
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5054820-92.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NERI RODRIGUES DE CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: PEDRO LUIZ DA CRUZ PAULO - SP381708-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5054820-92.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NERI RODRIGUES DE CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: PEDRO LUIZ DA CRUZ PAULO - SP381708-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de atividade especial, visando à concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para:
"CONDENAR o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS a reconhecer como especial os períodos de 01/08/1986 a 17/03/1987, 03/09/1987 a 11/11/1987, 01/09/1988 a 15/02/1989, 01/09/1989 a 15/05/1990, 02/01/1991 a 01/06/1996, 13/09/1999 a 26/01/2001, de 02/05/2001 a 31/12/2002 e de 01/08/2003 a 08/01/2018, laborados como motorista de caminhão, ante a submissão do autor a condições insalubres de trabalho e DETERMINAR que o réu faça a conversão desses períodos em especial averbando esse tempo no CNIS do autor, expedindo a competente certidão e, se presentes todos os requisitos necessários, conceda ao autor o beneficio de aposentadoria por tempo de contribuição desde a data do requerimento administrativo. Para correção monetária há de ser observado, antes da entrada em vigor da EC 113/2021, o julgamento do mérito do RE nº 870.947/SE, Tema nº 810 STF, que afastou a aplicação da Lei nº 11.960/09 adotando-se o IPCA-E no lugar da TR. Nesse sentido, importante consignar que, a despeito de o C. STJ, no julgamento do REsp 1.495.146/MG (Tema nº 905) ter determinado a adoção de índice diverso (INPC), em aparente contradição, adotar-se-á o IPCA-E, pelo fato deste ter sido o índice indicado na decisão emanada do órgão máximo do Poder Judiciário, o C. Supremo Tribunal Federal, no referido REnº 870.947/SE, índice esse a ser aplicado a partir de julho de 2009. Sobre as parcelas em atraso após a entrada em vigor da EC 113/2021, em 09/12/2021, haverá, tanto em relação à correção monetária quanto aos juros, a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), acumulado mensalmente desde o vencimento (art. 3º, EC113/2021). Aos juros de mora serão aplicados os índices na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, sendo devidos desde a citação, de forma global para as parcelas anteriores a tal ato processual e de forma decrescente para as parcelas posteriores, e incidindo até a data da conta de liquidação que der origem ao precatório ou à requisição de pequeno valor - RPV (STF - AIAGR 492.779/DF). Insta salientar que, a partir da vigência em 09/12/2021, os valores em atraso e os precatórios deverão ter a atualização monetária e a mora compensada pelo índice da taxa referencial SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia) em razão da alteração trazida pela Emenda Constitucional nº 113/21, que fixou referida taxa para atualização monetária e compensação da mora em condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza. Em razão da sucumbênci, condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do montante do valor do proveito econômico obtido pelo autor até a data da presente sentença (artigo 85, §§2º e 3º, inciso I, do CPCe Súmula 111 do STJ), bem como ao reembolso das despesas processuais necessárias e comprovadas, com correção monetária a partir de desembolso. Por se tratar de sentença ilíquida, impõe-se o reexame necessário (Súmula nº 490 do
Superior Tribunal de Justiça). Decorrido o prazo de recurso voluntário (e seu processamento), remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal 3ª Região para apreciação da fase recursal ...".
Inconformada, a autarquia interpôs apelação. De início, suscitou o reexame necessário. No mérito, sustentou a impossibilidade do enquadramento efetuado, à míngua de comprovação da exposição a agentes nocivos. Por cautela, invoca a prescrição quinquenal e impugna os critérios de incidência dos consectários. Requer, no mais, a necessidade de se firmar autodeclaração de inacumulabilidade de benefícios e isenção das custas.
Prequestionou a matéria para efeitos recursais.
A parte autora interpôs recurso adesivo, em que se insurge sobre os honorários advocatícios arbitrados, pois "são devidos sobre o proveito econômico total obtido, e não apenas até a sentença".
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
Instado a comprovar o recolhimento em dobro do preparo, sob pena de deserção, o recorrente autor quedou-se inerte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5054820-92.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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APELADO: NERI RODRIGUES DE CAMARGO
Advogado do(a) APELADO: PEDRO LUIZ DA CRUZ PAULO - SP381708-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso da autarquia atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Por outro lado, não conheço da apelação da parte autora, por ser deserta, a teor do disposto nos artigos 99, § 5º; 1.007, § 4º e 932, parágrafo único, todos do Código de Processo Civil (CPC).
Igualmente, a remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual Código de Processo Civil, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
No mais, não se cogita de prescrição quinquenal, pois entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da ação não decorreu lapso superior a cinco anos.
Por derradeiro, constata-se que o Juízo a quo, ao prolatar a sentença, incluiu período especial não vindicado na exordial, a qual o delimitou ao requerimento administrativo.
