
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5379296-63.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: LUIZ DOS SANTOS NETTO - SP233465-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5379296-63.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CARLOS EDUARDO DE OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: LUIZ DOS SANTOS NETTO - SP233465-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
Neste caso, em relação aos intervalos enquadrados como especiais, de 3/12/1998 a 6/12/2001, de 22/7/2002 a 13/2/2006, de 28/8/2006 a 29/1/2007, de 3/4/2008 a 31/3/2011, de 11/4/2011 a 9/8/2012, de 5/2/2013 a 1º/7/2013, de 2/7/2013 a 28/2/2014 e de 1º/3/2014 a 9/3/2015, a parte autora logrou demonstrar, via Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) e laudo técnico, exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares e a agentes químicos deletérios (hidrocarbonetos aromáticos, tais como: graxas, lubrificantes, etc.), fato que viabiliza o reconhecimento da especialidade em conformidade com os códigos 1.1.6, 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5, 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, 1.0.17 e 2.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
No tocante aos períodos de 26/7/2007 a 1º/4/2008 e de 5/2/2013 a 1º/7/2013, constam Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPP) e laudos técnicos, os quais indicam a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância estabelecidos na legislação previdenciário, o que possibilita o enquadramento deferido conforme os códigos 2.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Da análise dos respectivos documentos, constata-se que a parte autora esteve permanentemente exposta a níveis de ruído superiores aos limites de tolerâncias previstos na norma em comento, no que tange aos interstícios acima mencionados. Ademais, a avaliação por dosimetria é obtida através da composição das várias atividades desenvolvidas pelo trabalhador durante a jornada laboral, de modo que resta demonstrada a habitualidade e permanência.
Ressalta-se que a utilização de metodologia diversa para a aferição do nível de agente nocivo, não descaracteriza a especialidade, uma vez que demonstrada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre, por meio do PPP apresentado, documento que reúne as informações laborais do trabalhador, sua exposição a agentes nocivos conforme indicação do laudo ambiental da empresa empregadora, com o nome do profissional legalmente habilitado, responsável pela elaboração dessa perícia e a assinatura da empresa ou do preposto respectivo.
Nesse sentido já decidiu este Tribunal: Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Desembargadora Federal Inês Virgínia – 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Desembargador Federal Baptista Pereira – 10ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017.
Ademais, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativo (TRF-4 - APELREEX: 50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Relevante destacar que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo já é suficiente para a sua caracterização.
Contudo, em relação aos interstícios de 24/10/1984 a 12/6/1987 e de 1º/7/1987 a 15/4/1988, não prospera a pretensão autoral.
Independentemente de o PPP ter sido assinado pelo representante legal da empresa ou seu preposto, na hipótese dos autos, referido documento não constitui meio válido à comprovação pretendida na medida em que não consta profissional legalmente habilitado na aferição dos registros ambientais, estando, desse modo, em desacordo com as disposições legais.
Com efeito, inviável o enquadramento requerido, à míngua do necessário laudo técnico (LTCAT) subscrito por profissional legalmente habilitado, isto é, engenheiro ou médico de segurança do trabalho, que corrobore o conteúdo do formulário padronizado (PPP) indicador da exposição a "ruído" - formalidade legal que se impõe quando se trata deste elemento nocivo em qualquer época de prestação do serviço.
Nesse sentido: STJ, AIEDARESP - AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 778451 2015.02.29458-4, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 18/11/2019; RESP - RECURSO ESPECIAL - 1806883 2019.00.54622-3, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:14/06/2019.
Assim, conclui-se não ter sido juntado documento hábil para demonstrar a pretendida especialidade ou o alegado trabalho nos moldes previstos nesses instrumentos normativos.
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos lapsos de 3/12/1998 a 6/12/2001, de 22/7/2002 a 13/2/2006, de 28/8/2006 a 29/1/2007, de 26/7/2007 a 1º/4/2008, de 3/4/2008 a 31/3/2011, de 11/4/2011 a 9/8/2012, de 5/2/2013 a 1º/7/2013, de 2/7/2013 a 28/2/2014 e de 1º/3/2014 a 9/3/2015 (DER).
Cumpre acrescentar que os intervalos de 16/7/1980 a 19/8/1981, de 20/7/1994 a 5/3/1997 e de 6/3/1997 a 2/12/1998 já foram enquadrados como especiais pelo INSS no âmbito administrativo, restando, portanto, incontroversos.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto,
dou parcial provimento
à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação: apenas considerar como tempo de serviço comum os períodos de 24/10/1984 a 12/6/1987 e de 1º/7/1987 a 15/4/1988.É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. ENQUADRAMENTO. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO. IMPOSSIBILIDADE.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares, bem como a agentes químicos deletérios (hidrocarbonetos aromáticos), fato que possibilita o enquadramento pretendido.
- Não há que se falar em inviabilidade do reconhecimento da especialidade com fundamento na utilização de metodologia diversa da determinada pela legislação. Precedentes.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativa. Precedentes.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Inviável o enquadramento de parte dos períodos requeridos, à míngua do necessário laudo técnico subscrito por profissional legalmente habilitado, isto é, engenheiro ou médico de segurança do trabalho, que corrobore o conteúdo do formulário padronizado (PPP) indicador da exposição a "ruído" - formalidade legal que se impõe quando se trata deste elemento nocivo, em qualquer época de prestação do serviço. Precedentes do STJ.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
