
| D.E. Publicado em 05/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, (i) rejeitar a preliminar suscitada; (ii) em iudicium rescindens julgar parcialmente procedente o pedido; e (iii), em sede de iudicium rescissorium julgar procedente o pedido deduzido na ação subjacente; e (iv) condenar o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0084475-20.2007.4.03.0000/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de Ação Rescisória proposta por Alice Aparecida Silva Santos e Alessandra Aparecida dos Santos Correa, na qualidade de sucessoras de Benedito Reis dos Santos, falecido em 19.12.2002 (fl. 15). A presente ação visa à rescisão de acórdão prolatado pela Segunda Turma deste Tribunal nos autos da Apelação Cível o nº 95.03.058342-0, com fundamento em violação a literal disposição de lei e erro de fato (artigo 485, incisos V e IX, do Código de Processo Civil).
Na ação originária, pleiteou-se a concessão de aposentadoria proporcional, com reconhecimento de atividade laboral prestada em condições especiais. A Sentença, proferida pela 3ª Vara de Guaratinguetá/SP (fls. 100/102) julgara procedente o pedido. Proposta apelação pela autarquia previdenciária, este Tribunal deu-lhe provimento (fls. 26/30 e 35/38). No julgamento em questão, proferido por unanimidade, prevaleceu o entendimento de que não haveria nos autos comprovação da exposição habitual e permanente a condições insalubres, penosas ou perigosas (fl. 29). Fulcrou-se o acórdão rescindendo primordialmente na questão da ausência nos autos de Laudo Pericial, considerando-se insuficientes apenas as informações fornecidas pelo empregador (fls. 19/25).
Sustentam as Autoras, em síntese, que a pretensão do segurado foi negada administrativamente porque, para o reconhecimento de atividades exercidas em condições insalubres, seria necessário o atingimento da idade mínima de 50 anos. Observam que juntaram à inicial da ação originária o formulário SB-40, fornecido pela empregadora, o qual atestaria que o segurado lá trabalhara, sob condições insalubres, no período compreendido entre 27.12.1971 e 10.10.1985, tendo como agentes agressivos as operações executadas com derivados tóxicos de carbono e ruído acima de 80 (oitenta) decibéis. Argumentam as Autoras que a Procuradora-Chefe do INSS, em atendimento a determinação da Magistrada de primeiro grau, teria reconhecido que as atividades executadas pelo falecido, no período acima referido, foram exercidas sob exposição a um nível de ruído acima de 80 decibéis, bem como que os produtos químicos que manipulava permitiam o enquadramento nas atividades amparadas pelo Decreto 53.831/1964. Alegam as Autoras que o único motivo apresentado pela representante da autarquia para o não reconhecimento do período laborado sob condições insalubres seria o fato de o falecido não possuir, à época do exercício daquelas atividades, a idade mínima de 50 anos. Sustentam que, interposta apelação pelo INSS, o acórdão deu-lhe provimento em razão de não existir nos autos Laudo Pericial acerca da insalubridade das atividades exercidas.
Entendem as Autoras que o nódulo da demanda, em primeira instância, era o quesito "etário" e não a comprovação do exercício de atividades insalubres em si. Argumentam que estaria violado o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, pois o segurado teria direito a ver aplicada a legislação vigente à época da prestação laboral. Desse modo, a apresentação de Laudo Pericial, criada pela Lei 9032/95, não poderia ser exigida ao tempo do exercício das atividades que consideram insalubres (1971 a 1985).
Também o princípio do contraditório teria sido ofendido no entender das Autoras. Argumentam, nesse sentido, que a questão da necessidade da prova pericial não foi ventilada em nenhum momento em primeira instância; no entanto, foi justamente sua ausência que culminou na reforma da sentença por este Tribunal. Assim, o segurado não teria tido nenhuma oportunidade para produzir a prova pericial. Quanto a esse aspecto, assim se manifestam nesta Rescisória: Se na primeira instância, o próprio INSS afirmou que a atividade era sim insalubre, mas existia o obstáculo relativo ao quesito idade, afastado pelo Juiz Monocrático, como poderia o autor fazer prova pericial em segunda Instância?
A questão foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 852.815), porém seu mérito não foi apreciado por aquela Corte Superior, em razão de se entender naquela esfera que a controvérsia encontraria óbice na Súmula nº 07 do STJ (impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório - fls. 40/42 e 44/45).
Foi atribuído à causa o valor de R$ 3.573,80 (fls. 02/11).
Os benefícios da Justiça Gratuita foram concedidos à Autora por intermédio do despacho de fl. 105.
Ação Rescisória ajuizada em 30.07.2007 (fl. 02).
Citado, contestou o INSS, alegando preliminarmente inexistência de erro de fato e/ou violação a literal disposição de lei no decisum rescindendo. Em seu entendimento, ausentes tais violações, as Autoras seriam carecedoras da ação. No mérito, a Autarquia argumenta que não restou provado na lide originária o exercício de trabalho em ambiente insalubre, penoso ou perigoso. Sustenta, outrossim, que, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, a perícia judicial para a aferição das atividades é imprescindível para a concessão da aposentadoria (fls. 113/120).
Indeferido o pedido de antecipação de tutela às fls. 122/123.
Às fls. 129/131, as Autoras alegam que a questão seria de direito, pois o Laudo Pericial só seria exigível a partir da edição da Lei nº 9.032, de 28 de abril de 1995. No mesmo documento, assim se manifestam: Contudo, por cautela, se tais argumentos não são suficientes para a decretação de procedência da ação, a parte autora pugna pela produção de prova pericial, de forma que o laudo seja colhido de acordo com condições existentes na época do trabalho (27/12/1971 a 10 de outubro de 1985), sendo inclusive comparado com os formulários SB-40 fornecidos ao segurado (falecido) e outros colegas contemporâneos.
O pleito em questão (prova pericial) não foi objeto de análise no presente feito.
Razões finais às fls. 139/141 (parte Autora) e 142/143 (INSS).
Parecer do MPF, opinando pela improcedência da Ação Rescisória (fls. 145/152).
É o Relatório.
Peço dia para julgamento.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal Relatora
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0084475-20.2007.4.03.0000/SP
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Por ter sido a presente ação ajuizada na vigência do CPC/1973, consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº 13.105/2015.