Ao assim atuar, o magistrado incorreu nas vedações expressas dos artigos 141 e 492, do Código de Processo Civil, caracterizando sua decisão como ultra petita, o que impõe sua adequação aos limites da pretensão veiculada.
Passo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Da atividade especial
Consoante assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a caracterização e a comprovação do tempo de atividade exercida sob condições especiais é disciplinada pela lei em vigor à época da prestação laboral.
Ademais, as regras para possível conversão entre tempos de serviço especial e comum é determinada pela legislação vigente na data do preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício, independentemente da época de efetivo exercício da atividade.
Nesse sentido, destaco teses fixadas pelo STJ em precedentes vinculantes:
Tema Repetitivo 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.
Tema Repetitivo 546: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
Efetivamente, até a data da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 remanesceu na legislação previdenciária a possibilidade de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, consoante fatores de conversão indicados no artigo 70 do Decreto n. 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social), com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003.
Entretanto, desde a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019) está vedada a conversão de tempo especial em comum, consoante regra inserta em seu artigo 25, § 2º:
“Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.”
De fato, a vedação refere-se tão-somente à conversão de tempo e não há impedimento ao reconhecimento de atividade exercida sob condições especiais depois da vigência da EC n. 103/2019, sobretudo por remanescer a possibilidade de obtenção de aposentadoria especial nos termos do seu artigo 19, § 1º, I.
Assim, retomando a questão acerca da caracterização e da comprovação da atividade exercida em condições especiais, tem-se a seguinte evolução normativa:
a) para o período até 28/4/1995, quando vigente a Lei n. 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/1991, em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho se houver o enquadramento da categoria profissional nos Decretos n. 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/1979 (Anexo II), ou na legislação especial, ou se demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor, casos em que sempre se exigiu a aferição mediante perícia técnica);
b) para o período de 29/4/1995 (data de extinção do enquadramento por categoria profissional) até 5/3/1997 (quando vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/1995 no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991), faz-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente a apresentação de formulário-padrão preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030), sem a exigência de embasamento em laudo técnico, salvo ruído e calor;
c) desde 6/3/1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios) pela Medida Provisória n. 1.523/1996 (convertida na Lei n. 9.528/1997): passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos pela apresentação de formulário-padrão, fundado em laudo técnico, ou mediante perícia técnica;
d) após 1º/1/2004, conforme estabelecido na Instrução Normativa INSS/DC n. 99/2003, artigo 148, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo artigo 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, passou a ser indispensável para a análise da atividade especial requerida. Esse documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) e, desde que regularmente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais legalmente habilitados (engenheiro ou médico de segurança do trabalho), responsáveis pelos registros ambientais, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo.
A propósito, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se no decorrer do tempo.
Do agente nocivo ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, são consideradas insalubres as atividades que expõem o segurado aos seguintes níveis de pressão sonora, consoante previsão dos decretos regulamentadores:
(i) até 5/3/1997 – ruído superior a 80 decibéis (Anexo do Decreto n. 53.831/1964);
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003 - ruído superior a 90 decibéis (Anexo IV dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999, na redação original);
(iii) desde 19/11/2003 - ruído superior a 85 decibéis (Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999, com a alteração introduzida pelo Decreto n. 4.882/2003).
Quanto a esse aspecto, o STJ, em sede de recurso repetitivo (Tema 694), consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (REsp Repetitivo n. 1.398.260).
No mais, possível utilização de metodologia diversa não desnatura a prejudicialidade do ofício, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Desembargadora Federal Inês Virgínia – 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Desembargador Federal Baptista Pereira – 10ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com amparo na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, fixou as seguintes teses sobre a questão: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Da fonte de custeio
Questões afetas ao recolhimento de contribuições específicas para o custeio da aposentadoria especial, não devem, em tese, influir no reconhecimento da atividade exercida sob condições especiais pelo segurado empregado, à vista dos princípios da solidariedade e da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicáveis neste enfoque.
Pelos mesmos motivos, não cabe cogitar de violação à regra inscrita no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
A propósito, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios criados diretamente pela própria Constituição, como é o caso do benefício em debate, não se submetem ao comando dessa norma, cuja regra dirige-se à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Nesse sentido: ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30.10.1997; RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03.03.1998; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20.11.2007.
