Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5131168-59.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. FATOR 85/95. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO
ESPECIAL. RUÍDO. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ARTIGO 29-C, DA LEI N. 8.213/1991. TERMO INICIAL.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Afastada a alegação do INSS de descabimento da tutela jurídica deferida. Convencido o
julgador do direito da parte e presentes os requisitos do artigo 497 do CPC, a tutela jurisdicional
pode ser antecipada na própria sentença.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
regime do artigo 543-C do CPC).
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em nível superior aos limites de
tolerância previstos nas normas regulamentares, situação que viabiliza o enquadramento
deferido.
- Não há que se falar em inviabilidade do reconhecimento da especialidade com fundamento na
utilização de metodologia diversa da determinada pela legislação. Precedentes.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/1988).
- O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, garantido o direito a
não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada
é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei n. 8.213/1991, art.
29-C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
- Termo inicial da concessão do benefício mantido na data do requerimento administrativo,
consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (Pet 9.582/RS, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015).
- Condenação do INSS a pagar honorários de advogado majorada para 12% (doze por cento)
sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do
CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação
ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado.
- Remessa oficial não conhecida.
- Matéria preliminar de suspensão da tutela antecipada rejeitada.
- Matéria preliminar de revogação dos benefícios de justiça gratuita acolhida.
- Apelação autárquica desprovida.
- Apelação da parte autora provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5131168-59.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SILVIO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: SILVIO JOSE PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
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RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SILVIO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: SILVIO JOSE PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (fator 85/95) ou aposentadoria especial.
A sentença julgou procedente o pedido para: (i) enquadrar como atividade especial os intervalos
de 1º/2/1985 a 18/11/1991, de 20/11/1991 a 29/5/1997, de 30/5/1997 a 24/9/2008 e de
25/9/2008 a 3/4/2019; (ii) determinar a concessão do benefício de aposentadoria especial ou
aposentadoria por tempo de contribuição, com renda mensal a ser calculada de forma mais
favorável ao segurado, caso computado mais de 95 pontos, nos termos do artigo 29-C da Lei n.
8.213/1991 (fator 85/95), desde a data da citação (caso preenchidos os requisitos necessários),
fixados os consectários e antecipados os efeitos da tutela jurídica.
Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual requer, preliminarmente,
suspensão da tutela antecipada e a revogação dos benefícios da justiça gratuita. No mérito,
alega, em síntese, a impossibilidade do enquadramento efetuado e, por conseguinte, da
concessão do benefício em contenda. Requer a reforma da decisão a quo, com a
improcedência dos pedidos. Subsidiariamente, impugna o termo inicial do benefício sem a
incidência de juros de mora e sucumbência, aplicando-se por analogia o precedente firmado
pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema 995. Prequestiona a matéria
para fins recursais.
Não resignada, a parte autora também apresentou apelação, na qual exora o deferimento do
pedido principal, qual seja: a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição integral, sem a incidência do fator previdenciário (artigo 29-C, da Lei n. 8.213/1991)
e a fixação do início do benefício na data do requerimento administrativo (DER 3/4/2019).
Pleiteia a majoração dos honorários de advogado e prequestiona a matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5131168-59.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, SILVIO JOSE PEREIRA
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: SILVIO JOSE PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Assim, adstrito ao princípio que norteia o recurso de apelação (tantum devolutum quantum
appellatum), procedo ao julgamento apenas das questões ventiladas nas peças recursais.
No mais, afasta-se a alegação de não cabimento da tutela jurídica antecipada. Convencido o
julgador do direito da parte, e presentes os requisitos do artigo497 do CPC, a tutela jurisdicional
pode ser antecipada na prolação da sentença.
Com efeito, não merece acolhida a pretensão do INSS de suspensão do cumprimento da
decisão por esta relatoria, uma vez que não configuradas as circunstâncias dispostas no
artigo1.012 do CPC.
Desse modo, rejeito essa preliminar arguida pela autarquia.
Em sede preliminar, discute-se a revogação do benefício da justiça gratuita anteriormente
concedido no curso do processo.
Destaco, inicialmente, que o CPC, em seu artigo 1.072, revogou expressamente os artigos 2º,
3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei n. 1.060/1950, por serem incompatíveis com as disposições
trazidas pelos artigos 98 e 99 do diploma processual civil.
Dispõe o artigo 99, § 3º, do CPC:
“O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na
petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa
natural.”
Assim, em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende da simples afirmação de
insuficiência de recursos pela parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de
veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º,
LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem “comprovar” a insuficiência
de recursos.
Esse é o sentido constitucional da justiça gratuita, que prevalece sobre o teor da legislação
ordinária.
A assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública da União (DPU) alcança somente
quem percebe renda inferior a R$ 2.000,00 - valor próximo do limite de isenção da incidência de
Imposto de Renda (Resolução CSDPU n. 134, editada em 7/12/2016, publicada no DOU de
2/5/2017).
Esse critério, bastante objetivo, poderia ser seguido como regra não absoluta, de modo que
quem recebe renda superior àquele valor tenha contra si presunção juris tantum de ausência de
hipossuficiência, cabendo ao julgador possibilitar a comprovação de eventual miserabilidade por
circunstâncias excepcionais. Alegações de existência de dívidas ou de abatimento de valores
da remuneração ou de benefício por empréstimos consignados não constituiriam desculpas
legítimas para a obtenção da gratuidade, exceto se motivadas por circunstâncias
extraordinárias ou imprevistas devidamente comprovadas. Esse entendimento induziria maior
cuidado na propositura de ações temerárias ou aventureiras, semeando a ideia de maior
responsabilidade do litigante.
Não se desconhece que há outros critérios, igualmente relevantes, para a apuração da
hipossuficiência.
