Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5010193-15.2018.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS.
VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO. ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. LAUDO JUDICIAL.
INCLUSÃO DE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO POR FORÇA DE DISSÍDIO COLETIVO.
IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA RESERVADA À SEDE REVISIONAL. REQUISITOS AO
BENEFÍCIO PREENCHIDOS.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, como quer o INSS, por ter sido proferida a sentença
na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo
grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
- Alegação descabida acerca da tutela jurídica antecipada. Convencido o julgador do direito da
parte, e presentes os requisitos do art. 497 do CPC, a tutela jurisdicional pode ser antecipada na
própria sentença.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao
enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos
limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Quanto aos intervalos controvertidos, a parte autora logrou comprovar, via anotação em Carteira
de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o exercício do ofício de "cobrador" e "motorista" em
empresa de transporte coletivo, situação que permite o enquadramento, em razão da atividade
(até 28/4/1995), nos códigos 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo ao
Decreto n. 83.080/1979.
- Laudo pericial atestou a presença de vibração de corpo inteiro (VCI) em veículo similar ao
conduzido pelo segurado; a nocividade desse agente somente é reconhecida aos trabalhos em
que são utilizados "perfuratrizes e marteletes pneumáticos", como os operadores de britadeira,
por exemplo, consoante indicam os códigos 1.1.5 do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.4 do Decreto n.
83.080/1979 e 2.0.2 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999, contando-se como
tempo normal. Precedente.
- A parte autora busca a inclusão, no período base de cálculo, dos salários contributivos anotados
em CTPS, decorrentes de dissídio coletivo da categoria dos motoristas e dos cobradores de
ônibus.
- Em que pese a dicção do art. 28, I, da Lei n. 8.212/1991, as convenções coletivas de trabalho,
neste caso, não possuem o condão, por si sós, de comprovar o real valor dos salários
efetivamente pagos pelas empresas em que o obreiro atuou.
- Afigura-se temerário emitir comando judicial para compelir o INSS a incluir os salários de
contribuição apontados unilateralmente pelo demandante, quando não se sabe qual será a efetiva
renda mensal inicial apurada na concessão da aposentadoria, sendo matéria reservada para a
sede revisional, consoante orientação jurisprudencial desta corte.
- Presente o pressuposto temporal, uma vez que a soma dos períodos reconhecidos aos lapsos
incontroversos, até a DER, confere à parte autora mais de 35anos de profissão, tempo suficiente
à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 5%
(cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111 do
Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parteautora desprovida.
- Apelação do INSS parcialmenteprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5010193-15.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: FRANCISCO SOUZA ARAUJO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: OSMAR CONCEICAO DA CRUZ - SP127174-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, FRANCISCO SOUZA
ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: OSMAR CONCEICAO DA CRUZ - SP127174-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5010193-15.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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INSS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, FRANCISCO SOUZA
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
reconhecimento de atividade urbana comum e o enquadramento de atividade especial,com
vistas à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença, integrada via embargos declaratórios, foi proferida nos seguintestermos:
"julgo a demanda para, reconhecendo PARCIALMENTE PROCEDENTE os períodos comuns
de 18/11/1975 a 09/03/1976, 02/04/1976 a 08/05/1976, 22/08/1976 a 23/12/1976 e 01/05/1985
a 01/10/1987, além dos períodos especiais de 22/08/1976 a 23/12/1976, 25/07/1978 a
08/02/1979, 01/04/1981 a 15/01/1983, 01/07/1983 a 15/07/1983, 06/07/1989 a 22/08/1989,
23/10/1989 a 26/03/1994, 26/03/1994 a 28/04/1995, 29/04/1995 a 15/03/2002 e 13/11/2001 a
12/08/2014 somando-os aos demais lapsos computados administrativamente, conceder a
aposentadoria por tempo de contribuição sob NB 42/183.803.131-3, num total de 43 anos, 05
meses e 6 dias de tempo de contribuição, conforme especificado na tabela acima, garantido o
direito à não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação
totalizada é superior a 95 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi atingido, com parcelas
devidas a partir de 03/07/2017, pelo que extingo o processo com resolução de mérito.Em se
tratando de obrigação de fazer, nos termos do artigo 497 do Código de Processo Civil, concedo
a tutela específica, com a implantação do benefício, no prazo de 15 (quinze) dias úteis contados
a partir da remessa ao INSS, ficando as prestações atrasadas a serem liquidadas e executadas
no momento oportuno. Anoto, desde já, que este tópico é autônomo em relação ao restante da
sentença, devendo ser imediatamente cumprido, não se suspendendo pela interposição de
recurso de apelação ou em razão do reexame necessário. Ressalto, ainda, que não deverá ser
implantado o benefício em questão se a parte estiver recebendo outro mais vantajoso. ...".
