Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5019145-80.2018.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
04/12/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 09/12/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL.
AGENTES NOCIVOS. ENQUADRAMENTO DELIMITADO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS
PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Delimitado o enquadramento ao período em que demonstrada, via Perfil Profissiográfico
Previdenciário – PPP, a exposição habitual e permanente ao agente nocivo ruído em nível
superior ao limite de tolerância.
- No mais, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
peça inicial (art. 373, I, do CPC), qual seja: carrear prova documental descritiva das condições
insalubres às quais permaneceu exposta, com permanência e habitualidade, no ambiente laboral,
como formulários padrão e laudo técnico individualizado ou Perfil Profissiográfico Previdenciário -
PPP.
- Não preenchidos os requisitos à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por
estarem ausentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, inciso I, da
Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998.
- Apelações do INSS e da parte autora parcialmente providas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5019145-80.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA DO SOCORRO FERREIRA LINHARES, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: HERMES ROSA DE LIMA - SP371945-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO SOCORRO
FERREIRA LINHARES
Advogado do(a) APELADO: HERMES ROSA DE LIMA - SP371945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5019145-80.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA DO SOCORRO FERREIRA LINHARES, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: HERMES ROSA DE LIMA - SP371945-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO SOCORRO
FERREIRA LINHARES
Advogado do(a) APELADO: HERMES ROSA DE LIMA - SP371945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS,
na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade especial, com vistas à concessão de
aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade da
atividade desempenhada nos períodos de 19/03/2003 a 22/02/2008 e determinar a respectiva
averbação.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual impugna o enquadramento efetuado e
requer a improcedência dos pedidos.
Não resignada, a parte autora também interpôs recurso de apelação, no qual requer o
reconhecimento da especialidade de todo os períodos descritos na exordial e,
consequentemente, a concessão benefício postulado, com a reafirmação da DER, se necessária.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5019145-80.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA DO SOCORRO FERREIRA LINHARES, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: HERMES ROSA DE LIMA - SP371945-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA DO SOCORRO
FERREIRA LINHARES
Advogado do(a) APELADO: HERMES ROSA DE LIMA - SP371945-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Neste caso, quanto aos períodos de 11/08/1986 a 31/03/1987, 01/04/1987 a 31/12/1990,
01/01/1991 a 05/03/1997 e 19/11/2003 a 22/02/2008, consta do PPP que a parte autora exercia
suas atividades com exposição habitual e permanente ao agente nocivo “ruído” em nível superior
aos limites previstos nas normas em comento.
Ademais, o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia utilizada para a
aferição do ruído. Os registros ambientais constantes do formulário, expedido por engenheiro ou
médico do trabalho, indicam a metodologia usada para medição, sendo que a fidedignidade das
informações está sob a responsabilidade do empregador ou de seu representante legal. Nesse
sentido, já decidiu a Colenda 3ª Seção deste Tribunal: Ap - APELAÇÃO - 5000006-
92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em
21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Por outro lado, no tocante ao interstício de 06/03/1997 a 18/11/2003, o PPP indica a exposição ao
agente nocivo “ruído” em nível inferior ao limite de tolerância vigente, o que não autoriza o
enquadramento pretendido.
Cabe destacar que a indicação genérica de agente químico “manuseio”, sem qualquer
especificação, não autoriza o enquadramento pretendido, sobretudo quando considerada a
descrição das atividades no referido formulário (Campo 14.2, Id. 143784182).
Ademais, não foram juntados outros documentos aptos a demonstrar a especialidade
asseverada, tampouco ficou demonstrada a resistência das empregadoras no seu fornecimento.
Assim, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a peça
inicial (art. 373, I, do CPC), qual seja: carrear prova documental descritiva das condições
insalubres às quais permaneceu exposta, com permanência e habitualidade, no ambiente laboral,
como formulários padrão e laudo técnico individualizado ou PPP.
Desse modo, não resta evidenciada a insalubridade asseverada durante esse período, que,
portanto, deve ser considerado como tempo comum.
Em síntese, apenas os interregnos de 11/08/1986 a 31/03/1987, 01/04/1987 a 31/12/1990,
01/01/1991 a 05/03/1997 e 19/11/2003 a 22/02/2008 devem ser enquadrados como especiais,
convertidos em comum (fator de conversão de 1,2) e somados aos demais lapsos incontroversos.
Nessas circunstâncias, a parte autora não tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição,
pois, não obstante o reconhecimento de parte dos períodos controversos, não se faz presente o
requisito temporal na data da EC n. 20/1998, consoante o artigo 52 da Lei n. 8.213/1991, e nem
na data do requerimento administrativo (DER), nos termos do artigo 201, § 7º, inciso I, da
Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 20/1998.
Não obstante, ainda que admitida a reafirmação da DER, conforme tese firmada no Tema
Repetitivo n. 995, do STJ (REsp n. 1.727.063/SP, 1.727.064/SP e 1.727.069/SP), não é o caso de
deferimento do benefício postulado, porquanto não preenchido o requisito temporal.
Com efeito, em consulta ao CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais), inexistem vínculos
ou recolhimentos de contribuições posteriores ao requerimento administrativo de 28/05/2013, de
modo que não há tempo de contribuição a ser acrescido em reafirmação da DER.
Diante do exposto, dou parcial provimento às apelações do INSS e da parte autora somente para,
nos termos da fundamentação, delimitar o reconhecimento do labor especial aos interstícios de
11/08/1986 a 31/03/1987, 01/04/1987 a 31/12/1990, 01/01/1991 a 05/03/1997 e 19/11/2003 a
22/02/2008.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL.
AGENTES NOCIVOS. ENQUADRAMENTO DELIMITADO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS
PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Delimitado o enquadramento ao período em que demonstrada, via Perfil Profissiográfico
Previdenciário – PPP, a exposição habitual e permanente ao agente nocivo ruído em nível
superior ao limite de tolerância.
- No mais, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca quando instruiu a
peça inicial (art. 373, I, do CPC), qual seja: carrear prova documental descritiva das condições
insalubres às quais permaneceu exposta, com permanência e habitualidade, no ambiente laboral,
como formulários padrão e laudo técnico individualizado ou Perfil Profissiográfico Previdenciário -
PPP.
- Não preenchidos os requisitos à concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, por
estarem ausentes os requisitos dos artigos 52 da Lei n. 8.213/1991 e 201, § 7º, inciso I, da
Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998.
- Apelações do INSS e da parte autora parcialmente providas. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento às apelações do INSS e da parte autora, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
