
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5058599-55.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO JORGE EUZEBIO
Advogados do(a) APELADO: MILTON BALDAN SANCHES - SP429443-N, PAULO CESAR SANCHES - SP372337-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5058599-55.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO JORGE EUZEBIO
Advogados do(a) APELADO: MILTON BALDAN SANCHES - SP429443-N, PAULO CESAR SANCHES - SP372337-N
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço rural e especial, com vistas à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença extinguiu o feito sem resolução do mérito em relação aos períodos de 1º/3/1983 a 1º/11/1983 e 14/5/1994 a 10/11/1994, nos termos do artigo 485, VI, do CPC, pois já reconhecidos administrativamente. No mérito, julgou parcialmente procedente o pedido para, em síntese, reconhecer o labor rural desempenhado no período de 1º/10/1975 a 28/2/1983, a especialidade da atividade desempenhada nos interstícios de 15/5/1995 a 11/12/1995, 16/5/1996 a 19/12/1996, 9/1/1997 a 5/3/1997 e 19/11/2003 a 31/12/2006, expedindo-se a expedir certidão de contagem de tempo de serviço e, assim, determinar a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/179.595.925-5). Fixados os consectários. Deferida a antecipação dos efeitos da tutela para determinar a implantação imediata desse benefício.
Sentença não submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual suscita, preliminarmente, a incidência do reexame necessário e a ausência de interesse processual em relação ao intervalo reconhecido administrativamente. No mérito, impugna o enquadramento dos períodos especiais de 15/5/1995 a 11/12/1995, 9/1/1997 a 5/3/1997 e 19/11/2003 a 31/12/2006 e requer a improcedência do pedido.
Subsidiariamente, insurge-se contra o termo inicial do benefício e impugna a determinação de expedição de certidão de contagem de tempo de serviço. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Não resignada, a parte autora também interpôs recurso de apelação, no qual aduz, preliminarmente, a possibilidade de opção pelo benefício mais vantajoso, nos termos definidos no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.018 do Superior Tribunal de Justiça, e requer o deferimento da justiça gratuita. No mérito, requer o reconhecimento dos períodos especiais de 16/5/1988 a 4/7/1988, 19/3/1990 a 13/12/1990, 22/1/1991 a 13/11/1991, 23/1/1992 a 24/11/1992, 1º/2/1994 a 10/5/1994 e 3/4/1995 a 13/5/1995. Pugna, ainda, pelo restabelecimento do benefício concedido administrativamente (NB: 42/194.416.496-8).
Com as contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5058599-55.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO JORGE EUZEBIO
Advogados do(a) APELADO: MILTON BALDAN SANCHES - SP429443-N, PAULO CESAR SANCHES - SP372337-N
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Inicialmente, não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Por outro lado, constata-se que houve o reconhecimento administrativo do período rural de 1º/10/1975 a 28/2/1983 e o enquadramento do interstício de 16/5/1996 a 19/12/1996 na concessão do benefício NB: 42/194.416.496-8, requerido em 21/8/2020, após o ajuizamento da ação.
Assim, resta configurada a perda superveniente de objeto quanto ao pedido de reconhecimento desses intervalos, a impor sua extinção sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, VI, do CPC.
Em sede preliminar, a parte autora requer a concessão do benefício da justiça gratuita.
Destaca-se, inicialmente, que o Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 1.072, revogou expressamente os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei n. 1.060/1950, por serem incompatíveis com as disposições trazidas pelos artigos 98 e 99 do diploma processual civil.
Dispõe o artigo 99, § 3º, do CPC:
“O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”
Assim, em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende da simples afirmação de insuficiência de recursos pela parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem “comprovar” a insuficiência de recursos.
Esse é o sentido constitucional da justiça gratuita, que prevalece sobre o teor da legislação ordinária.
A assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública da União (DPU) alcança somente quem percebe renda inferior a R$ 2.000,00 - valor próximo do limite de isenção da incidência de Imposto de Renda (Resolução CSDPU n. 134, editada em 7/12/2016, publicada no DOU de 2/5/2017).
