Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5132336-96.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE ESPECIAL.
TRABALHADOR AGROPECUÁRIO. RUÍDO. MOTORISTA DE ÔNIBUS. ENQUADRAMENTO.
REQUISITOS PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO.
- A sentença proferida no Código de Processo Civil (CPC) vigente cuja condenação ou proveito
econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Extinção sem julgamento de mérito em relação aos intervalos enquadrados administrativamente,
em virtude da ausência de interesse processual.
- A sentença está devidamente fundamentada, com análise de todos os pontos debatidos nos
autos, sendo descabida a preliminar de nulidade com base no mero inconformismo da autarquia.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Constatadas anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do exercício de
atividades em estabelecimentos agropecuários, enquadrando-se nos exatos termos do código
2.2.1 do anexo do Decreto n. 53.831/1964. Precedentes do STJ.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Ainda, quanto aos intervalos em relação aos quais a parte autora requereu o reconhecimento da
especialidade até 28/4/1995, depreende-se, da documentação juntada aos autos, o exercício da
função de motorista de ônibus e transporte rodoviário, fato que permite o reconhecimento de sua
natureza especial apenas pelo enquadramento profissional, nos termos dos códigos 2.4.4 do
anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em nível superior ao limite de tolerância
previstos nas normas regulamentares.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Preenchido o requisito da carência, em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
Somados os períodos ora reconhecidos aos demais interstícios apurados administrativamente,
viável a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto
preenchido o requisito temporal.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento)
ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da
caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final
de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, fixados em 10% (dez por
cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º do
artigo 85 e § único do art. 86 do CPC, orientação desta Turma e nova redação da Súmula n. 111
do Superior Tribunal de Justiça. Considerado o parcial provimento ao recurso interposto pela
autarquia, não incide, neste caso, a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, que determina a
majoração dos honorários de advogado em instância recursal. Todavia, na fase de execução, o
percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar
200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Remessa oficial não conhecida.
- Acolhida em parte a matéria preliminar.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5132336-96.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE BALTAZAR MARTINS
Advogados do(a) APELADO: ANDERSON RODRIGO DE ARAUJO - SP394701-N, MARIO
JESUS DE ARAUJO - SP243986-N, LORIMAR FREIRIA - SP201428-N, ALEXANDRE CESAR
JORDAO - SP185706-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5132336-96.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE BALTAZAR MARTINS
Advogados do(a) APELADO: ANDERSON RODRIGO DE ARAUJO - SP394701-N, MARIO
JESUS DE ARAUJO - SP243986-N, LORIMAR FREIRIA - SP201428-N, ALEXANDRE CESAR
JORDAO - SP185706-N
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social -
INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença julgou procedente o pedido para reconhecer a atividade especial nos interstícios de
01/07/1974 a 30/09/1976, 11/10/1978 a 28/08/1980, 02/02/1981 a 05/03/1982, 06/03/1982 a
03/06/1982, 01/08/1982 a 06/09/1982, 01/06/1983 a 24/02/1984, 01/03/1984 a 24/09/1984,
01/06/1985 a 21/02/1986, 01/03/1986 a 31/05/1986, 01/06/1986 a 15/04/1987, 15/04/1987 a
18/05/1987, 01/12/1987 a 29/11/1988, 01/08/1989 a 15/12/1989, 02/01/1990 a 30/06/1990,
01/08/1990 a 24/01/1993, 15/04/1993 a 23/09/1994, 01/06/1995 a 01/08/1996 e 12/01/2009 a
20/01/2009, bem como determinar a averbação respectiva e a concessão do benefício
previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento
administrativo (DER). Fixados os consectários. Decisão submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual aduz, preliminarmente, a
ausência de interesse quanto ao pedido de reconhecimento dos intervalos já enquadrados
administrativamente e a ausência de fundamentação do julgado. No mérito, impugna os
enquadramentos efetuados e requer a improcedência do pedido. Subsidiariamente, insurge-se
contra o termo inicial do benefício e os critérios de incidência dos consectários. Prequestiona a
matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5132336-96.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE BALTAZAR MARTINS
Advogados do(a) APELADO: ANDERSON RODRIGO DE ARAUJO - SP394701-N, MARIO
JESUS DE ARAUJO - SP243986-N, LORIMAR FREIRIA - SP201428-N, ALEXANDRE CESAR
JORDAO - SP185706-N
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
A remessa oficial não deve ser conhecida, por ter sido proferida a sentença na vigência do atual
Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de
jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários
mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática
prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Inicialmente, assiste razão ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS quanto ao pedido de
extinção sem julgamento de mérito em relação aos intervalos enquadrados
administrativamente.
