Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5868108-50.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
06/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/03/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE RURAL.
TEMPO DE SERVIÇO COMUM. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- O mourejo rural desenvolvido sem registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social -
CTPS, depois da entrada em vigor da Lei n. 8.213/1991 (31/10/1991), tem sua aplicação restrita
aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos dessa mesma norma, que não
contempla a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por
tempo de serviço/contribuição.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar em parte o labor rural alegado,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- As anotações lançadas em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS gozam de
presunção legal de veracidade "juris tantum", recaindo sobre o réu os ônus de comprovar a
falsidade de suas anotações.
- Determinada a averbação dos períodos registrados em CTPS.
- Somados os lapsos incontroversos ao labor rural ora reconhecido, a parte autora não conta mais
de 35 anos na data do requerimento administrativo, de modo que não estão presentes todos os
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5868108-50.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: VALTER DONIZETTI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: DUIDSON ITAVAR DE OLIVEIRA - SP412462-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5868108-50.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: VALTER DONIZETTI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: DUIDSON ITAVAR DE OLIVEIRA - SP412462-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: trata-se de ação de conhecimento
proposta contra o INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade rural e a
averbação de tempo comum, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição.
A sentença julgou improcedente o pedido.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual requer o reconhecimento da atividade
rural nos períodos descritos na petição inicial, bem como a averbação dos interstícios anotados
em carteira de trabalho, com a consequente concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5868108-50.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: VALTER DONIZETTI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: DUIDSON ITAVAR DE OLIVEIRA - SP412462-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: o recurso atende aos pressupostos de
admissibilidade e merece ser conhecido.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55, e respectivos parágrafos, da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Também dispõe o artigo 106 da mesma Lei:
"Art. 106. Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir 16 de abril
de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art.
12 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16
de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente
através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C, do CPC/1973, o Superior Tribunal de Justiça, examinando
a matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
No caso, a parte autora busca o reconhecimento do labor rural desempenhado sem registro em
Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, especificamente nos períodos de 21/11/1978
a 25/05/1979, 21/06/1980 a 23/06/1980, 11/02/1981 a 19/03/1981, 24/03/1983 a 13/05/1983,
20/11/1983 a 08/04/1984, 20/07/1984 a 13/10/1985, 13/08/1989 a 28/02/1991, 31/07/1992 a
23/08/1992, 01/06/1995 a 30/06/1995, 10/02/1997 a 30/09/1997, 21/11/1997 a 01/01/1998,
31/07/2002 a 31/03/2003, 14/10/2003 a 01/01/2006, 09/02/2012 a 28/02/2013, 19/03/2015 a
31/03/2015.
Nesse contexto, embora o primeiro vínculo em CTPS tenha se desenvolvido em meio rural, a
prova testemunhal produzida, vaga e imprecisa, não se mostra apta à comprovação do alegado
trabalho em todos os períodos indicados.
Com efeito, os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório não forneceram elementos
seguros para afirmar o trabalho rurícola sem registro entre 1977 e 1990, considerando que a
testemunha que se reporta ao tempo mais remoto, Sr. Vitor Aparecido, refere que a parte autora
trabalhou na lavoura de 1973 a 1977 e indica que não acompanhou mais sua vida profissional
após este período.
A testemunha Sr. João Batista da Silva, por sua vez, afirma que conhece a parte autora desde
1990 e confirma o labor rural ininterrupto a partir de então.
Cumpre salientar que o possível mourejo rural desenvolvido sem registro em CTPS, ou na
qualidade de produtor rural em regime de economia familiar, depois da entrada em vigor da
legislação previdenciária em comento (31/10/1991), tem sua aplicação restrita aos casos
previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos da Lei n. 8.213/1991, que não contempla
a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por tempo de
serviço/contribuição.
Nesse sentido: STJ, EDcl nos EDcl; REsp n. 208.131/RS; 6ª Turma; Relatora Ministra Maria
Thereza De Assis Moura; Julgado em 22/11/2007; DJ 17.12.2007, p. 350.
Também, a Súmula n. 272 daquele Colendo Tribunal:
"O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a
produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher
contribuições facultativas."
No mesmo sentido, os demais julgados desta Corte: AC n. 2005.03.99.035804-1/SP, Rel. Des.