Friso que segundo a jurisprudência da C. 3ª Seção desta Corte, na análise da ação rescisória, aplica-se a legislação vigente à época em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão rescindenda:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ARTIGO 966, VII, DO NCPC. DIREITO INTERTEMPORAL. PROVA NOVA. OITIVA DE TESTEMUNHAS. IMPOSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO DE DOCUMENTO NOVO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: A DO TRANSITO EM JULGADO DA SENTENÇA OU ACÓRDÃO. ARTIGO 485, VII, DO CPC/73. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL PREJUDICADO. |
- A sentença proferida na ação matriz transitou em julgado em 19/02/2016. Como a propositura da ação rescisória deu-se em 22/08/2016, não fluiu o prazo decadencial de 2 (dois) anos, previsto nos artigos 495 do CPC/73 e 975 do NCPC. |
[...] |
- Entretanto, o trânsito em julgado da sentença deu-se na vigência do Código de Processo Civil de 1973, que naõ previa a possibilidade de propor ação rescisória com base em obtenção de "prova nova", mas apenas no caso de "documento novo". Com efeito, é bastante conhecida a lição de direito intertemporal, segundo a qual se aplica, nas ações rescisórias, a legislação vigente quando do trânsito em julgado da sentença ou acórdão a que se visa rescindir. |
- Outra não é a lição do antigo e ilustre Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Celso Neves: "A Lei superveniente que regule de maneira diversa a ação rescisória, seja quanto a seus pressupostos, seja quanto ao prazo, não se aplica, pois, às ações rescisória que, anteriormente, já poderiam ter sido ajuizadas (in Prazo de Ação Rescisória e Direito Intertemporal). |
- No mesmo sentido: "AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO INTERTEMPORAL. - Acórdão rescindendo que transitou em julgado na vigência do Código de Processo Civil de 1939. Ação rescisória fundada em novos pressupostos criados pelo atual diploma processual. Impossibilidade, porquanto, a lei reguladora da ação rescisória é a contemporânea ao trânsito em julgado da sentença rescindenda" (Supremo Tribunal Federal, Ação Rescisória 944/RJ, Tribunal Pleno, DJ 28/3/1980, relator Ministro Soares Munoz). [...] (TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 11342 - 0015682-14.2016.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado por unanimidade em 10/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/05/2018) |
E diferentemente não poderia ser, pois, como o direito à rescisão surge com o trânsito em julgado, na análise da rescisória deve-se considerar o ordenamento jurídico então vigente.
DA OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL
O v. acórdão que se pretende rescindir transitou em julgado em 15.02.2007 (fl. 49), sendo que a presente Ação Rescisória foi ajuizada neste Tribunal em 30.07.2007, ou seja, durante o biênio estabelecido no artigo 495 do Código de Processo Civil.
PRELIMINARMENTE
A matéria preliminar suscitada pelo INSS em sede de contestação - inexistência de erro de fato e de violação a dispositivo legal - confunde-se com o mérito da própria Ação Rescisória e, como tal, será analisado.
DA PRETENSÃO RESCISÓRIA
As requerentes pleiteiam, com base no artigo 485, V e IX, do CPC/1973, que a decisão rescindenda seja desconstituída, sustentando que houve (i) violação ao artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, pois o segurado teria direito a ver aplicada a legislação vigente à época da prestação laboral, não se exigindo a apresentação de Laudo Pericial, pois tal exigência foi criada apenas pela Lei 9032/95, não sendo aplicável ao tempo do exercício das atividades que consideram insalubres (1971 a 1985); e (ii) erro de fato, eis que a decisão rescindenda não teria valorado corretamente os fatos relacionados à demanda subjacente.
De rigor, portanto, a análise de cada uma das causas de pedir apresentadas pela requerente.
DO JUÍZO RESCINDENTE - VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, INCISO XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Previa o art. 485, inciso V, do CPC/73, que "A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] violar literal disposição de lei".
A melhor exegese de referido dispositivo revela que "O vocábulo "literal" inserto no inciso V do artigo 485 revela a exigência de que a afronta deve ser tamanha que contrarie a lei em sua literalidade. Já quando o texto legal dá ensejo a mais de uma exegese, não é possível desconstituir o julgado proferido à luz de qualquer das interpretações plausíveis" (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília Jurídica. 2000. P. 380/381).
A violação à norma jurídica precisa, portanto, ser manifesta, ou seja, evidente, clara e não depender de prova a ser produzida no bojo da rescisória.
Não só. Nas ações rescisórias em que se alegue violação manifesta a norma infraconstitucional, esta só fica caracterizada quando a decisão rescindenda conferir uma interpretação sem qualquer razoabilidade ao texto normativo. Nessa linha, a Súmula 343 do STF estabelece que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
No entanto, nas ações rescisórias em que se discute questão constitucional, não se aplica a Súmula 343 do STF. É que a supremacia da Constituição demanda um tratamento diferenciado, não se exigindo, em regra, apenas uma interpretação razoável da norma constitucional - tal como ocorre com as normas infraconstitucionais, sendo este o fundamento da Súmula 343, do STF -, mas sim uma interpretação correta de tal espécie normativa.
