Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000335-83.2017.4.03.6121
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
16/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL.
AGENTES BIOLÓGICOS. NÃO ENQUADRAMENTO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS PARA
A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- Nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil (CPC), é da parte autora o ônus de
comprovar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e
segura, competindo ao juiz decidir a lide conforme seu livre convencimento, fundado em fatos,
provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
Cerceamento de defesa não visualizado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- No caso, não restou demonstrada a exposição a agentes biológicos, situação que não autoriza o
enquadramento da atividade como especial.
- A parte autora não faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por
estarem ausentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, inciso I, da
Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998.
- Rejeitada a matéria preliminar
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000335-83.2017.4.03.6121
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLEONICE NUNES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: JULIA MARIA DE MATTOS GONCALVES DE OLIVEIRA -
SP227474-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000335-83.2017.4.03.6121
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
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Advogado do(a) APELANTE: JULIA MARIA DE MATTOS GONCALVES DE OLIVEIRA -
SP227474-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social -
INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com
vistas à concessão de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença homologou o reconhecimento jurídico do pedido em relação pedido de
enquadramento de 3/8/1994 a 13/10/1996 e, no mais, julgou improcedente o pedido e extinguiu
o processo, com resolução do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil.
Não resignada, a parte autora interpôs apelação, na qual aduz, preliminarmente, a nulidade do
julgado por cerceamento de defesa. No mérito, pugna pela procedência integral dos pedidos
descritos na exordial.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000335-83.2017.4.03.6121
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: CLEONICE NUNES DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: JULIA MARIA DE MATTOS GONCALVES DE OLIVEIRA -
SP227474-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Compulsados os autos, não está configurado o alegado cerceamento de defesa.
Efetivamente, cabe à parte autora, nos termos do artigo 373, I, do Código de Processo Civil -
CPC, os ônus de comprovar a veracidade dos fatos constitutivos do direito invocado, por meio
de prova suficiente e segura.
Nesse passo, a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores das condições
insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e permanência, como formulários
padrão e laudos técnicos individualizados, cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada,
o deferimento de prova pericial para confrontação do material reunido à exordial.
Com efeito, compete ao juiz a condução do processo, cabendo-lhe apreciar a questão de
acordo com o que está sendo debatido. Dessa forma, o juiz não está obrigado a decidir a lide
conforme pleiteado pelas partes, mas, sim, conforme seu livre convencimento, fundado em
fatos, provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao
caso.
Se não houver dúvida fundada sobre as condições em que o segurado desenvolveu suas
atividades laborativas, despicienda revela-se a produção de prova pericial para o julgamento da
causa e, por consequência, não estará configurado cerceamento de defesa ou violação de
ordem constitucional ou legal.
Por fim, cabe salientar que a prova testemunhal não se reveste do caráter técnico necessário
para os enquadramentos requeridos.
Assim, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa arguida pela parte autora.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, em relação ao período controverso de 14/10/1996 a 28/2/1998, no qual a parte
autora desempenho as funções de “auxiliar de fisioterapia”, o PPP coligido aos autos não revela
a exposição a qualquer agente nocivo, não cabendo a presunção pela simples categoria
profissional, por se tratar de lapso posterior a 28/4/1995.
Quanto aos períodos controversos de 1º/3/1998 a 28/2/2001, 1º/3/2001 a 10/5/2004, 11/5/2004
a 28/2/2005, 1º/3/2005 a 6/8/2009, 7/8/2009 a 29/7/2014, 4/3/2013 a 30/11/2013, 1º/12/2013 a
21/3/2014, 1º/8/2014 a 31/8/2018, 1º/9/2015 a 28/3/2017 e 1º/2/2017 a 17/3/2017, nos quais a
parte autora exerceu os cargos de “auxiliar de contabilidade”, “analista de custos”,
“coordenadora administrativa”, “coordenadora financeira” e “gerente financeira e comercial”,
também não prospera o pedido de contagem diferenciada.
Com efeito, a análise detida das atividades descritas nos PPPs e laudos técnicos acostados aos
autos não permite concluir que havia exposição a agentes biológicos. Ao contrário,
profissiografia indica diversas funções, nos setores financeiro e administrativo das
empregadoras, sem evidenciar a exposição a agentes biológicos patogênicos ou outros fatores
de risco, nos moldes dos decretos regulamentares.
No mais, sublinhe-se o fato de que o simples registro, nos dados do Cadastro Nacional de
Informações Sociais (CNIS), de indicador de exposição à agente nocivo passível de
comprovação (IEAN), não autoriza, por si só, o reconhecimento da especialidade da atividade
discutida.
Frise-se, ainda, que o recebimento de adicional de insalubridade ou periculosidade na esfera
trabalhista não permite o enquadramento para fins previdenciários, visto que a legislação
trabalhista e previdenciária traz requisitos distintos para a concessão dessas benesses.
Nessas circunstâncias, a parte autora não conta mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em
atividade especial e, desse modo, não faz jus à concessão do benefício de aposentadoria
especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Em relação ao pedido subsidiário, verifica-se que, somados os lapsos incontroversos
constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS ao tempo rural e especial
reconhecido (devidamente convertido), a parte autora não conta 30 anos na data do
requerimento administrativo (DER), de modo que não estão presentes todos os requisitos para
a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
Não obstante, ainda que admitida a reafirmação da DER, conforme tese firmada no Tema
Repetitivo n. 995, do STJ (REsp n. 1.727.063/SP, 1.727.064/SP e 1.727.069/SP), não é o caso
de deferimento do benefício postulado, porquanto não preenchido o requisito temporal.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade
alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito,nego provimento à apelação da
parte autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE
ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. NÃO ENQUADRAMENTO. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO.
- Nos termos do art. 373, I, do Código de Processo Civil (CPC), é da parte autora o ônus de
comprovar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova suficiente e
segura, competindo ao juiz decidir a lide conforme seu livre convencimento, fundado em fatos,
provas, jurisprudência, aspectos ligados ao tema e legislação que entender aplicável ao caso.
Cerceamento de defesa não visualizado.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- No caso, não restou demonstrada a exposição a agentes biológicos, situação que não autoriza
o enquadramento da atividade como especial.
- A parte autora não faz jus à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por
estarem ausentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, inciso I, da
Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998.
- Rejeitada a matéria preliminar
- Apelação da parte autora desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito,negar provimento à apelação da
parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