Contudo, adoto como critério legítimo e razoável para a aferição do direito à justiça gratuita o
teto fixado para os benefícios previdenciários, atualmente no valor de R$ 6.433,57.
Com essas ponderações, passo à análise do caso concreto.
De fato, segundo dados do Cadastro Nacional de Informações Social (CNIS), a parte autora
trabalhava no “Usina Santa Adélia S.A.”, auferindo rendimento mensal acima de R$ 17.000,00
(dezessete mil reais), valor este superior aos critérios mencionados, sobretudo se considerado
o teto dos benefícios previdenciários à época da propositura da ação (dezembro de 2019 - R$
6.101,06).
Não se pode tachar, portanto, essa situação de pobreza, ao contrário, o rendimento indica
posição financeira incompatível com a insuficiência de recursos alegada, o que afasta a
afirmação de ausência de capacidade econômica.
Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ): AGA
201000887794, 2ª Turma, Rel. Herman Benjamin, 14/09/2010; AGA 200801249330, 4ª Turma,
Rel. Raul Araújo, 02/08/2010; e AGA 200602496875, 2ª Turma, Rel. Herman Benjamin,
23/10/2008.
Dessa forma, faz-se necessária a revogação da assistência judiciária concedida.
Feitas essas considerações, passo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados
farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do
preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo artigo58, § 4º, da Lei
n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, em relação aos interstícios controvertidos, de 1º/2/1985 a 18/11/1991, de
20/11/1991 a 29/5/1997, de 30/5/1997 a 24/9/2008 e de 25/9/2008 a 3/4/2019, consta laudo
técnico, o qual indica exposição habitual e permanente ao agente nocivo “ruído” em nível
superior aos limites de tolerância previstos nas normas em comento, o que possibilita o
reconhecimento da atividade insalutífera em conformidade com os códigos 1.1.6 do anexo do
Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.1 dos anexos dos
Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Ressalta-se: eventual utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do
período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e
comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap –
Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Desembargadora Federal Inês Virgínia
– 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-
66.2015.4.03.6126, Desembargador Federal Baptista Pereira – 10ª Turma, e-DJF3 Judicial 1
Data: 19/7/2017).
Relevante destacar que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente
nocivo (na hipótese: ruído) já é suficiente para a sua caracterização.
No mais, as questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências
na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado,
à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste
enfoque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos interregnos supracitados, restando mantida a decisão recorrida neste aspecto.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no artigo 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos para
obtenção da aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia,
a qualquer tempo, pleitear o benefício.
No entanto, àqueles que estavam em atividade e não haviam preenchido os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres),
além de um adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para
completar 30 anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou
chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Ademais, patente está o quesito temporal, uma vez que a soma de todos os períodos de
trabalho, até a data do requerimento administrativo (DER 3/4/2019), confere à parte autora mais
de 35 anos de profissão, tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição integral (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/1988), conform planilha
disponível em: https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/VK9PK-W2DTX-FH
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, garantido o direito a
não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação
totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei n.
8.213/1991, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Do termo inicial
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio
de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do
termo inicial dos efeitos financeiros na data da citação, momento em que a autarquia teve
ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em
substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade
primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar
podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera
judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são
inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo
inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura
situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao
apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade
de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que
o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de
requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em
guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário
não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário,
devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim,
para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito
depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido
administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima consignado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001,
ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem
o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao
benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os
requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020;
AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para fixar o termo inicial da concessão do
benefício na data do requerimento administrativo (DER 3/4/2019).
Fica mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro
para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a
data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo
85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou
do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade
alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial, rejeitoa matéria preliminar de suspensão da
tutela antecipada, acolho a preliminar para revogar os benefícios da justiça gratuita concedidos
à parte autorae, no mérito, nego provimento à apelação do INSS e dou provimento à apelação
da parte autora para, nos termos da fundamentação: (i) acolher o pedido principal e determinar
a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral, garantido o
direito a não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso (Lei n. 8.213/1991, art. 29-
C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015); (ii) fixar o termo inicial do benefício na data do
requerimento administrativo (DER 3/4/2019).
Informe-se, via sistema, para fins de readequação da tutela antecipatória de urgência
concedida.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. FATOR 85/95. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO
ESPECIAL. RUÍDO. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS À APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ARTIGO 29-C, DA LEI N. 8.213/1991. TERMO INICIAL.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Afastada a alegação do INSS de descabimento da tutela jurídica deferida. Convencido o
julgador do direito da parte e presentes os requisitos do artigo 497 do CPC, a tutela jurisdicional
pode ser antecipada na própria sentença.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999,
com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995
(Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do
Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882,
de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido
para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260,
sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em nível superior aos limites de
tolerância previstos nas normas regulamentares, situação que viabiliza o enquadramento
deferido.
- Não há que se falar em inviabilidade do reconhecimento da especialidade com fundamento na
utilização de metodologia diversa da determinada pela legislação. Precedentes.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do art. 201, § 7º, da CF/1988).
- O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, garantido o direito a
não incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação
totalizada é superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei n.
8.213/1991, art. 29-C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
- Termo inicial da concessão do benefício mantido na data do requerimento administrativo,
consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (Pet 9.582/RS, Rel. Min.
Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015).
- Condenação do INSS a pagar honorários de advogado majorada para 12% (doze por cento)
sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do
CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da
condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, §
4º, II, do CPC).
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Remessa oficial não conhecida.
- Matéria preliminar de suspensão da tutela antecipada rejeitada.
- Matéria preliminar de revogação dos benefícios de justiça gratuita acolhida.
- Apelação autárquica desprovida.
- Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, rejeitar a matéria preliminar de
suspensão da tutela antecipada, acolher a preliminar para revogar os benefícios da justiça
gratuita concedidos à parte autora, e no mérito, negar provimento à apelação do INSS e dar
provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