No ponto, merece destaque o seguinte trecho do voto do Ministro Teori Zavaski, proferido no RE n. 590.809, que bem explica que a relativização da Súmula 343, no caso de rescisórias que tenham por objeto matéria constitucional, é um imperativo da supremacia da norma constitucional, do princípio da isonomia, da unidade do sistema e da autoridade do STF como guardião da Constituição:
Supremacia da Constituição (e sua aplicação uniforme) e autoridade do STF são, na verdade, valores associados e que têm sentido transcendental justamente quando associados. Há, entre eles, relação de meio e fim. Em se tratando de ação rescisória em matéria constitucional, portanto, concorre decisivamente para um tratamento diferenciado do que seja literal violação a interpretação da norma na palavra do STF, guardião da Constituição. Ela, associada ao princípio da supremacia e do tratamento isonômico, é que justifica, nas ações rescisórias, a substituição do parâmetro negativo da súmula 343 (negativo porque indica que, sendo controvertida a matéria nos tribunais, não há violação literal a preceito normativo a ensejar rescisão), por um parâmetro positivo, segundo o qual há violação à Constituição na sentença que, em matéria constitucional, é contrária a pronunciamento do STF. |
Nessa linha, também, as lições de Fredie Didier e Leonardo Carneiro Cunha:
O n. 343 da Súmula do STF prescreve que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Esse enunciado ainda deve ser aplicado, mas com algumas ponderações. A aplicação desse enunciado deve ser examinada em quatro exemplos ora aventados. |
a) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ (art. 927, CPC) sobre o tema: não há direito à rescisão, pois não se configura a manifesta violação de norma jurídica. Aplica-se o n. 343 da súmula do STF. |
b) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, sem que existisse, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ (art. 927, CPC) sobre o tema; após o trânsito em julgado, sobrevém precedente obrigatório do tribunal superior: observado o prazo da ação rescisória, há direito à rescisão, com base nesse novo precedente, para concretizar o princípio da unidade do Direito e a igualdade. Note que o §15 do art. 525, examinado mais a frente, reforça a tese de que cabe a ação rescisória para fazer prevalecer posicionamento de tribunal superior formado após a coisa julgada. |
c) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou do STJ sobre o tema: se a decisão rescindenda contrariar o precedente vinculante, há direito à rescisão, pois se configura a manifesta violação de norma jurídica. Violam-se, a um só tempo, a norma do precedente e a norma que decorre do art. 927, CPC. |
d) Divergência na interpretação do Direito entre tribunais, havendo, ao tempo da prolação da decisão rescindenda, precedente vinculante do STF ou STJ; após o trânsito em julgado, sobrevêm novo precedente do tribunal superior, alterando o seu entendimento: não há direito à rescisão, fundado nesse novo precedente, tendo em vista a segurança jurídica, tal como decidido pelo STF, no RE n. 590.809, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 22.10.2014. |
Como se pode perceber, enquanto não houver posição de tribunal superior, é inevitável a existência de interpretação divergente entre os tribunais. Além de inevitável, a divergência entre os tribunais é até salutar para a melhor formação do precedente pelo tribunal superior. Enquanto se mantém a divergência sem que haja a definição da questão de direito pelo tribunal superior, ainda é aplicável o enunciado 343 da súmula do STF. (Didier Jr, Fredie; Cunha, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. - 15. ed. reform. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 581/582). |
No caso vertente, as autoras sustentam, em síntese, que a decisão rescindenda viola o artigo 5°, XXXVI, da CF/88, eis que "o segurado tem o direito adquirido de ver aplicada ao seu caso a legislação vigente ao tempo da prestação laboral", o que não foi observado pela o acórdão impugnado, o qual afastara a especialidade do labor reconhecida em primeiro grau de jurisdição por entender que seria necessária a apresentação de laudo pericial para a comprovação da especialidade, embora, à época (27.12.1971 a 10.10.1985), não existisse tal exigência, a qual só veio a surgir com a Lei 9.032/95.
Nos termos do artigo 5°, XXXVI, da CF/88, "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
Portanto, para que se possa divisar a manifesta violação a tal norma constitucional, é preciso verificar se a decisão rescindenda realmente violou um direito adquirido do segurado, tal como alegado na exordial, sendo de se frisar, de logo, que a súmula 343 do E. STF não se aplica ao caso vertente, já que esta rescisória tem por objeto violação a norma constitucional.
Nesse passo, importa registrar que, no feito de origem, a sentença de primeiro grau acolheu o pedido de enquadramento como especial do período em que o requerente trabalhou na empresa BASF S/A, fazendo-o nos seguintes termos (fls. 100/102):
Também no tocante ao enquadramento da atividade desenvolvida pelo requerente na indústria Basf Brasileira S/A como atividade considerada prejudicial a saúde e sujeita a aposentadoria especial não há controvérsia, uma vez que a própria autarquia, ao analisar os documentos que lhe foram enviados por ofício, reconheceu tal qualidade aquela atividade (fls. 150/151). Resta apenas saber se para a concessão de tal benefício já necessidade do requerente ao tempo do pedido ter a idade mínima de 50 anos, conforme alega a parte requerida. |
O acórdão rescindendo, de sua vez, reformou a sentença, afastando o reconhecimento como especial do período de 27.12.1971 a 10.10.1985 e, consequentemente, julgou improcedente o pedido de aposentadoria proporcional por tempo de serviço, apresentando a seguinte fundamentação:
A parte autora pretende que se reconheça o caráter penoso ou insalubre da atividade desenvolvida na empresa BASF Brasileira S/A, de 27 de dezembro de 1971 a 10 de outubro de 1985. |
Todavia, não há prova da exposição habitual e permanente a condições insalubres, penosas ou perigosas. |
Não há laudo pericial sobre isso, como exige a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de recursos, sendo insuficientes as informações do empregador sobre as condições em que se deu o trabalho. |
Como se vê, a decisão rescindenda afastou o enquadramento do período de 27.12.1971 a 10.10.1985, ao fundamento de que a documentação fornecida pelo empregador (formulário de fls. 19/25) não seria suficiente para comprovar a exposição a agentes nocivos, na medida em que seria indispensável a realização de prova pericial.
Segundo o acórdão objurgado, a pretensão deduzida no feito subjacente encontraria óbice intransponível na Súmula 198, do extinto TRF, a qual estabelecia o seguinte: "Seguridade social. Aposentadoria especial. Atividade insalubre, perigosa ou penosa. Constatação por perícia judicial. Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento".
Ocorre que, à época do período que se buscou enquadrar na ação subjacente (de 27.12.1971 a 10.10.1985), não se exigia a realização de prova pericial para o reconhecimento do labor especial pela exposição a agentes químicos, sendo certo, ainda, que apenas para os agentes nocivos ruído e calor se exigia apresentação de laudo técnico junto com o formulário SB-40.
Com efeito, até a entrada em vigor do Decreto n. 2.172 (05.03.1997), que veio a regulamentador da Lei n. 9.032/95, não se exigia a apresentação de laudo técnico para a comprovação do labor especial, sendo suficiente a apresentação do formulário preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), salvo nos casos de ruído e calor, em que sempre se exigiu que tais agentes fossem aferidos e registrados em laudo técnico.