Federal Marisa Santos, 9ª Turma, DJF3 8/10/2010 e ED na AC 2004.03.99.001762-2/SP, Rel.
Des. Federal Nelson Bernardes, 9ª Turma, DJF3 29/7/2010.
Deste modo, joeirado o conjunto probatório, entendo demonstrado o trabalho rural apenas no
intervalo de 01/01/1990 a 28/02/1991, independentemente do recolhimento de contribuições,
exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos
da Lei n. 8.213/1991).
Do tempo de serviço comum
As anotações lançadas em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS gozam de
presunção legal de veracidade "juris tantum", recaindo sobre o réu os ônus de comprovar a
falsidade de suas anotações (Enunciado n. 12 do E. Tribunal Superior do Trabalho).
Acrescento que, em se tratando de relação empregatícia, é inexigível a comprovação do
recolhimento das contribuições previdenciárias pelo trabalhador, pois o encargo desse
recolhimento incumbe ao empregador de forma compulsória, sob fiscalização do órgão
previdenciário.
Nesse sentido: TRF/3ª Região; 9ªT; AC 950431, Relator Desembargador Federal Nelson
Bernardes, DJU em 17/05/07, p. 578.
Ademais, o fato de o interstício não constar do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS
não obsta o respectivo computo para fins previdenciários.
No caso, quanto ao reconhecimento da atividade comum desempenhada nos interstícios de
10/02/1978 a 20/11/1978, 26/05/1979 a 20/06/1980, 24/06/1980 a 10/02/1981, 20/03/1981 a
23/03/1983, a sentença merece reparos, pois tais períodos decorrem de anotações na CTPS da
parte autora.
Ressalte-se que a data da emissão da CTPS é anterior às anotações dos vínculos, além dos
registros seguirem uma ordem cronológica.
Entendo, portanto, que caberia ao INSS comprovar a irregularidade das anotações da CTPS do
autor, ônus do qual não de desincumbiu nestes autos.
Nessa esteira, concluo que, em relação aos lapsos pretendidos, registrados em carteira de
trabalho, não há indicação de fraude.
Por conseguinte, deve reconhecido e averbado o labor comum desenvolvido nos interregnos de
10/02/1978 a 20/11/1978, 26/05/1979 a 20/06/1980, 24/06/1980 a 10/02/1981, 20/03/1981 a
23/03/1983.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época da
Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito
de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de
contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens)
e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso vertente, porém, somados os lapsos incontroversos aos períodos rural e comum
reconhecidos, a parte autora não conta 35 anos na data do requerimento administrativo, de modo
que não estão presentes todos os requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de
contribuição.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da parte autora para, nos termos da
fundamentação, reconhecer e determinar a averbação: (i) do trabalho rural no intervalo de
01/01/1990 a 28/02/1991, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins
de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n.
8.213/1991), e (ii) dos vínculos anotados em CTPS de 10/02/1978 a 20/11/1978, 26/05/1979 a
20/06/1980, 24/06/1980 a 10/02/1981, 20/03/1981 a 23/03/1983.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ATIVIDADE RURAL.
TEMPO DE SERVIÇO COMUM. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
- A questão relativa à comprovação de atividade rural encontra-se pacificada no Superior Tribunal
de Justiça, que exige início de prova material e afasta por completo a prova exclusivamente
testemunhal (Súmula n. 149 do STJ).
- O mourejo rural desenvolvido sem registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social -
CTPS, depois da entrada em vigor da Lei n. 8.213/1991 (31/10/1991), tem sua aplicação restrita
aos casos previstos no inciso I do artigo 39 e no artigo 143, ambos dessa mesma norma, que não
contempla a averbação de tempo de serviço rural com o fito de obtenção de aposentadoria por
tempo de serviço/contribuição.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar em parte o labor rural alegado,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- As anotações lançadas em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS gozam de
presunção legal de veracidade "juris tantum", recaindo sobre o réu os ônus de comprovar a
falsidade de suas anotações.
- Determinada a averbação dos períodos registrados em CTPS.
- Somados os lapsos incontroversos ao labor rural ora reconhecido, a parte autora não conta mais
de 35 anos na data do requerimento administrativo, de modo que não estão presentes todos os
requisitos para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