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual invoca, preliminarmente, a suspensão da
tutela deferida e o reexame necessário. Na questão de fundo, sustenta, em síntese, a
impossibilidade do enquadramento efetuado, à míngua de comprovação de exposição a
agentes agressivos. Na eventualidade, pugna por ajustes nos consectários e isenção das
custas. Prequestionou a matéria para efeitos recursais.
A parte autora também manifestou parcial irresignação com o decisum, pugnando pela inclusão
dos salários de contribuição atinentes às competências 5/1994, 6/1994, 8/1994, 9/1994,
10/1994, 11/1994, 12/1994, 1/1995, 2/1995, 3/1995, 4/1995, 5/1995, 6/1995, 7/1995, 8/1995,
9/1995, 10/1995, 11/1995, 12/1995, 1/1996, 2/1996, 3/1996, 4/1996, 5/1996, 6/1996, 7/1996,
8/1996, 9/1996, 10/1996, 11/1996, 12/1996, 1/1997, 2/1997, 3/1997, 4/1997, 5/1997, 6/1997,
7/1997, 8/1997, 9/1997, 10/1997, 11/1997, 12/1997, 1/1998, 2/1998, 3/1998, 4/1998, 5/1998,
6/1998, 7/1998, 8/1998, 9/1998, 10/1998, 11/1998, 12/1998, 1/1999, 6/1999, 7/1999, 8/1999,
9/1999, 10/1999, 11/1999, 12/1999, 1/2000, 2/2000, 3/2000, 4/2000, 5/2000, 6/2000, 7/2000,
8/2000, 9/2000, 10/2000, 11/2000, 12/2000, 1/2001, 6/2001, 7/2001, 8/2001, 9/2001, 10/2001,
11/2001, 12/2001, 3/2009, 4/2009, 5/2009, 6/2009, 7/2009, 8/2009, 9/2009, 10/2009, 11/2009,
12/2009, 1/2010, 2/2010, 3/2010, 4/2010, 5/2010, 6/2010, 7/2010, 8/2010, 9/2010, 10/2010,
9/2013, 10/2013, 11/2013, 12/2013, 1/2014, 2/2014, 3/2014, 4/2014, 5/2014, 6/2014, 7/2014,
8/2014, 9/2014, 10/2014, 11/2014, 12/2014, 1/2015, 2/2015, 3/2015, 4/2015, 5/2015, 6/2015,
7/2015, 8/2015, 9/2015, 10/2015, 11/2015, 12/2015, 1/2016, 2/2016, 3/2016, 4/2016, 5/2016.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5010193-15.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: FRANCISCO SOUZA ARAUJO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: OSMAR CONCEICAO DA CRUZ - SP127174-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, FRANCISCO SOUZA
ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: OSMAR CONCEICAO DA CRUZ - SP127174-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Contudo, a remessa oficial não deve ser conhecida, como quer o INSS, por ter sido proferida a
sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a
exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior
a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
No mais, afasto a alegação de não cabimento da tutela jurídica antecipada. Convencido o
julgador do direito da parte, e presentes os requisitos do art. 497 do CPC, a tutela jurisdicional
pode ser antecipada na própria sentença.
Com efeito, não merece acolhida a pretensão do INSS de suspensão do cumprimento da
decisão por esta relatoria, uma vez que não configuradas as circunstâncias dispostas no art.
1.012 do CPC.
Passo à apreciação as questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ,
assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível
tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp
894.266/SP, Rel. Min.HERMAN BENJAMIN, 2T, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/5/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar
completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do
EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao PPP, instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base
em laudo técnico elaborado pelo empregador,retrata as características do trabalho do segurado
e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de
trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, quanto aos intervalos controvertidos, de 22/8/1976 a 23/12/1976, de 25/7/1978 a
8/2/1979, de 1º/4/1981 a 15/1/1983, de 1º/7/1983 a 15/7/1983, de 6/7/1989 a 22/8/1989, de
23/10/1989 a 26/3/1994, de 26/3/1994 a 28/4/1995, a parte autora logrou comprovar, via
anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o exercício do ofício de
"cobrador" e "motorista" em empresa de transporte coletivo, situação que permite o
enquadramento, em razão da atividade (até 28/4/1995), nos códigos 2.4.4 do anexo ao Decreto
n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
Quanto aos interregnos remanescentes reconhecidos, de 29/4/1995 a 15/3/2002 e de
13/11/2001 a 12/8/2014, os laudos periciais por similaridade produzidos no curso da ação
asseveraram a presença de vibração de corpo inteiro (VCI) durante as funções como "motorista
de ônibus".
Contudo, a nocividade desse agente somente é reconhecida aos trabalhos em que são
utilizados "perfuratrizes e marteletes pneumáticos", como os operadores de britadeira, por
exemplo, consoante indicam os códigos 1.1.5 do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.4 do Decreto n.
