esporádica aplicação de injeções e/ou administração de tratamentos em clientes. 15. Apelação do autor parcialmente provida para afastar a falta de interesse de agir e, com fulcro no artigo 1.013, §3º, do CPC/2015, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na inicial.”
(TRF3, APELAÇÃO: ApCiv 5936220-71.2019.4.03.9999, Relator: Desembargador Federal Toru Yamamoto:, 7ª Turma, Intimação via sistema DATA: 08/05/2020)
Período: de 1º/7/2001 a 30/7/2003
Empresa: NESTLÉ BRASIL LTDA
Função/atividade: Mecânico geral
Agentes nocivos: Ruído (88 db) e Agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos, a saber: óleo e graxa)
Prova: PPP (id. 138615289, ps. 28/29)
CONCLUSÃO: ESPECIALIDADE COMPROVADA
Há especialidade pela exposição habitual e permanente do autor a agentes químicos nocivos à saúde.
Declarada a especialidade pela exposição, de forma habitual e permanente, a agentes químicos, consistentes em hidrocarbonetos, previstos no Código 1.2.11 do Anexo do Decreto nº 53.831/64, no Código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, no Código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e no Código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, e, ainda, de acordo com o Anexo nº 13 da NR-15 do Ministério do Trabalho e Emprego. A Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 9/2014 - LINACH indica que óleos minerais e hidrocarbonetos são comprovadamente cancerígenos aos humanos.
Nesse contexto, é importante registrar que os riscos ambientais gerados pela exposição a agentes químicos, especialmente hidrocarbonetos, não requerem a análise quantitativa de concentração ou intensidade, mas sim qualitativa. O próprio INSS, no Memorando-Circular Conjunto nº 2/DIRSAT/INSS (item 1, "d"), prescreve que a utilização de EPC e/ou EPI não elide a exposição aos agentes comprovadamente cancerígenos, ainda que considerados eficazes. Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos mencionados agentes, considerada a potencialidade da agressão à saúde do trabalhador.
Ademais, não obstante a exposição do autor ao agente nocivo ruído não tenha ultrapassado os limites de tolerância previstos nas normas de regência, impende realçar que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo já é suficiente para caracterizar especial a atividade
A prova da nocividade no interlúdio de 1º/3/1989 a 30/7/1994 foi cabalmente analisada, de sorte que a declaração de especialidade negada o é com exame de mérito (art. 487, I, do CPC).
Em suma, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades desempenhadas pelo autor somente no interregno que se alonga de1º/7/2001 a 30/7/2003.
Desse modo, reconhecida a especialidade apenas em relação ao período acima destacado, o requerente não adimple tempo contributivo suficiente (25 anos de atividades sob condições especiais) para fazer jus à aposentadoria especial pretendida.
Passo à análise do pedido sucessivo.
Somados o período especial reconhecido nestes autos (devidamente convertido pelo fator de conversão 1,4) ao tempo de contribuição apurado administrativamente (id. 138615290, p. 14), o autor conta mais de 35 (trinta e cinco) anos de serviço na data do requerimento administrativo (DER: 27/4/2016) e, desse modo, faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral requerida (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/1988).
Ao autor serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Diante do exposto, dou parcial provimento ao apelo do INSS, na forma da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO PARCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONSECTÁRIOS.
- Aposentadoria especial é espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, com redução do tempo necessário à inativação, concedida em razão do exercício de atividades que afetam o patrimônio corporal do trabalhador. Para o segurado filiado à Previdência Social até 12/11/2019, a EC nº 103/2019, em seu artigo 21,estabelece regra de transição.
- No trato da aposentadoria por tempo de contribuição, a Emenda Constitucional nº 20/98 estabeleceu regra de transição, traçando os seguintes requisitos: (i) idade mínima de 53 anos (homens) e de 48 anos (mulheres) e (ii) adicional de 20% (vinte por cento) do tempo de contribuição faltante quando da publicação da emenda, no caso de aposentadoria integral, e de 40% (quarenta por cento), em hipótese de aposentadoria proporcional.
- Regulando a matéria, o Decreto nº 3.048/99, em seu artigo188, estabeleceu que ao o segurado homem bastava completar 35 (trinta e cinco) anos de contribuição e à segurada mulher, 30 (trinta) anos de contribuição, bem como preencher, um e outro, a carência de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais, na forma do artigo 25, II, da Lei nº 8.213/1991.
- A Emenda Constitucional nº 103/2019, em seus artigos 15, 16, 17 e 20 lançou regras de transição, a abranger diferentes situações.
- Com relação ao reconhecimento da atividade exercida em condições especiais, interessa a lei vigente à época em que prestada.
- Para o tempo de labor efetuado até 28/04/95, a simples prova, por qualquer meio em Direito admitido, de que a atividade profissional enquadra-se no rol dos Decretos nos 53.831/64 ou 83.080/79 (seja por agente nocivo, seja por categoria profissional) é suficiente para a caracterização da atividade como especial, exceto para ruído e calor, sempre exigentes de aferição técnica.
- Com a vigência da Lei nº 9.032/95, que deu nova redação ao § 3º do artigo 57 da Lei nº 8.213/91, passou a ser necessária a comprovação da real exposição de forma habitual (não ocasional) e permanente (não intermitente) aos agentes nocivos à saúde ou integridade física do segurado, independentemente da profissão exercida. Exige-se, para tanto, a apresentação de formulários para todo e qualquer agente nocivo.
- Desde 06/03/97, com a entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei nº 8.213/91 pela MP nº 1596-14 (convertida na Lei nº 9.528/97), a comprovação da exposição às condições especiais passou a ser realizada mediante a apresentação de laudo técnico.
- A partir de 01/01/2004, o único documento exigido para comprovação da exposição a agentes nocivos é o PPP (artigo 256, inciso IV, e artigo 272, § 1º, da Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010).
- Conjunto probatório apto ao enquadramento parcial dos períodos controvertidos.
- Satisfeitos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral requerida, nos termos do regramento anterior à EC n. 103/2019 (artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, I, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998).
- Ao autor serão pagas, de uma única vez, as prestações (diferenças) vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, aplicadas as diretrizes do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
- Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
- A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
- Apelação autárquica parcialmente provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
