Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003318-87.2020.4.03.6141
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. TEMPO DE SERVIÇO
COMUM. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS
PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO.
- As anotações lançadas em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS gozam de
presunção legal de veracidade "juris tantum", recaindo sobre o réu os ônus de comprovar a
falsidade de suas anotações. Mantida aaverbação dos períodos registrados em CTPS.
- É inviável o cômputo do período de recolhimento na categoria de contribuinte individual pela
alíquota reduzida de 11%, tendo em vista a impossibilidade de serem aproveitados para fins de
concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPPs indicam a exposição habitual e permanente a
agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos e outros tóxicos orgânicos, situação que autoriza o
enquadramento.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
quantitativa e sim qualitativa. Precedentes.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não
é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Os períodos em carteira de trabalho são suficientes para o preenchimento do requisito da
carência, em conformidade com o artigo 142, da Lei n. 8.213/1991.
- Somado o período ora reconhecido aos demais interstícios apurados administrativamente, viável
a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto preenchido o
requisito temporal.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se
para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data
da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§
1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o
valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.
85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003318-87.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA HELENA FERREIRA AMORIN, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE BEGA DE PAIVA - SP335568-A, ANA CRISTINA DE
ALMEIDA - SP343216-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA HELENA
FERREIRA AMORIN
Advogados do(a) APELADO: ANA CRISTINA DE ALMEIDA - SP343216-A, ANDRE BEGA DE
PAIVA - SP335568-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003318-87.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA HELENA FERREIRA AMORIN, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE BEGA DE PAIVA - SP335568-A, ANA CRISTINA DE
ALMEIDA - SP343216-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA HELENA
FERREIRA AMORIN
Advogados do(a) APELADO: ANA CRISTINA DE ALMEIDA - SP343216-A, ANDRE BEGA DE
PAIVA - SP335568-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta contra o Instituto Nacional do Seguro Social -
INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade especial, com vistas à
concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A sentença extinguiu o processo, sem resolução do mérito, em relação aos pedidos de
observância dos salários de benefício dos benefícios de incapacidade como salários de
contribuição e de “extinção da pretensão sem julgamento do mérito, nos termos da
fundamentação, caso não se reconheça os períodos elencados com direito a aposentadoria
especial”. No mérito, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer os períodos
comuns de 09/07/2012 a 30/09/2013 e de 01/10/2015 a 23/03/2016, enquadrar como tempo
especial o interstício de 15/12/1990 a 05/03/1997 e determinar a concessão da aposentadoria
por tempo de contribuição, desde a segunda data de entrada do requerimento (DER:
23/09/2020). Fixados os consectários.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual impugna o reconhecimento do
tempo comum e o enquadramento efetuado e requer a improcedência dos pedidos.
Subsidiariamente, insurge-se contra o termo inicial do benefício e a fixação dos honorários
sucumbenciais. Prequestiona a matéria para fins recursais.
Não resignada, a parte autora também interpôs apelação, na qual pugna pelo reconhecimento
dos períodos de contribuinte individual de 01/02/2017 a 30/04/2017 e 01/10/2017 30/11/2017,
como tempo de serviço comum, e da especialidade dos períodos de 06/03/1997 a 28/07/2000,
01/03/2001 a 30/04/2004 e 01/11/2004 a 02/10/2012, bem como a fixação do termo inicial na
data do primeiro requerimento administrativo (DER: 08/12/2017). Por fim, em caso de não
acolhimento dos pedidos, requer a extinção sem resolução do mérito.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003318-87.2020.4.03.6141
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA HELENA FERREIRA AMORIN, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: ANDRE BEGA DE PAIVA - SP335568-A, ANA CRISTINA DE
ALMEIDA - SP343216-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA HELENA
FERREIRA AMORIN
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PAIVA - SP335568-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Os recursos atendem aos pressupostos de admissibilidade e merecem ser conhecidos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço comum urbano
As anotações lançadas em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS gozam de
presunção legal de veracidade "juris tantum", recaindo sobre o réu os ônus de comprovar a
falsidade de suas anotações (Enunciado n. 12 do Tribunal Superior do Trabalho).
Acrescento que, em se tratando de relação empregatícia, é inexigível a comprovação do
recolhimento das contribuições previdenciárias pelo trabalhador, pois o encargo desse
recolhimento incumbe ao empregador de forma compulsória, sob fiscalização do órgão
previdenciário.
Nesse sentido: TRF/3ª Região; 9ªT; AC 950431, Relator Desembargador Federal Nelson
Bernardes, DJU em 17/05/07, p. 578.