Nesse contexto e considerando, ainda, que (i) a documentação juntada ao feito subjacente (SB-40 de fls. 19/25) demonstra que o segurado ficava exposto a agentes químicos reputados nocivos pelo item 1.2.11 do Decreto 53.831/64 (hidrocarbonetos, ácidos carboxílicos, álcoois, aldeyhydos, cetonas, ésteres, éteres, amidas, aminas, nitrilas e outros tóxicos inorgânicos, cf. fls. 19/25) e a níveis de ruído acima dos limites de tolerância (80 dB); e (ii) que a empregadora do segurado possuía laudos técnicos registrando a exposição a tais agentes (cf. informação constante no formulário de fls. 19/25); constata-se que a exigência de prova pericial apontada no acórdão rescindendo como óbice ao enquadramento pleiteado no feito de origem não encontrava respaldo no ordenamento jurídico então vigente, violando o direito adquirido do segurado e, consequentemente, a norma jurídica extraída do artigo 5°, XXXVI, da CF/88.
Isso é o que se infere da jurisprudência desta C. Seção e do C. STJ:
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. PRELIMINAR CONFUNDE-SE COM O MÉRITO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL E CONVERSÃO PARA APOSENTADORIA ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE LEI. EXIGÊNCIAS NÃO PREVISTAS EM LEI PARA ENQUADRAMENTO DA ATIVIDADE. LAUDO TÉCNICO. DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO. JUÍZO RESCISÓRIO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PLEITEADO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. CUSTAS PROCESSUAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TUTELA ESPECÍFICA. |
- Os argumentos que sustentam a preliminar de carência da ação, por tangenciarem o mérito, serão com ele analisados. |
- Alega o autor ter a decisão rescindenda violado a legislação de regência ao ignorar os documentos juntados e exigir laudo técnico para comprovação da especialidade da atividade exercida na empresa "Nestlé Industrial e Comercial Ltda", no período de 01/09/1971 a 28/07/1978. |
- É entendimento jurisprudencial pacífico que a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor à época da prestação do serviço. |
- Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030) para atestar a existência das condições prejudiciais. |
- Da mesma forma, há de se ressaltar que, à época dos fatos em debate, não se exigia a quantificação dos agentes agressivos químicos ou mesmo informações sobre a eficácia do EPI, mas tão somente a indicação da presença do agente nocivo no ambiente laboral. |
- Na ação subjacente, a autora, titular do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, requereu o reconhecimento de atividade especial, com vistas à conversão de seu benefício em aposentadoria especial. |
- Tratou a decisão rescindenda de convalidar os períodos já reconhecidos na via administrativa, afastando, no entanto, a especialidade da atividade exercida no período de 01/09/1971 a 28/07/1978. |
- Nesse período, o autor, conforme se verifica do formulário DSS-8030 (f. 49), trabalhou para a empresa "Nestlé Industrial e Comercial Ltda", na função de auxiliar geral de laboratório, exposto de modo habitual e permanente a agentes químicos, tais como: álcool, ácidos e acetona. |
- A despeito da função de auxílar geral de laboratório não ter sido contemplada na legislação de regência como categoria profissional passível de enquadramento especial, necessário perquirir se o mesmo ocorre com os agentes químicos a que o segurado estava sujeito. |
- À época da prestação laboral estavam em vigor os Decretos 53.831/64 e 83.080/79, os quais contemplavam o exercício de atividade com exposição aos agentes químicos indicados no respectivo formulário como insalubre, o que garante ao segurado o enquadramento especial pretendido (código 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/64) . |
- A exigência de laudo, no caso, se mostrou contrária a legislação de regência, além de afrontar direito adquirido da parte autora. Precedentes do e. STJ. |
- Em juízo rescisório, o requisito da carência restou cumprido em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/91. |
- Quanto ao tempo de serviço sujeito à condições especiais, somado o período ora enquadrado aos lapsos incontroversos (f. 185), verifico que, na data de 30/06/1997, a parte autora contava 25 anos 3 meses e 14 dias. |
- Destarte, a autora faz "jus" ao beneficio de aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.213/91, a partir do requerimento administrativo (30/06/1997- f. 185), ocasião em que já preenchia todos os requisitos necessários à jubilação. |
- A despeito do ajuizamento da ação em 18/08/2005, não há falar em prescrição, porquanto houve pedido administrativo de revisão em 09/1997 (f. 193), o qual se arrastou por vários anos e culminou no pedido de desistência do autor em 17/01/2005 (f. 229/230). |
- Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/81 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observado o disposto na Lei n. 11.960/2009, consoante Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 16/4/2015, Rel. Min. Luiz Fux e Informativo 833 do Supremo Tribunal Federal. |
- Com relação aos juros moratórios, estes são fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, contados da citação, por força dos artigos 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/73, até a vigência do novo CC (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos artigos 406 do novo CC e 161, § 1º, do CTN, devendo, a partir de julho de 2009, serem mantidos no percentual de 0,5% ao mês, observadas as alterações introduzidas no art. 1-F da Lei n. 9.494/97 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/09, pela MP n. 567, de 03 de maio de 2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07 de agosto de 2012, e por legislação superveniente. |
- Em relação às parcelas vencidas antes da citação, os juros são devidos desde então de forma global e, para as vencidas depois da citação, a partir dos respectivos vencimentos, de forma decrescente. |
- Referentemente às custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03. Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio. |
- Os honorários advocatícios são de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente acórdão , consoante orientação desta 3ª Seção. |
- Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo 85, § 4º, II, do mesmo código, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar duzentos salários mínimos. |
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado. |
- Preliminar rejeitada. Ação rescisória procedente e pedido subjacente procedente. Concedida a tutela específica. |
(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 9333 - 0013195-76.2013.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 27/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/08/2017 ) |
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AGENTE NOCIVO ELETRICIDADE. LEI 9.528/97. LAUDO TÉCNICO PERICIAL. FORMULÁRIO. |
