Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5010643-55.2018.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
06/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. ENQUADRAMENTO.
COBRADOR. PERÍODO POSTERIOR A 28/4/1995. NÃO COMPROVADA A PRESENÇA DE
AGENTES NOCIVOS. REQUISITOS PREENCHIDOS. REAFIRMAÇÃO DA DER.
POSSIBILIDADE.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
descaracterizar a nocividade do agente.
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de
tolerância estabelecidos pelos decretos, o que possibilita o enquadramento requerido.
- Perfil Profissiográfio Previdenciário apresentado indica a exposição aos fatores de risco ruído e
calor em níveis inferiores aos limites previstos em lei, situação que impossibilita a contagem
diferenciada pleiteada.
- A parte autora não se desincumbiu dos ônus que lhe cabia quando instruiu a peça inicial (art.
373, I, do CPC), de trazer à colação formulários ou laudos técnicos certificadores das condições
insalutíferas do labor, indicando a exposição com permanência e habitualidade.
- Não comprovada a especialidade do trabalho do demandante como cobrador para período
posterior a 28/4/1995.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988), diante da
possibilidade de reafirmação da data de entrada do requerimento (DER).
- Sobre o tema da reafirmação da DER, o Superior Tribunal de Justiça assentou tese jurídica para
o Tema Repetitivo n. 995, de modo a considerar que "É possível a reafirmação da DER (Data de
Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a
concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a
entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do
CPC/2015, observada a causa de pedir." (REsp 1.727.063/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 2/12/2019).
- Termo inicial da aposentadoria por tempo de contribuição integral fixado na data da reafirmação
da DER, momento em que implementou o requisito temporal necessário à concessão do
benefício previdenciário em debate.
- Condena-se, de forma exclusiva, o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante § 2º do artigo 85 e § único do art. 86 do CPC, orientação desta Turma e redação da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na fase de execução, o percentual
deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200
(duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação da autarquia desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5010643-55.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANTONIO ADAO DE FREITAS
Advogado do(a) APELANTE: JANAINA DA SILVA DE OLIVEIRA - SP388857-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5010643-55.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANTONIO ADAO DE FREITAS
Advogado do(a) APELANTE: JANAINA DA SILVA DE OLIVEIRA - SP388857-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas
à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para: “... (i) reconhecer como tempo de
serviço especial o(s) período(s) de 14/05/1979 a 20/08/1980, 11/11/1980 a 05/12/1981,
01/07/1982 a14/01/1987; (ii) condenar o INSS a averbá-los como tais, mediante a conversão pelo
fator multiplicador 1,4; e (iii) revisar a aposentadoria por tempo de contribuição do autor.”, com
DIB em 1º/9/2015 (DER). Fixou, por fim, a correção monetária, os juros de mora e a sucumbência
recíproca.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual reitera os pedidos de reconhecimento da
especialidade do intervalo de 22/10/2001 a 1º/9/2015, na função de cobrador; e de concessão do
benefício em contenda, mesmo que seja necessário reafirmar a DER para quando implementar
os requisitos necessários à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
Não resignada, a autarquia também apresenta recurso de apelação, no qual alega, em síntese, a
impossibilidade dos enquadramentos efetuados e requer a reforma da decisão a quo, com a
improcedência dos pedidos.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5010643-55.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANTONIO ADAO DE FREITAS
Advogado do(a) APELANTE: JANAINA DA SILVA DE OLIVEIRA - SP388857-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos de apelação atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser
conhecido.
Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na
vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Assim, adstrito ao princípio que norteia o recurso de apelação (tantum devolutum quantum
appellatum), procedo ao julgamento apenas das questões ventiladas nas peças recursais.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt
no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
No caso, em relação aos intervalos enquadrados como especiais, de 14/5/1979 a 20/8/1980, de
11/11/1980 a 5/2/1981 e de 1º/7/1982 a 14/1/1987, a parte autora logrou demonstrar, via Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), exposição habitual e permanente a ruído em níveis
superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares (códigos 1.1.6 do
anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/1979, 2.0.1 dos anexos
dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999), fato que possibilita a contagem diferenciada requerida.
Da análise dos respectivos documentos, constata-se que a parte autora esteve permanentemente
exposta a ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma em comento. Ademais, a
avaliação por dosimetria é obtida através da composição das várias atividades desenvolvidas
pelo trabalhador durante a jornada laboral, de modo que resta demonstrada a habitualidade e
permanência.
Cumpre ressaltar que o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada
para a aferição do ruído. Os registros ambientais constantes do PPP, expedidos por engenheiro
ou médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a fidedignidade
das informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu representante legal.
Nesse sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO - 5000006-
92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em
21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
A parte autora também busca o reconhecimento da natureza especial das atividades
desempenhadas como cobrador no período de 22/10/2001 a 1º/9/2015.
Conforme acima já explanado, o enquadramento por categoria profissional ocorreu somente até a
promulgação da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, sendo necessária, após essa data, a
comprovação da exposição aos agentes agressivos considerados insalubres ou penosos, nos
termos legais, o que não ocorreu na hipótese.