Ademais, o fato de o interstício não constar do Cadastro Nacional de Informações Sociais -
CNIS não obsta o respectivo computo para fins previdenciários.
No caso, quanto à averbação da atividade comum desempenhada nos interstícios de
09/07/2012 a 30/09/2013 e de 01/10/2015 a 23/03/2016, a sentença não merece reparos, pois
os lapsos considerados decorrem de anotações na CTPS da parte autora.
Ressalte-se que a data da emissão da CTPS é anterior ao registro do vínculo que, além de
seguir uma ordem cronológica, está respaldado pelas informações contidas nos campos
referentes ao recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e anotações
gerais.
Entendo, portanto, que caberia ao INSS comprovar a irregularidade das anotações da CTPS do
autor, ônus do qual não de desincumbiu nestes autos.
Nessa esteira, concluo que em relação ao lapso pretendido, registrado em carteira de trabalho,
não há indicação de fraude.
Por conseguinte, prospera o pleito de reconhecimento do labor comum desenvolvido nos
interregnos debatidos.
Em relação aos intervalos de 01/02/2017 a 30/04/2017 e 01/10/2017 30/11/2017, a sentença
também não merece reforma.
Com efeito, em consulta ao CNIS, verifica-se que as contribuições foram vertidas com alíquota
reduzida de 11% (onze por cento), sob a legenda de "Recolhimento no Plano simplificado de
Previdência Social", que encontra guarida na Lei Complementar n. 123/2006.
Nesse contexto, cumpre destacar o disposto pelos §§ 2º e 3º, do artigo 21, da Lei n.
8.212/1991, contidos na Lei Complementar n. 123/2006:
"Art. 21. A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de
vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição.
§ 2º No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de
contribuição será de: (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no
inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e
do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo;
II - 5% (cinco por cento):
a) no caso do microempreendedor individual, de que trata o art. 18-A da Lei Complementar no
123, de 14 de dezembro de 2006; e
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho
doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.
(Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3° O segurado que tenha contribuído na forma do § 2o deste artigo e pretenda contar o tempo
de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de
contribuição ou da contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei
no 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante
recolhimento, sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário-de-contribuição
em vigor na competência a ser complementada, da diferença entre o percentual pago e o de
20% (vinte por cento), acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3o do art. 5o da Lei no
9.430, de 27 de dezembro de 1996. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
Saliente-se, ainda, o conteúdo do § 3º, do artigo 18, da Lei n. 8.212/1991:
"Art.18. § 3º O segurado contribuinte individual, que trabalhe por conta própria, sem relação de
trabalho com empresa ou equiparado, e o segurado facultativo que contribuam na forma do §
2o do art. 21 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, não farão jus à aposentadoria por tempo
de contribuição."
No caso dos autos, a parte autora não comprovou o recolhimento da complementação disposta
no § 3º, do artigo 21 acima transcrito.
Desse modo, conforme disposição legal expressa, é inviável o cômputo do período de
recolhimento na categoria de contribuinte individual pela alíquota reduzida de 11%, tendo em
vista a impossibilidade de serem aproveitados para fins de concessão do benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter
a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer
período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/02/2008, DJe 07/04/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ,
AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os
Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do
Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova
redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social,
aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito
retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de
novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC/1973, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa
do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições
ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover
o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a
ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as
respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer:
essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do
agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente
habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de
atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
Neste caso, quanto aos períodos de 15/12/1990 a 05/03/1997, 06/03/1997 a 28/07/2000,
01/03/2001 a 30/04/2004 e 01/11/2004 a 02/10/2012, a parte autora logrou demonstrar, via
PPPs, a exposição habitual e permanente a agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos
(combustíveis - óleo diesel, gasolina e álcool), em função da atividade de “frentista” - situação
que se amolda aos itens 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 do anexo do
Decreto n. 3.048/1999.
Saliente-se que atividade desenvolvida pelo frentista é considerada perigosa nos termos da
Portaria n. 3.214/1978, NR-16, Anexo 2 ("Atividades e Operações Perigosas com Inflamáveis"),
item 1, letra "m" ("nas operações em postos de serviço e bombas de abastecimento de
inflamáveis líquidos") e item 3, letras "q" ("abastecimento de inflamáveis") e "s"
("armazenamento de vasilhames que contenham inflamáveis líquidos ou vazios não
desgaseificados ou decantados, em locais abertos"); e o Supremo Tribunal Federal, por força
da Súmula 212, também reconhece a periculosidade do trabalho do empregado de posto de
revenda de combustível líquido.
Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00060038320134036114, Nona Turma, Rel. Desembargador
Federal Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial Data: 29/11/2016; TRF3, APELREEX
00098069520124036183, Décima Turma, Rel. Desembargador Federal Sergio Nascimento, e-
DJF3 Judicial 1 Data: 28/9/2017; e TRF3, REO 00081409820084036183, Sétima Turma, Rel.
Desembargador Federal Paulo Domingues, e-DJF3 Judicial Data: 19/9/2017.
Ademais, os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os
hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativa (TRF-4 - APELREEX:
50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM
DA SILVA, Data de Julgamento: 09/7/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E.
10/7/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ
FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA
REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/1/2016 e-DJF1 P. 281).
Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, concluo que, na
hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Ademais, no extrato do CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais consta o indicador
IEAN (“Exposição da Agente Nocivo”) em relação aos vínculos referidos. Por estar inserida no
CNIS, tal informação goza de presunção de veracidade, conforme disposto no artigo 19 do
Decreto n. 3.048/1999. Além disso, infere-se que o IEAN aponta que a empresa esteve sujeita
ao pagamento da contribuição do artigo 22, II, da Lei n. 8.212/1991 (SAT), que financia
justamente as aposentadorias especiais.
Destarte, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos interregnos de 06/03/1997 a 28/07/2000, 01/03/2001 a 30/04/2004 e 01/11/2004 a
02/10/2012, em acréscimo ao período reconhecido pelo Juízo a quo (15/12/1990 a 05/03/1997),
ora mantido.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês,
e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar
seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo
inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a
integridade física, definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época
da Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional,
requisito de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um
adicional de contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30
anos (homens) e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de
"pedágio".
No caso dos autos, os períodos em carteira de trabalho são suficientes para o preenchimento
do requisito da carência, em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
Ademais, somados os períodos rurais e especiais ora reconhecidos aos demais interstícios já
averbados na via administrativa, a parte autora conta mais de 30 anos de serviço na data do
requerimento administrativo (DER – 08/12/2017). O cálculo do benefício deve ser feito de
acordo com a Lei n. 9.876/1999, garantido o direito a não incidência do fator previdenciário,
caso mais vantajoso, uma vez que a pontuação totalizada é superior a 85 pontos e o tempo
mínimo de contribuição foi observado (Lei n. 8.213/1991, art. 29-C, inc. II, incluído pela Lei n.
13.183/2015).
Em decorrência, concluo pelo preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da
aposentadoria por tempo de contribuição integral.
Do termo inicial
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio
de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do
termo inicial dos efeitos financeiros na data da citação, momento em que a autarquia teve
ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em
substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade
primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar
podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera
judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são
inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo
inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura
situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao
apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade
de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que
o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de
requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em
guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário
não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário,
devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim,
para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito
depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido
administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima consignado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001,
ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem
o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao
benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os
requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020;
AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado
em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para manter o termo inicial da concessão do
benefício na data do primeiro requerimento administrativo (DER – 08/12/2017).
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser
compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro para
12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da
sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§
1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou
do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade
alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à apelação
da parte autora para, nos termos da fundamentação: (i) também reconhecer a especialidade da
atividade desempenhada nos interstícios de 06/03/1997 a 28/07/2000, 01/03/2001 a 30/04/2004
e 01/11/2004 a 02/10/2012; (ii) fixar o termo inicial do benefício na data do requerimento
administrativo de 08/12/2017, e (iii) ajustar os honorários sucumbenciais.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. TEMPO DE SERVIÇO
COMUM. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS
PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO.
- As anotações lançadas em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS gozam de
presunção legal de veracidade "juris tantum", recaindo sobre o réu os ônus de comprovar a
falsidade de suas anotações. Mantida aaverbação dos períodos registrados em CTPS.
- É inviável o cômputo do período de recolhimento na categoria de contribuinte individual pela
alíquota reduzida de 11%, tendo em vista a impossibilidade de serem aproveitados para fins de
concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- Perfis Profissiográficos Previdenciários - PPPs indicam a exposição habitual e permanente a
agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos e outros tóxicos orgânicos, situação que autoriza
o enquadramento.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a hidrocarbonetos não requerem análise
quantitativa e sim qualitativa. Precedentes.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI
não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- Os períodos em carteira de trabalho são suficientes para o preenchimento do requisito da
carência, em conformidade com o artigo 142, da Lei n. 8.213/1991.
- Somado o período ora reconhecido aos demais interstícios apurados administrativamente,
viável a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto
preenchido o requisito temporal.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se
para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a
data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo
85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser
reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos)
salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à
apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