PREENCHIMENTO. EXPOSIÇÃO ATÉ 28/05/1998. COMPROVAÇÃO. |
I - O e. Superior Tribunal de Justiça sedimentou o entendimento segundo o qual o tempo de serviço é regido pela legislação em vigor ao tempo em que efetivamente exercido o labor, que se incorpora ao acervo jurídico do segurado. O direito adquirido, portanto, não pode sofrer prejuízo em virtude de inovação legal. |
II - A necessidade de comprovação do exercício de atividade insalubre por meio de laudo pericial elaborado por médico ou engenheiro de segurança do trabalho foi exigência criada a partir do advento da Lei 9.528, de 10/12/97, que alterou o § 1º, do art. 58, da Lei 8.213/91. |
III - Para além do laudo pericial, no entanto, a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos também exige o preenchimento de formulário emitido pela empresa ou seu preposto, fulcrado no referido laudo técnico das condições ambientais do trabalho. Precedentes. |
IV - In casu, seguindo-se as linhas do entendimento consolidado neste c. Tribunal Superior, bem como os elementos colacionados no v. acórdão a quo, restou devidamente certificado o trabalho do segurado em condições especiais até 28/5/1998. |
Agravo regimental desprovido. |
(AgRg no REsp 1140885/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 29/04/2010, DJe 24/05/2010) |
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE EXERCIDA EM CONDIÇÕES ESPECIAIS ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 9.032/95. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA INSALUBRIDADE, PRESUMIDA PELA LEGISLAÇÃO ANTERIOR. |
TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE. DIREITO ADQUIRIDO AO DISPOSTO NA LEGISLAÇÃO EM VIGOR À ÉPOCA DO TRABALHO ESPECIAL REALIZADO. NÃO-INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA APLICABILIDADE IMEDIATA DA LEI PREVIDENCIÁRIA. ROL EXEMPLIFICATIVO DAS ATIVIDADES ESPECIAIS. TRABALHO EXERCIDO COMO PEDREIRO. AGENTE AGRESSIVO PRESENTE. PERÍCIA FAVORÁVEL AO SEGURADO. NÃO-VIOLAÇÃO À SUMULA 7/STJ. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE DÁ PROVIMENTO. |
1. O STJ adota a tese de que o direito ao cômputo diferenciado do tempo de serviço prestado em condições especiais, por força das normas vigentes à época da referida atividade, incorpora-se ao patrimônio jurídico do segurado. Assim, é lícita a sua conversão em tempo de serviço comum, não podendo ela sofrer qualquer restrição imposta pela legislação posterior, em respeito ao princípio do direito adquirido. |
2. Até 05/03/1997, data da publicação do Decreto 2.172, que regulamentou a Lei nº 9.032/95 e a MP 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), a comprovação do tempo de serviço laborado em condições especiais, em virtude da exposição de agentes nocivos à saúde e à integridade física dos segurados, dava-se pelo simples enquadramento da atividade exercida no rol dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 e, posteriormente, do Decreto 611/92. A partir da referida data, passou a ser necessária a demonstração, mediante laudo técnico, da efetiva exposição do trabalhador a tais agentes nocivos, isso até 28/05/1998, quando restou vedada a conversão do tempo de serviço especial em comum pela Lei 9.711/98. |
3. A jurisprudência se pacificou no sentido de que as atividades insalubres previstas em lei são meramente explicativas, o que permite afirmar que, na análise das atividades especiais, deverá prevalecer o intuito protetivo ao trabalhador. Sendo assim, não se parece razoável afirmar que o agente insalubre da atividade do pedreiro seria apenas uma característica do seu local de trabalho, já que ele está em constante contato com o cimento, em diversas etapas de uma obra, às vezes direta, outras indiretamente, não se podendo afirmar, com total segurança, que em algum momento ele deixará de interferir na saúde do trabalhador. |
4.Não constitui ofensa ao enunciado sumular de nº 7 desta Corte a valoração da documentação apresentada que comprova a efetiva exposição do trabalhador a agentes prejudiciais à saúde. |
5. Recurso especial ao qual se dá provimento. |
(REsp 354.737/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe 09/12/2008) |
Por tais razões, considerando que a decisão rescindenda violou o direito adquirido do segurado - marido e genitor das autoras - e, consequentemente, a norma jurídica extraída do artigo 5°, XXXVI, da CF/88, cabível a rescisão do julgado, impondo-se a procedência do pedido rescindente, na forma do artigo 485, V, do CPC/73.
DO JUÍZO RESCINDENTE - ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO.
Nos termos do artigo 485, IX, do CPC/1973, a decisão de mérito poderá ser rescindida nos casos em que estiver "fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa".
O artigo 485, §1°, do CPC/73, esclarecia que há erro de fato "quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido" e que "É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato" (CPC/73, art. 485, §2°).
Nesse mesma linha, o CPC/2015 dispõe, no artigo 966, VIII, que a "decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos", esclarecendo o § 1o que "Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado".
A interpretação de tais dispositivos revela que há erro de fato quando o julgador chega a uma conclusão partindo de uma premissa fática falsa; quando há uma incongruência entre a representação fática do magistrado, o que ele supõe existir, e realidade fática. Por isso, a lei diz que há o erro de fato quando "a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido". O erro de fato enseja uma decisão putativa, operando-se no plano da suposição.
Além disso, a legislação exige, para a configuração do erro de fato, que "não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato". E assim o faz porque, quando se estabelece uma controvérsia sobre a premissa fática adotada pela decisão rescindenda e o magistrado sobre ela emite um juízo, um eventual equívoco nesse particular não se dá no plano da suposição e sim no da valoração, caso em que não se estará diante de um erro de fato, mas sim de um possível erro de interpretação, o qual não autoriza a rescisão do julgado, na forma do artigo 485, IX, do CPC, ou do artigo 966, VIII, do CPC/2015.
E a distinção se justifica, pois o erro de fato é mais grave que o de interpretação. Quando o magistrado incorre em erro de fato ele manifesta de forma viciada o seu convencimento (a fundamentação da decisão judicial), o que não se verifica quando ele incorre em erro de interpretação.
Não se pode olvidar, pois, que o dever de fundamentação ostenta status constitucional (art. 93, IX, da CF/88). Daí porque o legislador considera nula a decisão judicial em que o convencimento fundamentado for manifestado de forma viciada (erro de fato) e anulável o decisum em que a fundamentação apresentada, embora juridicamente equivocada, tenha sido manifestada de forma livre de vícios de vontade (erro de interpretação).