No tocante ao lapso de 22/10/2007 a 1º/9/2015 o Perfil Profissiográfio Previdenciário (PPP)
apresentado indica a exposição aos fatores de risco ruído e calor em níveis inferiores aos limites
previstos em lei, situação que impossibilita o enquadramento pretendido.
Sendo assim, conclui-se que a parte autora não se desincumbiu dos ônus que lhe cabia quando
instruiu a peça inicial (art. 373, I, do CPC), de trazer à colação formulários ou laudos técnicos
certificadores das condições insalutíferas do labor, indicando a exposição com permanência e
habitualidade.
Dessa forma, não comprovada a especialidade do trabalho do demandante como cobrador no
período em comento, é de rigor a manutenção da decisão a quo neste aspecto.
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na
GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à
vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas pelo
segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED.
TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Destarte, os interstícios de 14/5/1979 a 20/8/1980, de 11/11/1980 a 5/12/1981 e de 1º/7/1982 a
14/1/1987 devem ser reconhecidos como especiais, convertidos em comum (fator de conversão
de 1,4) e somados aos lapsos incontroversos, restando mantida a decisão recorrida neste
aspecto.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época da
Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito
de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de
contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens)
e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso vertente, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da
Lei n. 8.213/1991.
Quanto ao tempo de serviço, somados os períodos enquadrados (devidamente convertidos) aos
lapsos incontroversos, constata-se que na data do requerimento administrativo (DER 1º/9/2015),
a parte autora não contava 35 anos de profissão. Não obstante, o requisito restou preenchido
posteriormente, em 19/8/2019, uma vez que o autor continuou trabalhando, conforme consulta
realizada no sistema cadastral do INSS (Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS).
O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com a Lei n. 9.876/1999, garantido o direito a não
incidência do fator previdenciário, caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é
superior a 96 pontos e o tempo mínimo de contribuição foi observado (Lei n. 8.213/1991, art. 29-
C, inc. I, incluído pela Lei n. 13.183/2015).
Em decorrência, conclui-se pelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da
CF/1988), consoante planilha disponível em:
https://planilha.tramitacaointeligente.com.br/planilhas/HA426-AD3TR-RM
Sobre o tema da reafirmação da DER, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça
assentou tese jurídica para o Tema Repetitivo n. 995, de modo a considerar que "É possível a
reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados
os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o
ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos
dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir" (REsp 1.727.063/SP, Rel.
Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe
2/12/2019).
Nessas circunstâncias, o termo inicial da aposentadoria por tempo de contribuição corresponde à
data da reafirmação da DER, ou seja, 19/8/2019, momento em que implementou o requisito
temporal necessário (35 anos de tempo de serviço) à concessão do benefício previdenciário em
debate.
Diante da sucumbência mínima da parte autora, condeno, de forma exclusiva, o INSS a pagar
honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas
até a data da prolação da sentença, consoante § 2º do artigo 85 e § único do art. 86 do CPC,
orientação desta Turma e redação da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do
proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à apelação da
parte autora para, nos termos da fundamentação: determinar a concessão do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição integral desde 19/8/2019, data da reafirmação da DER.
Mantido o enquadramento dos intervalos de 14/5/1979 a 20/8/1980, de 11/11/1980 a 5/12/1981 e
de 1º/7/1982 a 14/1/1987.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. RUÍDO. ENQUADRAMENTO.
COBRADOR. PERÍODO POSTERIOR A 28/4/1995. NÃO COMPROVADA A PRESENÇA DE
AGENTES NOCIVOS. REQUISITOS PREENCHIDOS. REAFIRMAÇÃO DA DER.
POSSIBILIDADE.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de
tolerância estabelecidos pelos decretos, o que possibilita o enquadramento requerido.
- Perfil Profissiográfio Previdenciário apresentado indica a exposição aos fatores de risco ruído e
calor em níveis inferiores aos limites previstos em lei, situação que impossibilita a contagem
diferenciada pleiteada.
- A parte autora não se desincumbiu dos ônus que lhe cabia quando instruiu a peça inicial (art.
373, I, do CPC), de trazer à colação formulários ou laudos técnicos certificadores das condições
insalutíferas do labor, indicando a exposição com permanência e habitualidade.
- Não comprovada a especialidade do trabalho do demandante como cobrador para período
posterior a 28/4/1995.
- Atendidos os requisitos (carência e tempo de serviço) para a concessão da aposentadoria por
tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988), diante da
possibilidade de reafirmação da data de entrada do requerimento (DER).
- Sobre o tema da reafirmação da DER, o Superior Tribunal de Justiça assentou tese jurídica para
o Tema Repetitivo n. 995, de modo a considerar que "É possível a reafirmação da DER (Data de
Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a
concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a
entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do
CPC/2015, observada a causa de pedir." (REsp 1.727.063/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 2/12/2019).
- Termo inicial da aposentadoria por tempo de contribuição integral fixado na data da reafirmação
da DER, momento em que implementou o requisito temporal necessário à concessão do
benefício previdenciário em debate.
- Condena-se, de forma exclusiva, o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10%
(dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante § 2º do artigo 85 e § único do art. 86 do CPC, orientação desta Turma e redação da
Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, na fase de execução, o percentual
deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200
(duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação da autarquia desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação
da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