Esse critério, bastante objetivo, poderia ser seguido como regra não absoluta, de modo que quem recebe renda superior àquele valor tenha contra si presunção juris tantum de ausência de hipossuficiência, cabendo ao julgador possibilitar a comprovação de eventual miserabilidade por circunstâncias excepcionais. Alegações de existência de dívidas ou de abatimento de valores da remuneração ou de benefício por empréstimos consignados não constituiriam desculpas legítimas para a obtenção da gratuidade, exceto se motivadas por circunstâncias extraordinárias ou imprevistas devidamente comprovadas. Esse entendimento induziria maior cuidado na propositura de ações temerárias ou aventureiras, semeando a ideia de maior responsabilidade do litigante.
Não se desconhece que há outros critérios, igualmente relevantes, para a apuração da hipossuficiência.
Contudo, adoto como critério legítimo e razoável para a aferição do direito à justiça gratuita o teto fixado para os benefícios previdenciários, atualmente no valor de R$ 7.786,02.
Com essas ponderações, passo à análise do caso concreto.
Segundo dados do Cadastro Nacional do Seguro Social (CNIS), verifica-se que a parte autora encontra-se desempregada e, atualmente, a única fonte de renda é proveniente do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, abaixo, logicamente, do teto acima indicado.
Diante do caráter alimentar do rendimento, destinado à sua subsistência e de sua família, tal valor não deve ser considerado bastante para a exclusão da possibilidade de obtenção da gratuidade.
O benefício da assistência judiciária gratuita deve ser formulado quando da propositura da ação e engloba todos os atos do processo até decisão final do litígio, sendo certo que os beneficiários da justiça, quando vencidos, sujeitam-se aos ônus da sucumbência.
Por outro lado, esse benefício também pode ser requerido em recurso, conforme prevê o artigo 99 do CPC. Contudo, nesse caso, deve compreender os atos do processo a partir de então, nunca os pretéritos.
À propósito, transcrevo o julgado (g. n.):
"BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PROCESSO DE EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO PARA ALCANÇAR O PROCESSO DE CONHECIMENTO. COISA JULGADA. OCORRÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. INCIDÊNCIA.
I - É assente no STJ o entendimento de que, embora o pedido de assistência judiciária gratuita possa ser efetuado a qualquer momento processual, seus efeitos não podem retroagir para atingir questões decididas anteriormente. Precedentes: REsp nº 410.227/PR, Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ de 30/09/2002; REsp nº 478.352/PA, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJ de 10/03/2003; e REsp nº 387428/PA, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 19/12/2002.
II- Quanto à assertiva de que não houve afronta à coisa julgada, valeu-se o Colegiado de origem da apreciação do contexto fáctico-probatório dos autos para entender pela ocorrência da coisa julgada, de maneira que o reexame de tal entendimento é inviável de ser realizado na via estreita do recurso especial segundo o verbete sumular nº 7 deste STJ.
III - Agravo regimental improvido."
(STJ, AGEDAG 900061, Proc. n. 200700848432, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 29/10/2007, p. 189)
Dessa forma, concedo os benefícios da justiça gratuita, sem efeitos retroativos.
A questão referente a opção pelo benefício mais vantajoso confunde-se com o mérito e assim será analisada.
Feitas essas considerações, passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Da atividade especial
Consoante assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a caracterização e a comprovação do tempo de atividade exercida sob condições especiais é disciplinada pela lei em vigor à época da prestação laboral.
Ademais, as regras para possível conversão entre tempos de serviço especial e comum é determinada pela legislação vigente na data do preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício, independentemente da época de efetivo exercício da atividade.
Nesse sentido, destaco teses fixadas pelo STJ em precedentes vinculantes:
Tema Repetitivo 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.
Tema Repetitivo 546: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
Efetivamente, até a data da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 remanesceu na legislação previdenciária a possibilidade de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, consoante fatores de conversão indicados no artigo 70 do Decreto n. 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social), com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003.
Entretanto, desde a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019) está vedada a conversão de tempo especial em comum, consoante regra inserta em seu artigo 25, § 2º:
“Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.”