De fato, verifica-se que os períodos de 01/12/1987 a 29/11/1988, 02/01/1990 a 30/06/1990,
01/08/1990 a 24/01/1993 e 15/04/1993 a 23/09/1994 já foram reconhecidos como especiais e
computados pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS no processo administrativo do
benefício NB 46/192.573.002-3 (Id. 165405100), o que configura a ausência de interesse
processual.
No mais, observo que a sentença está devidamente fundamentada, com análise de todos os
pontos debatidos nos autos, sendo descabida a preliminar de nulidade com base no mero
inconformismo da autarquia.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, no tocante aos intervalos controversos de 01/07/1974 a 30/09/1976, 11/10/1978 a
28/08/1980, 01/06/1986 a 15/04/1987 e 15/04/1987 a 18/05/1987, a especialidade restou
demonstrada, via CTPS e laudo técnico, que indicam o exercício de atividades em
estabelecimentos agropecuários, enquadrando-se nos exatos termos do código 2.2.1 do anexo
do Decreto n. 53.831/1964.
Nesse sentido: STJ, AINTARESP – Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial - 860631
2016.00.32469-5, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 16/6/2016; RESP – Recurso Especial - 1309245 2012.00.30818-2, Rel. Ministro SÉRGIO
KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJE 22/10/2015.
Em relação aos períodos controversos de 02/02/1981 a 05/03/1982, 06/03/1982 a 03/06/1982,
01/08/1982 a 06/09/1982, 01/06/1983 a 24/02/1984, 01/03/1984 a 24/09/1984, 01/06/1985 a
21/02/1986 e 01/03/1986 a 31/05/1986, depreende-se dos registros em CTPS e descrição das
atividades no laudo técnico o exercício das atividades de motorista de ônibus e transporte
rodoviário, fato que permite o reconhecimento de sua natureza especial, apenas pelo
enquadramento profissional, nos termos dos códigos 2.4.4 do anexo do Decreto n. 53.831/1964
e 2.4.2 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
Quanto aos intervalos controversos 01/08/1989 a 15/12/1989, 01/06/1995 a 01/08/1996 e
12/01/2009 a 20/01/2009, a sentença não merece reparos, pois consta do laudo técnico que a
parte autora exercia suas atividades com exposição habitual e permanente ao agente nocivo
“ruído” em níveis superiores aos limites previstos nas normas em comento.
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade do agente.
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na
GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à
vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste
enforque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista
caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas
pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES.
FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos interregnos de 01/07/1974 a 30/09/1976, 11/10/1978 a 28/08/1980, 02/02/1981 a
05/03/1982, 06/03/1982 a 03/06/1982, 01/08/1982 a 06/09/1982, 01/06/1983 a 24/02/1984,
01/03/1984 a 24/09/1984, 01/06/1985 a 21/02/1986, 01/03/1986 a 31/05/1986, 01/06/1986 a
15/04/1987, 15/04/1987 a 18/05/1987, 01/08/1989 a 15/12/1989, 01/06/1995 a 01/08/1996 e
12/01/2009 a 20/01/2009, a serem acrescidos aos interstícios enquadrados
administrativamente.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso dos autos, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142
da Lei n. 8.213/1991.
Ademais, somados os períodos especiais ora reconhecidos (devidamente convertidos) aos
demais interstícios já averbados na via administrativa, a parte autora conta mais de 35 anos de
serviço na data do requerimento administrativo (DER – 09/01/2019).
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral deferida.
Do termo inicial
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio
de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do
termo inicial dos efeitos financeiros na data da citação, momento em que a autarquia teve
ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em
substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade
primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar
podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera
judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são
inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo
inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura
situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao
apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade
de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que
o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de
requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em
guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário
não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário,
devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim,
para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito
depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido
administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima consignado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001,
ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem
o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao
benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os
requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020;
AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para manter o termo inicial da concessão do
benefício na data do requerimento administrativo (DER – 09/01/2019).
Saliente-se, no tocante ao recebimento do benefício de aposentadoria por invalidez (NB
32/632.263.095-8, DER: 15/07/2020), que possíveis valores não cumulativos recebidos na
esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Não prospera o pedido para que seja observada a prescrição quinquenal das parcelas e/ou
diferenças vencidas, uma vez que entre a data de entrada no requerimento, fixada como termo
inicial do benefício, e a propositura da ação (08/08/2019) não decorreu lapso superior a 5
(cinco) anos.