Do caso concreto
Examinando os autos, verifica-se que é possível o enquadramento, como especial, dos interstícios de:
(i) 1º/8/1986 a 17/3/1987, 3/9/1987 a 11/11/1987, 1º/9/1988 a 15/2/1989, 1º/9/1989 a 15/5/1990, 2/1/1991 a 28/4/1995 - depreende-se da CTPS carreada a profissão de "motorista de caminhão" do autor no transporte rodoviário de cargas, permitindo o enquadramento pela categoria, até 28/4/1995, no código 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
(ii) 19/11/2003 a 13/12/2016 (DER) - a parte autora logrou demonstrar, via laudo pericial de vistoria realizada "in loco", mas em veículo similar, exposição habitual e permanente à ruídos acima dos limites de tolerância, durante as funções de "motorista de ônibus", situação passível de enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Destaque-se que a perícia por similaridade é aceita pela jurisprudência como meio adequado de fazer prova de condição de trabalho especial na hipótese de a empresa da prestação laboral encontrar-se inativa (REsp 1370229/RS, MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/2/2014; REsp 201700371993, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA: 2/5/2017).
Tratando especificamente do laudo pericial, cumpre salientar que as informações do perito judicial merecem credibilidade, pois gozam de fé pública (presunção de veracidade) e são aceitas como verdadeiras até prova em contrário, o que não ocorreu na hipótese.
No caso, tenho que a perícia certificatória da exposição ao agente agressivo foi realizada de forma escorreita, por perito imparcial da confiança do Juízo e equidistante dos interesses das partes, sendo que sua análise técnica do ambiente laboral do demandante merece fé de ofício.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o uso de EPI não foi realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
No tocante aos intervalos de 13/9/1999 a 26/1/2001, na "PREFEITURA MUNICIPAL DE APIAÍ/SP", e de 2/5/2001 a 31/12/2002 e de 1º/8/2003 a 18/11/2003, na empresa "APIAITUR", não comporta enquadramento diante do labor em ambiente sob ruído abaixo dos limites aceitáveis, contando-se como tempo comum.
Em síntese, prospera em parte o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos interregnos supracitados.
Da aposentadoria especial
A aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei n. 8.213/1991 pressupõe o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 (quinze, vinte ou vinte e cinco) anos, e, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% (cem por cento) do salário de benefício (§ 1º do art. 57).
No caso dos autos, não obstante o enquadramento reclamado, a parte autora não conta os 25 anos de profissão à aposentadoria especial, na DER, tampouco em sua reafirmação, razão pela qual passo a examinar o pedido subsidiário.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e programada
Em conformidade com a data em que são reunidas as condições configuradoras da aquisição do direito à aposentação, poderão incidir as seguintes hipóteses:
(i) aposentadoria por tempo de serviço pelas regras anteriores à Emenda Constitucional (EC) n. 20/1998, proporcional ou integral, para a qual se exige a satisfação da carência (prevista artigo 142 da Lei n. 8.213/1991) e do tempo de serviço mínimo de 25 anos para a mulher ou 30 anos para o homem;
(ii) aposentadoria pelas regras de transição da EC n. 20/1998, proporcional ou integral, na qual, para a inativação proporcional, será preciso a efetivação da carência (artigo 142 da Lei n. 8.213/1991), do tempo de contribuição mínimo de 25 anos (se mulher) ou 30 anos (se homem), da idade mínima de 48 anos ou 53 anos, respectivamente, e do pedágio de 40% do tempo que, em 16/12/1998, faltava ao segurado para atingir aquele mínimo necessário à outorga da inativação (artigo 9º, § 1º, I, "a" e "b", da EC n. 20/1998);
(iii) aposentadoria por tempo de contribuição pelas regras da EC n. 20/1998, com limitação do tempo de contribuição e carência em 13/11/2019 (data da promulgação da EC n. 103/2019), que será devida desde que cumprida a carência mínima (artigo 142 da Lei n. 8.213/1991) e 30 anos de contribuição, se mulher, ou 35 anos de contribuição, no caso do homem;
(iv) aposentadoria por pontos ou fórmula 85/95, modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição sem a incidência do fator previdenciário instituída pela Medida Provisória n. 676/2015, posteriormente convertida na Lei n. 13.183/2015, que acrescentou o artigo 29-C à Lei n. 8.213/1991. Esse dispositivo passou a prever a possibilidade de concessão de aposentadoria sem a incidência do fator previdenciário quando o somatório da idade do segurado(a) com o seu tempo de contribuição atingir, no ano de 2015, o total de 85 pontos (para mulher) e 95 pontos (para homem). Também foi estabelecido o aumento progressivo no número de pontos para ambos os sexos até atingir o limite de 100 pontos para as mulheres e 105 pontos para os homens;
(v) aposentadoria programada ou voluntária pelas regras da EC n. 103/2019, para o(a)s segurado(a)s que se filiarem à Previdência Social a partir de 13/11/2019 (data da promulgação da referida Emenda), cujos requisitos são o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para a mulher ou 20 anos para o homem (artigo 19, EC n. 103/2019), além da idade mínima de 62 anos para a mulher ou 65 anos para o homem (artigo 201, § 7°, I, CF/1988) e 180 meses de carência;
(vi) aposentadoria programada ou voluntária pelas regras de transição da EC n. 103/2019, a qual contempla a situação do(s)a segurado(a)s que já estavam filiados à Previdência Social na data da promulgação do novo regramento (13/11/2019), consoante respectivos artigos 15 a 20.