Por ser o erro de fato mais grave que o erro de interpretação é que se admite que o primeiro seja sanado em sede de ação rescisória e o segundo apenas no âmbito de recurso.
Por fim, exige-se que (a) a sentença tenha se fundado no erro de fato - sem ele a decisão seria outra -; e que (b) o erro seja identificável com o simples exame dos documentos processuais, não sendo possível a produção de novas provas no âmbito da rescisória a fim de demonstrá-lo.
Sobre o tema, precisa a lição de Bernardo Pimentel Souza, a qual, embora erigida na vigência do CPC/1973, permanece atual, considerando que o CPC/2015 manteve, em larga medida, a sistemática anterior no particular:
Com efeito, além das limitações gerais insertas no caput do artigo 485, o inciso IX indica que só o erro de fato perceptível à luz dos autos do processo anterior pode ser sanado em ação rescisória. Daí a conclusão: é inadmissível ação rescisória por erro de fato, cuja constatação depende da produção de provas que não figuram nos autos do processo primitivo. |
A teor do § 2º do artigo 485, apenas o erro relacionado a fato que não foi alvo de discussão pode ser corrigido em ação rescisória. A existência de controvérsia entre as partes acerca do fato impede a desconstituição do julgado. |
A expressão erro de fato" tem significado técnico-processual que consta do § 1 - do artigo 485: "Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido". Assim, o erro que pode ser corrigido na ação rescisória é o de percepção do julgador, não o proveniente da interpretação das provas. Exemplo típico de erro de fato é o ocorrido em sentença de procedência proferida tendo em conta prova pericial que não foi produzida na ação de investigação de paternidade. Já a equivocada interpretação da prova não configura erro de fato à luz do § 1- do artigo 485, não dando ensejo à desconstituição do julgado. |
Apenas o erro de fato relevante permite a rescisão do decisum. É necessária a existência de nexo de causalidade entre o erro de fato e a conclusão do juiz prolator do decisum rescindendo. Erro de fato irrelevante não dá ensejo à desconstituição do julgado. (SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília Jurídica. 2000. P. 386/387). |
Oportuna, também, as lições da e. Desembargadora Federal Marisa Santos que, além de sintetizar os pressupostos para a configuração do erro de fato, anota que, no mais das vezes, as ações rescisórias fundadas em erro de fato pretendem, em verdade, a reanálise da prova:
Barbosa Moreira interpreta o dispositivo e dá os pressupostos para a configuração do erro de fato "a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato por ele considerado inexistente; c) que "não tenha havido controvérsia" sobre o fato (§2º); d) que sobre ele tampouco tenha havido "pronunciamento judicial" (§2°)". |
[...] |
São comuns ações rescisórias em matéria previdenciária fundamentadas em erro de fato. O que normalmente acontece é que o fundamento é equivocado, com intuito de dar conotação de erro de fato à apreciação das provas que não foi favorável ao autor. Como não há enquadramento possível para pedir na rescisória a reanálise das provas, por não se tratar de recurso, tenta-se convencer o Tribunal de que o juiz incorreu em erro de fato. (SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário esquematizado - 8. ed - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 800-801) |
No caso, não há como se divisar um erro de fato, pois a decisão rescindenda se manifestou sobre os fatos relevantes para o deslinde do feito, valorando-os, não tendo desconsiderado qualquer fato existente, tampouco considerado um fato inexistente como existente.
Como visto no tópico precedente, o acórdão rescindendo não negou que o autor do feito subjacente apresentara formulários que indicavam a sua exposição a agente nocivos, tendo, entretanto, julgado improcedente o pedido de enquadramento do labor especial por reputar necessária a produção de prova pericial.
Acresça-se que o acórdão rescindendo não desconsiderou a alegação do segurado no sentido de que o INSS teria reconhecido a especialidade do labor sub judice no documento de fls. 95/96; o acórdão, analisando tal documento, concluiu que ele não seria suficiente para configurar o reconhecimento do pedido ou confissão. Isso é o que se infere do seguinte trecho do acórdão que apreciara os embargos de declaração manejados pela parte autora da ação subjacente (fl. 36): "Por outro lado, a petição de fls. 150 é referente ao posto previdenciário em sede administrativa para verificação de prévio requerimento administrativo, não podendo se falar em reconhecimento do pedido ou confissão".
Tendo a decisão rescindenda expressamente se pronunciado sobre os fatos relevantes para o deslinde do feito subjacente, ainda que se entenda que ela incorreu em erro de valoração, não há como se divisar o erro de fato, em função do quanto estabelecido no artigo 485, §2°, do CPC/73, o qual, como visto, exige a inexistência de pronunciamento judicial sobre o fato.
Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência da E. 3ª Seção desta C. Corte:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSITIVO DE LEI (ART. 59, LEI 8.213/91). ERRO DE FATO . VALORAÇÃO DE PROVA. CONTROVÉRSIA ENTRE AS PARTES. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O FATO. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. RAZOABILIDADE. SOLUÇÃO JURÍDICA ADMISSÍVEL. PARÂMETROS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS DE ÉPOCA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORATIVA. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. IUDICIUM RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO. |
[...] |
3. Para que seja reconhecido erro de fato , hábil à rescisão da coisa julgada, pressupõe-se que, sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão do decidido. |
4. O erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo. |
5. Tem-se por inexistente o alegado erro de fato , seja em decorrência da controvérsia entre as partes quanto à suposta incapacidade laborativa do autor, seja porque houve pronunciamento judicial expresso sobre o fato, não tendo sido reconhecido o direito ao benefício uma vez que o perito médico judicial afirmou a inexistência de incapacidade laborativa, independentemente de ter anotado a profissão de pedreiro do autor, tendo reconhecido apenas a existência de limitação para "tarefas onde seja necessário manter o ombro elevado acima da linha média por longos períodos". Anota-se que, em perícia médica realizada no âmbito desta ação rescisória, veio a ser constatada incapacidade laborativa total e temporária cujo termo inicial foi fixado após a data da realização do exame médico-pericial realizado na demanda subjacente. |
[...] |
(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 8523 - 0000801-71.2012.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO , julgado por unanimidade em 24/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/06/2018) |
Logo, não há erro de fato, nos termos do artigo 485, §§ 1° e 2º, do CPC, o que impõe a improcedência do pedido de rescisão deduzido com base no artigo 485, IX, do CPC/1973.