De fato, a vedação refere-se tão-somente à conversão de tempo e não há impedimento ao reconhecimento de atividade exercida sob condições especiais depois da vigência da EC n. 103/2019, sobretudo por remanescer a possibilidade de obtenção de aposentadoria especial nos termos do seu artigo 19, § 1º, I.
Assim, retomando a questão acerca da caracterização e da comprovação da atividade exercida em condições especiais, tem-se a seguinte evolução normativa:
a) para o período até 28/4/1995, quando vigente a Lei n. 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/1991, em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho se houver o enquadramento da categoria profissional nos Decretos n. 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/1979 (Anexo II), ou na legislação especial, ou se demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor, casos em que sempre se exigiu a aferição mediante perícia técnica);
b) para o período de 29/4/1995 (data de extinção do enquadramento por categoria profissional) até 5/3/1997 (quando vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/1995 no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991), faz-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente a apresentação de formulário-padrão preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030), sem a exigência de embasamento em laudo técnico, salvo ruído e calor;
c) desde 6/3/1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios) pela Medida Provisória n. 1.523/1996 (convertida na Lei n. 9.528/1997): passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos pela apresentação de formulário-padrão, fundado em laudo técnico, ou mediante perícia técnica;
d) após 1º/1/2004, conforme estabelecido na Instrução Normativa INSS/DC n. 99/2003, artigo 148, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo artigo 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, passou a ser indispensável para a análise da atividade especial requerida. Esse documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) e, desde que regularmente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais legalmente habilitados (engenheiro ou médico de segurança do trabalho), responsáveis pelos registros ambientais, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo.
A propósito, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se no decorrer do tempo.
Do agente nocivo ruído
Especificamente quanto ao agente nocivo ruído, são consideradas insalubres as atividades que expõem o segurado aos seguintes níveis de pressão sonora, consoante previsão dos decretos regulamentadores:
(i) até 5/3/1997 – ruído superior a 80 decibéis (Anexo do Decreto n. 53.831/1964);
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003 - ruído superior a 90 decibéis (Anexo IV dos Decretos n. 2.172/1997 e 3.048/1999, na redação original);
(iii) desde 19/11/2003 - ruído superior a 85 decibéis (Anexo IV do Decreto n. 3.048/1999, com a alteração introduzida pelo Decreto n. 4.882/2003).
Quanto a esse aspecto, o STJ, em sede de recurso repetitivo (Tema 694), consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (REsp Repetitivo n. 1.398.260).
No mais, possível utilização de metodologia diversa não desnatura a especialidade do período, uma vez constatada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre e comprovado por meio de PPP ou laudo técnico, consoante jurisprudência desta Corte (Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Desembargadora Federal Inês Virgínia – 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Desembargador Federal Baptista Pereira – 10ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017).
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com amparo na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, fixou as seguintes teses sobre a questão: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Da fonte de custeio
Questões afetas ao recolhimento de contribuições específicas para o custeio da aposentadoria especial, não devem, em tese, influir no reconhecimento da atividade exercida sob condições especiais pelo segurado empregado, à vista dos princípios da solidariedade e da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicáveis neste enfoque.
Pelos mesmos motivos, não cabe cogitar de violação à regra inscrita no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
A propósito, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios criados diretamente pela própria Constituição, como é o caso do benefício em debate, não se submetem ao comando dessa norma, cuja regra dirige-se à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Nesse sentido: ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30.10.1997; RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03.03.1998; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20.11.2007.
Do caso concreto
Examinados os autos, verifica-se que é possível o enquadramento, como especial, dos interstícios de:
(i) 16/5/1988 a 4/7/1988, 19/3/1990 a 13/12/1990, 22/1/1991 a 13/11/1991, 23/1/1992 a 24/11/1992, 1º/2/1994 a 10/5/1994 e 3/4/1995 a 13/5/1995 – laudo técnico pericial indica o exercício das funções de plantio, carpa e colheita de cana-de-açúcar, atividades que comportam o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmando nesta Nona Turma, em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, consoante artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.).