Quanto ao(a)s segurado(a)s filiado(a)s à Previdência Social até a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019), o artigo 18 da EC n. 103/2019 assegura o direito à aposentadoria, quando preenchidos, cumulativamente: (a) 60 anos de idade, se mulher, ou 65 anos de idade, se homem; (b) 15 anos de contribuição para ambos os sexos; (c) carência de 180 meses.
A partir de 1º/1/2020, a idade de 60 anos para mulher passou a ser acrescida em 6 (seis) meses a cada ano e seguirá até atingir 62 anos de idade (regra permanente) em 2023. A idade mínima, para homem, continua sendo de 65 anos. O tempo mínimo de contribuição também foi mantido em 15 anos para ambos os sexos.
De qualquer modo, a concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013).
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
No que toca ao tempo total de serviço, após o respectivo reconhecimento da atividade especial, verifica-se o seguinte cenário:
Assim, na DER, o segurado possuía direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição (CF/1988, art. 201, § 7º, I, com redação dada pela EC n. 20/1998).
Insta salientar que a comprovação deu-se no curso da demanda. Assim, quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037, II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Destarte, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Tendo em vista as disposições da EC n. 103/2019 sobre acumulação de benefícios em regimes de previdência social diversos (§§ 1º e 2º do art. 24), é necessária a apresentação de declaração, nos moldes do Anexo I da Portaria PRES/INSS n. 450/2020, na fase de cumprimento do julgado.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido desrespeito algum à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial e julgo deserto o recurso adesivo da parte autora, nos termos dos artigos 1007, § 4º, do CPC; reduzo, de ofício, a sentença aos limites do pedido para excluir período especial após 13/12/2016. No mais, rejeito a prejudicial de prescrição e dou parcial provimento ao apelo do INSS para, nos termos da fundamentação: (i) delimitar o enquadramento aos períodos especiais de 1º/8/1986 a 17/3/1987, 3/9/1987 a 11/11/1987, 1º/9/1988 a 15/2/1989, 1º/9/1989 a 15/5/1990, 2/1/1991 a 28/4/1995 e de 19/11/2003 a 13/12/2016; (ii) reconhecer o direito à aposentadoria por tempo de contribuição na DER; (iii) fixar o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) desde a data de citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA ULTRA PETITA. ATIVIDADE ESPECIAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO E DE ÔNIBUS. ENQUADRAMENTO ATÉ 28/4/1995 POR PRESUNÇÃO LEGAL. RUÍDO. LAUDO PERICIAL POR SIMILARIDADE. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO.
- Não se conhece da apelação da parte autora, por ser deserta, a teor do disposto nos artigos 99, § 5º; 1.007, § 4º e 932, parágrafo único, todos do Código de Processo Civil (CPC).
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Não se cogita de prescrição quinquenal, pois entre o requerimento administrativo e o ajuizamento da ação não decorreu lapso superior a cinco anos.
- Constata-se que o Juízo a quo, ao prolatar a sentença, incluiu período especial não vindicado na exordial, a qual o delimitou ao requerimento administrativo. Ao assim atuar, o magistrado incorreu nas vedações expressas dos artigos 141 e 492, do Código de Processo Civil, caracterizando sua decisão como ultra petita, o que impõe sua adequação aos limites da pretensão veiculada.
- Depreende-se da CTPS carreada a profissão de "motorista de caminhão" do autor no transporte rodoviário de cargas, permitindo o enquadramento pela categoria, até 28/4/1995, no código 2.4.4 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964.
- A parte autora logrou demonstrar, via laudo pericial de vistoria realizada "in loco", mas em veículo similar, exposição habitual e permanente à ruídos acima dos limites de tolerância, durante as funções de "motorista de ônibus", situação passível de enquadramento nos códigos 1.1.6 do anexo ao Decreto n. 53.831/1964 e 2.0.1 dos anexos aos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
- A perícia por similaridade é aceita pela jurisprudência como meio adequado de fazer prova de condição de trabalho especial na hipótese de a empresa da prestação laboral encontrar-se inativa. Precedente.
- Os demais períodos não comportam enquadramento diante do labor em ambiente sob ruído abaixo dos limites aceitáveis, contando-se como tempo comum.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remete-se à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
- Remessa oficial não conhecida.
- Recurso adesivo do autor deserto.
- Sentença reduzida aos limites do pedido.
- Matéria preliminar rejeitada.
- Apelação da autarquia parcialmente provida.