83.080/1979 e 2.0.2 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999, de modo que
deve ser contado como tempo normal.
Nessa esteira, veja-se a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte (g.n.):
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR
OCORRIDA. CONVERSÃO DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE
SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. NÃO IMPLEMENTAÇÃO DOS
REQUISITOS. RECONHECIMENTO DE LABOR EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.
DE ÔNIBUS. VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO (VCI). AGENTE NOCIVO CALOR.
COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. Sentença declaratória. Impossibilidade de aferição do valor econômico. Inaplicável o §2º do
artigo 475 do CPC/73. Remessa necessária tida por ocorrida.
2. São requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com
os arts. 52 e 142 da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições, ressaltando-se
que o tempo de serviço prestado anteriormente à Emenda Constitucional 20/98 equivale a
tempo de contribuição, a teor do seu art. 4º.
3. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do trabalho para o
reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de sua
demonstração.
4. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero enquadramento legal da
atividade profissional (até 28/04/9,5), por meio da confecção de informativos ou formulários (no
período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil profissiográfico profissional (a partir
de 11/12/97).
5. A exposição à vibração de corpo inteiro (VCI), no desempenho da atividade de motorista de
ônibus, não enseja o reconhecimento do tempo especial por ausência de preceito legal
prevendo tal hipótese, sendo que aquela somente caracteriza a atividade especial quando
vinculada à realização de trabalhos "com perfuratrizes e marteletes pneumáticos", nos termos
do código 1.1.5 do Decreto n° 53.831/64, código 1.1.4 do Decreto n° 83.080/79, código 2.0.2 do
Decreto n° 2.172/97 e código 2.0.2 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
6. Condição especial de trabalho configurada. Exposição habitual e permanente à temperatura
ambiente acima de 28°C (agente nocivo calor - código 1.1.1 2 do Decreto nº 53.831/64 e item
1.1.1 do Decreto nº 83.080/79).
7. Sucumbência recíproca.
8. Apelação da parte autora e remessa necessária, tida por ocorrida, não providas”.
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2142297 - 0004104-
95.2015.4.03.6141, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em
08/04/2019, e-DJF3: 23/4/2019).
Ora! Oartigo 58, § 4°, da Lei 8.213/91, preceitua que:"A empresa deverá elaborar e manter
atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e
fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento".
Assim, constitui dever legal do empregador elaborar e fornecer ao empregado PPP
regularmente preenchido que demonstre corretamente as condições de trabalho desenvolvidas,
cabendo à Justiça do Trabalho, à luz do artigo 114da CF/1988, dirimir eventual controvérsia,
não ao juízo previdenciário.
Nesse diapasão, à míngua de cumprimento dos ônus probatórios (art. 373 do CPC), eventual
determinação para produção de perícia indireta revelar-se-ia imprestável, de modo que deixo de
acolher o inconformismo recursal.
Da inclusão de salários de contribuição por força de dissídio coletivo
A parte autora busca a inclusão, no período base de cálculo, dos salários contributivos
anotados em CTPS, decorrentes de dissídio coletivo da categoria dos motoristas e dos
cobradores de ônibus, a saber: competências 5/1994, 6/1994, 8/1994, 9/1994, 10/1994,
11/1994, 12/1994, 1/1995, 2/1995, 3/1995, 4/1995, 5/1995, 6/1995, 7/1995, 8/1995, 9/1995,
10/1995, 11/1995, 12/1995, 1/1996, 2/1996, 3/1996, 4/1996, 5/1996, 6/1996, 7/1996, 8/1996,
9/1996, 10/1996, 11/1996, 12/1996, 1/1997, 2/1997, 3/1997, 4/1997, 5/1997, 6/1997, 7/1997,
8/1997, 9/1997, 10/1997, 11/1997, 12/1997, 1/1998, 2/1998, 3/1998, 4/1998, 5/1998, 6/1998,
7/1998, 8/1998, 9/1998, 10/1998, 11/1998, 12/1998, 1/1999, 6/1999, 7/1999, 8/1999, 9/1999,
10/1999, 11/1999, 12/1999, 1/2000, 2/2000, 3/2000, 4/2000, 5/2000, 6/2000, 7/2000, 8/2000,
9/2000, 10/2000, 11/2000, 12/2000, 1/2001, 6/2001, 7/2001, 8/2001, 9/2001, 10/2001, 11/2001,
12/2001, 3/2009, 4/2009, 5/2009, 6/2009, 7/2009, 8/2009, 9/2009, 10/2009, 11/2009, 12/2009,
1/2010, 2/2010, 3/2010, 4/2010, 5/2010, 6/2010, 7/2010, 8/2010, 9/2010, 10/2010, 9/2013,
10/2013, 11/2013, 12/2013, 1/2014, 2/2014, 3/2014, 4/2014, 5/2014, 6/2014, 7/2014, 8/2014,
9/2014, 10/2014, 11/2014, 12/2014, 1/2015, 2/2015, 3/2015, 4/2015, 5/2015, 6/2015, 7/2015,
8/2015, 9/2015, 10/2015, 11/2015, 12/2015, 1/2016, 2/2016, 3/2016, 4/2016, 5/2016.