DO JUÍZO RESCISÓRIO - REJULGAMENTO DO FEITO - DA COMPROVAÇÃO DA EXPOSIÇÃO DO SEGURADO A AGENTES QUÍMICOS E A RUÍDO NOCIVOS - RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE DO PERÍODO DE 27.12.1971 A 10.10.1985 - DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA PROPORCIONAL.
Julgado procedente o pedido de rescisão fulcrado no artigo 485, V, do CPC/73, deve-se passar ao iudicium rescissorium, com o rejulgamento do feito originário.
Consoante já gizado, o acórdão rescindendo (fls. 27/30) reformou a sentença proferida na ação originária (fls. 100/102) - a qual reconhecera o período de 27.12.1971 a 10.10.1985 como especial além dos períodos comuns indicados na exordial da ação subjacente, concedendo à parte autora aposentadoria proporcional por tempo de serviço ao autor, desde 01.03.1994, além de honorários advocatícios de 10% do valor atualizado da causa -, ao fundamento de que o interregno de 27.12.1971 a 10.10.1985 não poderia ser considerado especial. Nessa senda, com o afastamento de tal enquadramento, conclui a C. Turma que não haveria o direito à aposentadoria proporcional, ante o não preenchimento do requisito de 30 anos de serviço.
Por oportuno, cumpre transcrever os seguintes trechos do acórdão rescindendo:
A parte autora pretende que se reconheça o caráter penoso ou insalubre da atividade desenvolvida na empresa BASF Brasileira S/A, de 27 de dezembro de 1971 a 10 de outubro de 1985. |
Todavia, não há prova da exposição habitual e permanente a condições insalubres, penosas ou perigosas. |
Não há laudo pericial sobre isso, como exige a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de recursos, sendo insuficientes as informações do empregador sobre as condições em que se deu o trabalho. |
[...] |
Posto isto, dá provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido, invertendo-se os ônus da sucumbência, com a ressalva do art. 12 da Lei n. 1.060/50, em face da concessão da assistência judiciária à parte autora. |
Nesse passo, observo que o formulário de fls. 19/25, o qual fora apresentado no processo subjacente, comprova que, no período de 27.12.1971 a 10.10.1985, o autor, no exercício de suas atividades laborativa, ficava exposto a "ruído acima de 80 dB(A)".
Como se sabe, a regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações.
Até a edição do Decreto 2.171/1997 (06.03.1997), considerava-se especial a atividade exercida com exposição a ruído superior a 80 decibéis. A partir de então, passou-se a considerar como especial o trabalho realizado em ambiente em que o nível de ruído fosse superior a 90 decibéis. Por fim, com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18.11.2003, o limite de tolerância a esse agente físico foi reduzido para 85 decibéis.
Diante de tal evolução normativa e do princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -, reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997); superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
Delineado esse quadro normativo e considerando que (i) se reconhece como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB até 05/03/1997; e (ii) que o formulário de fls. 19/25 comprova que o segurado, no intervalo de tempo de 27.12.1971 a 10.10.1985, ficava exposto a nível de ruído acima do tolerado (superior a 80 db), deve ser reconhecido o labor especial nesse interregno.
Não se pode olvidar que o formulário de fls. 19/25 registra que "possui a empresa laudo pericial avaliando o grau de intensidade" do ruído, tal como exigido pela legislação já vigente à época.
Assim, possível o enquadramento de tal intervalo de tempo como especial, em razão da exposição do segurado a níveis de ruído acima dos limites de tolerância.
A par disso, constata-se que o segurado também fazia jus ao enquadramento da sua atividade como especial nesse período em função da sua exposição a produtos químicos reputados nocivos pelo item 1.2.11 do Decreto 53.831/64 (hidrocarbonetos, ácidos carboxílicos, álcoois, aldeyhydos, cetonas, ésteres, éteres, amidas, aminas, nitrilas e outros tóxicos inorgânicos, cf. fls. 19/25).
Logo, de rigor o enquadramento do labor como especial também sob tal enfoque, conforme se infere da jurisprudência desta Corte:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO PREVISTO NO § 1º ART.557 DO CPC. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. I - Admitidos como especiais os períodos laborados pelo autor como mecânico e operador de produção na FEPASA-FERROVIA PAULISTA S/A, nos períodos de 25.08.1981 a 31.03.1988, 01.04.1988 a 31.08.1988, 01.09.1988 a 01.10.1989, 01.11.1989 a 28.02.1990, 01.03.1990 a 19.05.2000 e 20.05.2000 a 04.10.2005, em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 82/83 decibéis, bem como a agentes químicos (hidrocarbonetos , óleo diesel, gasolina, solventes orgânicos), agentes nocivos à saúde de acordo com os códigos 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto n. 53.831/64 e 1.1.5 e 1.2.10 do Decreto n. 83.080/79. II - Os períodos posteriores a 06.03.1997 foram considerados especiais em razão da exposição do requerente a agentes químicos descritos nos códigos 1.2.11 do Decreto n. 53.831/64 e 1.2.10 do Decreto n. 83.080/79, e não em função do ruído. III - Agravo previsto no § 1º do artigo 557 do CPC, interposto pelo INSS, improvido. (TRF3 DÉCIMA TURMA e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/06/2012 AC 00098322820114039999 AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1609724 DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO) |
Registre-se, ainda, que o próprio INSS reconheceu, no documento de fls. 95/96, que o autor da ação subjacente fazia jus ao enquadramento do período vindicado como especial, sendo oportuna a transcrição de parte da manifestação autárquica:
Da análise da documentação anexada ao V. ofício, doc. no. 3 a no. 9 e no. 132, verifica-se que exposição a um nível de ruído de 80 dB, bem como os produtos químicos utilizados na produção, enquadram-se dentre as atividades amparadas pelo Decreto no. 53.831/64, anexo III, códigos 1.1.6 e 1.21.11, respectivamente. Porém, a condição necessária para que as atividades discriminadas no referido anexo sejam consideradas prejudiciais a saúde e passíveis de enquadramento para fins de aposentadoria especial é que se tenha, por ocasião do requerimento da aposentadoria, um mínimo de 50 (cinquenta) anos de idade. |
Reconhecida especialidade do período de 27.12.1971 a 10.10.1985, deve ser afastado o primeiro óbice arguido pelo INSS no apelo (fls. 160/162) apreciado pelo acórdão rescindendo.