Dos consectários
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os
cálculos na Justiça Federal.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação (Repercussão Geral no RE
n. 870.947).
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009,
a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Fica mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, fixados em 10% (dez por
cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º
do artigo 85 e § único do art. 86 do CPC, orientação desta Turma e nova redação da Súmula n.
111 do Superior Tribunal de Justiça. Considerado o parcial provimento ao recurso interposto
pela autarquia, não incide, neste caso, a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, que determina
a majoração dos honorários de advogado em instância recursal.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou
do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996,
bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a
exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por
força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade
alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, não conheço da remessa oficial, acolho em parte as preliminares suscitadas
pela autarquia, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485,
VI, § 3º, do CPC, com relação ao pedido de reconhecimento dos interstícios de 01/12/1987 a
29/11/1988, 02/01/1990 a 30/06/1990, 01/08/1990 a 24/01/1993 e 15/04/1993 a 23/09/1994 e,
no mérito, douparcial provimento à apelação do INSS para, nos termos da fundamentação: (i)
delimitar o enquadramento da especialidade aos interregnos de 01/07/1974 a 30/09/1976,
11/10/1978 a 28/08/1980, 02/02/1981 a 05/03/1982, 06/03/1982 a 03/06/1982, 01/08/1982 a
06/09/1982, 01/06/1983 a 24/02/1984, 01/03/1984 a 24/09/1984, 01/06/1985 a 21/02/1986,
01/03/1986 a 31/05/1986, 01/06/1986 a 15/04/1987, 15/04/1987 a 18/05/1987, 01/08/1989 a
15/12/1989, 01/06/1995 a 01/08/1996 e 12/01/2009 a 20/01/2009, e (ii) ajustar os consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE
ESPECIAL. TRABALHADOR AGROPECUÁRIO. RUÍDO. MOTORISTA DE ÔNIBUS.
ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- A sentença proferida no Código de Processo Civil (CPC) vigente cuja condenação ou proveito
econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de
jurisdição.
- Extinção sem julgamento de mérito em relação aos intervalos enquadrados
administrativamente, em virtude da ausência de interesse processual.
- A sentença está devidamente fundamentada, com análise de todos os pontos debatidos nos
autos, sendo descabida a preliminar de nulidade com base no mero inconformismo da
autarquia.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Constatadas anotações em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) do exercício de
atividades em estabelecimentos agropecuários, enquadrando-se nos exatos termos do código
2.2.1 do anexo do Decreto n. 53.831/1964. Precedentes do STJ.
- Ainda, quanto aos intervalos em relação aos quais a parte autora requereu o reconhecimento
da especialidade até 28/4/1995, depreende-se, da documentação juntada aos autos, o exercício
da função de motorista de ônibus e transporte rodoviário, fato que permite o reconhecimento de
sua natureza especial apenas pelo enquadramento profissional, nos termos dos códigos 2.4.4
do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 2.4.2 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
- Comprovada a exposição habitual e permanente a ruído em nível superior ao limite de
tolerância previstos nas normas regulamentares.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI
não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Preenchido o requisito da carência, em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
Somados os períodos ora reconhecidos aos demais interstícios apurados administrativamente,
viável a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto
preenchido o requisito temporal.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, afastada a incidência da Taxa Referencial – TR (Repercussão Geral no RE n.
870.947).
- Os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês,
até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por
cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração
da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo
final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, fixados em 10% (dez por
cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante § 2º
do artigo 85 e § único do art. 86 do CPC, orientação desta Turma e nova redação da Súmula n.
111 do Superior Tribunal de Justiça. Considerado o parcial provimento ao recurso interposto
pela autarquia, não incide, neste caso, a regra do artigo 85, §§ 1º e 11, do CPC, que determina
a majoração dos honorários de advogado em instância recursal. Todavia, na fase de execução,
o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico
ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais no Estado de São Paulo.
Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em
restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Remessa oficial não conhecida.
- Acolhida em parte a matéria preliminar.
- Apelação do INSS parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu não conhecer da remessa oficial, acolher em parte as preliminares
suscitadas pela autarquia, para extinguir o processo, sem resolução de mérito, nos termos do
artigo 485, VI, § 3º, do CPC, com relação ao pedido de reconhecimento dos interstícios
incontroversos e, no mérito, dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