Não obstante a dicção do artigo28, I, da Lei n. 8.212/1991 de que "o salário-de-contribuição,
para o empregado e o trabalhador avulso, é a remuneração auferida em uma ou mais
empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a
qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma,
inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos
decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à
disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da Lei ou do contrato ou, ainda,
de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa", as convenções coletivas
de trabalho do respectivo sindicato não possuem o condão, por si mesmas, de comprovar o real
valor dos salários efetivamente pagos pelas empresas em que o obreiro atuou.
Ademais, afigura-se temerário emitir comando judicial para compelir o INSS a incluir os salários
de contribuição apontados unilateralmente pelo demandante, quando não se sabe qual será a
efetiva renda mensal inicial apurada na concessão da aposentadoria, sendo matéria reservada
para a sede revisional, consoante orientação jurisprudencial desta corte.
Irretorquível, portanto, afigura-se o julgado recorrido.
Não obstante, considerados todos os períodos de labor, a parte autora conta mais de 35 anos
de labor até a DER e, desse modo, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
Em relação à parte autora, porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à
legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar, nego provimento ao recurso do autor e dou
parcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação, excluir os períodos
especiais de 29/4/1995 a 15/3/2002 e de 13/11/2001 a 12/8/2014.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS.
VIBRAÇÃO DE CORPO INTEIRO. ENQUADRAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. LAUDO
JUDICIAL. INCLUSÃO DE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO POR FORÇA DE DISSÍDIO
COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA RESERVADA À SEDE REVISIONAL. REQUISITOS
AO BENEFÍCIO PREENCHIDOS.
- A remessa oficial não deve ser conhecida, como quer o INSS, por ter sido proferida a
sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a
exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior
a 1.000 (mil) salários mínimos.
- Alegação descabida acerca da tutela jurídica antecipada. Convencido o julgador do direito da
parte, e presentes os requisitos do art. 497 do CPC, a tutela jurisdicional pode ser antecipada
na própria sentença.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC/73).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o
Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral,
decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real
eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo
reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima
dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Quanto aos intervalos controvertidos, a parte autora logrou comprovar, via anotação em
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), o exercício do ofício de "cobrador" e
"motorista" em empresa de transporte coletivo, situação que permite o enquadramento, em
razão da atividade (até 28/4/1995), nos códigos 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e
2.4.2 do anexo ao Decreto n. 83.080/1979.
- Laudo pericial atestou a presença de vibração de corpo inteiro (VCI) em veículo similar ao
conduzido pelo segurado; a nocividade desse agente somente é reconhecida aos trabalhos em
que são utilizados "perfuratrizes e marteletes pneumáticos", como os operadores de britadeira,
por exemplo, consoante indicam os códigos 1.1.5 do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.4 do Decreto
n. 83.080/1979 e 2.0.2 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999, contando-se
como tempo normal. Precedente.
- A parte autora busca a inclusão, no período base de cálculo, dos salários contributivos
anotados em CTPS, decorrentes de dissídio coletivo da categoria dos motoristas e dos
cobradores de ônibus.
- Em que pese a dicção do art. 28, I, da Lei n. 8.212/1991, as convenções coletivas de trabalho,
neste caso, não possuem o condão, por si sós, de comprovar o real valor dos salários
efetivamente pagos pelas empresas em que o obreiro atuou.
- Afigura-se temerário emitir comando judicial para compelir o INSS a incluir os salários de
contribuição apontados unilateralmente pelo demandante, quando não se sabe qual será a
efetiva renda mensal inicial apurada na concessão da aposentadoria, sendo matéria reservada
para a sede revisional, consoante orientação jurisprudencial desta corte.
- Presente o pressuposto temporal, uma vez que a soma dos períodos reconhecidos aos lapsos
incontroversos, até a DER, confere à parte autora mais de 35anos de profissão, tempo
suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- Em virtude da sucumbência recíproca e da vedação à compensação (art. 85, § 14, da Lei n.
13.105/2015), ficam os litigantes condenados a pagar honorários advocatícios, arbitrados em
5% (cinco por cento) sobre as prestações vencidas até a sentença, consoante Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85 do CPC.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da parteautora desprovida.
- Apelação do INSS parcialmenteprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar, negar provimento à apelação da parte autora
e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