A ocupação desenvolvida nas lavouras de cana-de-açúcar envolve desgaste físico excessivo, com sujeição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, além do contato com a fuligem da cana-de-açúcar, o que demonstra a extrema penosidade da função.
Nesse sentido, são os precedentes desta Nona Turma: TRF3- ApCiv 5555531-16.2019.4.03.9999, Desembargador Federal Gilberto Rodrigues Jordan, Data: 9/8/2019; ApCiv 0000424-68.2015.4.03.6120, Desembargadora Federal Marisa Santos, e-DJF3: 7/8/2019.
(ii) 15/5/1995 a 11/12/1995, 9/1/1997 a 5/3/1997 e 19/11/2003 a 31/12/2006 - Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPPs e laudo técnico pericial, realizado in loco para o último interstício, apontam exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares.
É relevante destacar, ainda, o fato de que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo já é suficiente para a sua caracterização.
Em síntese, prospera o pleito de enquadramento das atividades desempenhadas nos intervalos de 16/5/1988 a 4/7/1988, 19/3/1990 a 13/12/1990, 22/1/1991 a 13/11/1991, 23/1/1992 a 24/11/1992, 1º/2/1994 a 10/5/1994 e 3/4/1995 a 13/5/1995 em acréscimo aos reconhecidos na sentença, mantida nesse aspecto, e aos enquadrados administrativamente (incontroversos).
Quanto a determinação de expedição de certidão de contagem de tempo de serviço, merece guarida a irresignação da autarquia, uma vez que não se pretende a contagem recíproca em regime previdenciário diverso e sim o reconhecimento de períodos vinculados ao Regime Geral de Previdência Social para deferimento de benefício nesse mesmo regime.
Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e programada
Em conformidade com a data em que são reunidas as condições configuradoras da aquisição do direito à aposentação, poderão incidir as seguintes hipóteses:
(i) aposentadoria por tempo de serviço pelas regras anteriores à Emenda Constitucional (EC) n. 20/1998, proporcional ou integral, para a qual se exige a satisfação da carência (prevista artigo 142 da Lei n. 8.213/1991) e do tempo de serviço mínimo de 25 anos para a mulher ou 30 anos para o homem;
(ii) aposentadoria pelas regras de transição da EC n. 20/1998, proporcional ou integral, na qual, para a inativação proporcional, será preciso a efetivação da carência (artigo 142 da Lei n. 8.213/1991), do tempo de contribuição mínimo de 25 anos (se mulher) ou 30 anos (se homem), da idade mínima de 48 anos ou 53 anos, respectivamente, e do pedágio de 40% do tempo que, em 16/12/1998, faltava ao segurado para atingir aquele mínimo necessário à outorga da inativação (artigo 9º, § 1º, I, "a" e "b", da EC n. 20/1998);
(iii) aposentadoria por tempo de contribuição pelas regras da EC n. 20/1998, com limitação do tempo de contribuição e carência em 13/11/2019 (data da promulgação da EC n. 103/2019), que será devida desde que cumprida a carência mínima (artigo 142 da Lei n. 8.213/1991) e 30 anos de contribuição, se mulher, ou 35 anos de contribuição, no caso do homem;
(iv) aposentadoria por pontos ou fórmula 85/95, modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição sem a incidência do fator previdenciário instituída pela Medida Provisória n. 676/2015, posteriormente convertida na Lei n. 13.183/2015, que acrescentou o artigo 29-C à Lei n. 8.213/1991. Esse dispositivo passou a prever a possibilidade de concessão de aposentadoria sem a incidência do fator previdenciário quando o somatório da idade do segurado(a) com o seu tempo de contribuição atingir, no ano de 2015, o total de 85 pontos (para mulher) e 95 pontos (para homem). Também foi estabelecido o aumento progressivo no número de pontos para ambos os sexos até atingir o limite de 100 pontos para as mulheres e 105 pontos para os homens;
(v) aposentadoria programada ou voluntária pelas regras da EC n. 103/2019, para o(a)s segurado(a)s que se filiarem à Previdência Social a partir de 13/11/2019 (data da promulgação da referida Emenda), cujos requisitos são o tempo de contribuição mínimo de 15 anos para a mulher ou 20 anos para o homem (artigo 19, EC n. 103/2019), além da idade mínima de 62 anos para a mulher ou 65 anos para o homem (artigo 201, § 7°, I, CF/1988) e 180 meses de carência;
(vi) aposentadoria programada ou voluntária pelas regras de transição da EC n. 103/2019, a qual contempla a situação do(s)a segurado(a)s que já estavam filiados à Previdência Social na data da promulgação do novo regramento (13/11/2019), consoante respectivos artigos 15 a 20.