Quanto ao segundo óbice suscitado no apelo do INSS - requisito etário, qual seja, idade mínima de 50 anos -, não há como se acolher a alegação autárquica.
É que, quando o autor da ação subjacente requereu a sua aposentadoria proporcional por tempo de serviço (01.03.1994), vigorava a redação originária dos artigos 52 e 53 da Lei 8.213/91, a qual não exigia idade mínima para a concessão do benefício vindicado:
Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino. |
Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de: |
I - para a mulher: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 25 (vinte e cinco) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço; |
II - para o homem: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço. |
Note-se que a legislação de regência vigente quando do requerimento administrativo (01.03.1994), exigia, para a concessão da aposentadoria proporcional por tempo de serviço, apenas que o segurado do sexo masculino contasse com o mínimo de trinta anos de tempo de serviço.
Logo, não merece acolhida a alegação autárquica, no sentido de que o benefício pleiteado não poderia ser deferido, pelo não atendimento do requisito etário, qual seja, idade mínima de 50 (cinquenta) anos.
Isso é o que se extrai da jurisprudência do C. STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO. REQUISITOS. RGPS. ART. 3º DA EC 20/98. CONCESSÃO ATÉ 16/12/989. DIREITO ADQUIRIDO. REQUISITO TEMPORAL. INSUFICIENTE. ART. 9º DA EC 20/98. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. REGRAS DE TRANSIÇÃO. IDADE E PEDÁGIO. PERÍODO ANTERIOR E POSTERIOR À EC 20/98. SOMATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I - A questão posta em debate restringe-se em definir se é possível a obtenção de aposentadoria proporcional após a vigência da Emenda Constitucional 20/98, sem o preenchimento das regras de transição ali estabelecidas. II - Ressalte-se que as regras aplicáveis ao regime geral de previdência social encontram-se no art. 201 da Constituição Federal, sendo que as determinações sobre a aposentadoria estão em seu parágrafo 7º, que, mesmo após a Emenda Constitucional 20/98, manteve a aposentadoria por idade e a por tempo de serviço, esta atualmente denominada por tempo de contribuição. III - A Emenda Constitucional 20/98 assegura, em seu artigo 3º, a concessão de aposentadoria proporcional aos que tenham cumprido os requisitos até a data de sua publicação, em 16/12/98. IV - No caso do direito adquirido em relação à aposentadoria proporcional, faz-se necessário apenas o requisito temporal, ou seja, 30 (trinta) anos de trabalho no caso do homem e 25 (vinte e cinco) no caso da mulher, requisitos que devem ser preenchidos até a data da publicação da referida emenda. Preenchidos os requisitos de tempo de serviço até 16/12/98 é devida ao segurado a aposentadoria proporcional independentemente de qualquer outra exigência, podendo este escolher o momento da aposentadoria. V - Para os segurados que se encontram filiados ao sistema previdenciário à época da publicação da EC 20/98, mas não contam com tempo suficiente para requerer a aposentadoria - proporcional ou integral - ficam sujeitos as normas de transição para o cômputo de tempo de serviço. Assim, as regras de transição só encontram aplicação se o segurado não preencher os requisitos necessários antes da publicação da emenda. VI - A referida emenda apenas aboliu a aposentadoria proporcional, mantendo-a para os que já se encontravam vinculados ao sistema quando da sua edição, com algumas exigências a mais, expressas em seu art. 9º. VII - O período posterior à Emenda Constitucional 20/98 não poderá ser somado ao período anterior, com o intuito de se obter aposentadoria proporcional, senão forem observados os requisitos dos preceitos de transição, consistentes em idade mínima e período adicional de contribuição equivalente a 20% (vinte por cento), este intitulado "pedágio" pelos doutrinadores. VIII - Não contando a parte-autora com o período aquisitivo completo à data da publicação da EC 20/98, inviável o somatório de tempo de serviço posterior com anterior para o cômputo da aposentadoria proporcional sem observância das regras de transição. IX - Recurso especial conhecido e provido. (STJ QUINTA TURMA RESP 200500186635 RESP - RECURSO ESPECIAL - 722455 GILSON DIPP DJ DATA:14/11/2005) |
Nesse contexto, afastados os dois óbices suscitados pelo INSS em sua apelação - não configuração do labor especial no período de 27.12.1971 a 10.10.1985 e não atendimento do requisito etário (idade mínima de 50 anos) - e sendo incontroverso, tanto no feito subjacente quanto nesta rescisória, que, com o enquadramento como especial do interregno de 27.12.1971 a 10.10.1985, o segurado somava mais de 30 anos de tempo de serviço - considerando o período comum reconhecido na sentença e não impugnado pelo INSS -, forçoso é concluir que o segurado fazia jus à aposentadoria proporcional por tempo de serviço.
Por conseguinte, deve ser restabelecida a sentença de fls. 100/102 que julgara procedente o pedido deduzido, condenando o INSS a conceder-lhe "aposentadoria proporcional por tempo de serviço ao autor, desde 01 de março de 1994, devidamente corrigidas, na forma da lei", mantendo-se, também, a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em "10% (dez por cento) do valor dado à causa na inicial, corrigido desde a data da distribuição".
Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado.
E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
Como a sentença deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, portanto, aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E..
DA SUCUMBÊNCIA
Vencido o INSS, condeno-o ao pagamento da verba honorária, arbitrada em R$1.000,00 (mil reais), nos termos da jurisprudência desta C. Seção e do artigo 85, §8°, do CPC/15.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto por (i) rejeitar a preliminar suscitada; (ii) em iudicium rescindens julgar parcialmente procedente o pedido; e (iii), em sede de iudicium rescissorium julgar procedente o pedido deduzido na ação subjacente nos termos antes delineados; e (iv) condenar o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, nos termos do voto.
É como voto.
Oficie-se ao MM Juízo da 3ª Vara de Guaratinguetá/SP, onde tramitou a ação subjacente, encaminhando-se cópia do acórdão.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal Relatora
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