Quanto ao(a)s segurado(a)s filiado(a)s à Previdência Social até a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019), o artigo 18 da EC n. 103/2019 assegura o direito à aposentadoria, quando preenchidos, cumulativamente: (a) 60 anos de idade, se mulher, ou 65 anos de idade, se homem; (b) 15 anos de contribuição para ambos os sexos; (c) carência de 180 meses.
A partir de 1º/1/2020, a idade de 60 anos para mulher passou a ser acrescida em 6 (seis) meses a cada ano e seguirá até atingir 62 anos de idade (regra permanente) em 2023. A idade mínima, para homem, continua sendo de 65 anos. O tempo mínimo de contribuição também foi mantido em 15 anos para ambos os sexos.
De qualquer modo, a concessão do benefício previdenciário, independentemente da data do requerimento administrativo e considerado o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época da reunião de todos os requisitos, deve ser regida pela regra da prevalência da condição mais vantajosa ou mais benéfica ao segurado(a), a ser devidamente analisada na fase de cumprimento de sentença.
Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral (RE 630.501/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio, julg. em 21/2/2013, DJe de 23/8/2013, pub. em 26/8/2013).
No caso dos autos, verifica-se que o requisito da carência restou cumprido e, somado o período especial reconhecido nestes autos (devidamente convertido) aos períodos incontroversos, a parte autora possui mais de 35 anos de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo do benefício NB 42/179.595.925-5 (DER - 2/2/2017), tempo suficiente à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral (regra permanente do artigo 201, § 7º, da CF/1988).
Quanto ao termo inicial dos efeitos financeiros da condenação, a questão foi submetida ao rito dos recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para resolução da seguinte controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo n. 1.124 (Recursos Especiais n. 1.905.830/SP, 1.912.784/SP e 1.913.152/SP – data da afetação: 17/12/2021):
“Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária.”
Há determinação de suspensão do trâmite de todos os processos em grau recursal (art. 1.037, II, do CPC).
Não obstante, esta Nona Turma tem entendido não haver óbice ao prosseguimento da marcha processual, por ser possível a identificação da parte incontroversa e da parte controvertida da questão afetada, sendo o alcance dos efeitos financeiros uma das consequências da apreciação de mérito, passível de ser tratada na fase de cumprimento do julgado.
Esse entendimento favorece a execução e a expedição de ofício requisitório ou precatório da parte incontroversa do julgado, nos termos do artigo 535, § 4º, do CPC e do Tema n. 28 da Repercussão Geral (RE n. 1.205.530).
Assim, fixo o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
No tocante aos honorários advocatícios, diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ, remeto à fase de cumprimento do julgado a fixação dessa verba, a qual deverá observar, em qualquer hipótese, o disposto na Súmula n. 111 do STJ.
Observa-se, ainda, o deferimento à parte autora da aposentadoria de NB 42/194.416.496-8, com data de início do benefício (DIB - 21/8/2020) posterior ao ajuizamento desta ação e renda mensal inicial (RMI) superior à do benefício concedido neste feito, implantado como NB 42/210.292.528-0, conforme id 287830893.
Desse modo, em relação à possibilidade de opção pelo benefício mais vantajoso, nos termos definidos no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.018 do STJ, assiste razão à parte autora.
Efetivamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar os Recursos Especiais n. 1.767.789/PR e 1.803.154/RS (Tema 1.018), firmou a seguinte tese:
"O Segurado tem direito de opção pelo benefício mais vantajoso concedido administrativamente, no curso de ação judicial em que se reconheceu benefício menos vantajoso. Em cumprimento de sentença, o segurado possui o direito à manutenção do benefício previdenciário concedido administrativamente no curso da ação judicial e, concomitantemente, à execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa." (REsp n. 1.767.789/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022)
Sem margem a dúvidas, o STJ consolidou orientação pela possibilidade de execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa no curso da ação.
Ademais, em razão da expressa manifestação da parte autora de opção pelo benefício NB 42/194.416.496-8, considerado mais vantajoso, impõe-se a revogação da tutela provisória deferida na sentença e, consequentemente, o restabelecimento dessa aposentadoria.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, acolho parcialmente a matéria preliminar para extinguir o feito sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, VI, do CPC, em relação ao pedido de reconhecimento do labor rural de 1º/10/1975 a 28/2/1983 e especial de 16/5/1996 a 19/12/1996 e conceder à parte autora os benefícios da justiça gratuita, sem efeitos retroativos. No mérito, dou parcial provimento à apelação do INSS e dou provimento ao recurso adesivo da parte autora para, nos termos da fundamentação: (i) reconhecer a atividade especial nos períodos de 16/5/1988 a 4/7/1988, 19/3/1990 a 13/12/1990, 22/1/1991 a 13/11/1991, 23/1/1992 a 24/11/1992, 1º/2/1994 a 10/5/1994 e 3/4/1995 a 13/5/1995; (ii) afastar a determinação de expedição de certidão de tempo de serviço; (iii) fixar os efeitos financeiros da condenação desde a data da citação (parte incontroversa da questão afetada), observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124; (iv) ajustar os honorários sucumbenciais; (v) determinar que seja observado, em fase de cumprimento de sentença, a tese fixada no julgamento do Tema n. 1.018 do STJ; (vi) revogar a tutela provisória deferida na sentença.
Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de cessação da aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/210.292.528-0) e restabelecimento da aposentadoria de NB 42/194.416.496-8, com efeitos financeiros desde a cessação desta.
Do pagamento dos atrasados do benefício restabelecido (NB 42/194.416.496-8) deverá ser compensado o valor já pago a título de tutela provisória (NB 42/210.292.528-0).
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. TRABALHADOR NA LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TERMO INICIAL.
- A sentença proferida no Código de Processo Civil (CPC) vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Configurada a perda superveniente de objeto quanto ao pedido de reconhecimento dos intervalos já computados administrativamente, a impor sua extinção sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 485, VI, do CPC.
- Concedidos os benefícios da justiça gratuita, sem efeitos retroativos.
- Conjunto probatório suficiente para o reconhecimento da especialidade controvertida (atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar, passível de enquadramento pela exposição a agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos, e comprovada exposição habitual e permanente a ruído em nível superior ao limite de tolerância).
- Atendidos os requisitos exigidos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral.
- Termo inicial dos efeitos financeiros da condenação (parte incontroversa da questão afetada) na data da citação, observado, na fase de cumprimento de sentença, o que vier a ser estabelecido pelo STJ no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- Os honorários advocatícios deverão ser fixados na fase de cumprimento do julgado (consoante a Súmula n. 111 do STJ), diante da impossibilidade de ser estabelecida a extensão da sucumbência nesta fase processual, em razão do quanto deliberado nestes autos sobre o termo inicial dos efeitos financeiros da condenação à luz do que vier a ser definido no Tema Repetitivo n. 1.124 do STJ.
- O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.018, deliberou que “o segurado possui o direito à manutenção do benefício previdenciário concedido administrativamente no curso da ação judicial e, concomitantemente, à execução das parcelas do benefício reconhecido na via judicial, limitadas à data de implantação daquele conferido na via administrativa”.
- Em razão da expressa manifestação da parte autora de opção pelo benefício deferido administrativamente, considerado mais vantajoso, impõe-se a revogação da tutela provisória deferida na sentença e, consequentemente, o restabelecimento dessa aposentadoria.
- Acolhida parcialmente a matéria preliminar.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
- Recurso adesivo da parte autora provido.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
