Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5054250-19.2018.4.03.9999
Data do Julgamento
19/09/2019
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 23/09/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO INTERNO.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. RE 580963.
RATIO DECIDENDI. CRITÉRIO MATEMÁTICO AFASTADO. REPERCUSSÃO GERAL. ACESSO
AOS MÍNIMOS SOCIAIS. BENEFÍCIO INDEVIDO. RECURSO DESPROVIDO.
- A decisão monocrática baseou-se nos termos do RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013, com repercussão geral, segundo o qual a regra do artigo 20, §
3º, da LOAS não pode é taxativa e, por isso, não pode ser reduzida ao critério matemático.
- A regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade,
ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o
objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte
Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).
- E ainda: "(...) Na forma da jurisprudência do STJ, o posterior julgamento do recurso, pelo órgão
colegiado, na via do Agravo Regimental ou interno, tem o condão de sanar qualquer eventual
vício da decisão monocrática agravada...". (STJ, AgInt no AREsp 1113992/MG, AGRAVO
INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0142320-2, Rel. Min. ASSUSETE
MAGALHÃES, T2, Data do Julgamento 16/11/2017, Data da Publicação/Fonte DJe 24/11/2017).
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo
20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com
repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- A despeito do teor do RE n. 580963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
14/11/2013), o benefício não pode ser concedido, porque a família, a despeito das dificuldades
econômicas, tem acesso aos mínimo sociais.
- A ratio decidendi deste RE n. 580963 consiste exatamente em afastar o critério puramente
matemático para a concessão ou denegação do benefício, porque isso engessaria o juiz. É
exatamente com base em tal razão de decidir que aqui o BCP deve ser negado, porque não há
penúria no presente caso.
- O estudo social realizado apontou que a autora reside em imóvel próprio aos fundos da
residência de seu cunhado.Trata-se de casa de três quartos, sala e cozinha juntas e um
banheiro.Forrada, organizada e abastecida com água encanada, rede de esgoto, energia elétrica
e rua asfaltada.A autora mora com o esposo que recebe a remuneração de um salário mínimo e
com o neto (22 anos de idade, que também recebe um salário mínimo exercendo atividade
laborativa no comércio formal local).Concluiu que, o relatório social, que a renda per capita da
família é de R$ 638,00, que não recebem auxílios de entidades assistências nem é beneficiaria
de Programa Social (f. 76/78).A renda do marido deve ser desconsiderada, nos termos do artigo
34, § único, do Estatuto do Idoso. Curioso que, à assistente social, a autora declarou que o
salário do neto (trabalha formalmente em empresa) é para suas despesas pessoais, pois tem o
desejo de cursar uma faculdade e os avós não possuem condições de custear. Todavia, a renda
do neto simplesmente não pode ser desconsiderada, a despeito do artigo 20, § 1º, da LOAS, já
que não se trata de neto menor de idade, mas de adulto que exerce atividade laborativa, usufrui
do teto fornecido pela autora, sem falar em comida e roupa lavada, de maneira que deve
contribuir para as despesas do lar.
- Não satisfação do requisito objetivo (hipossuficiência).
- Agravo interno improvido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5054250-19.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA DO CARMO FERREIRA PELEGRINI
Advogados do(a) APELANTE: SILVIA FONTANA FRANCO - SP168970-N, EDUARDO FABBRI -
SP295838-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5054250-19.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA DO CARMO FERREIRA PELEGRINI
Advogados do(a) APELANTE: SILVIA FONTANA FRANCO - SP168970-N, EDUARDO FABBRI -
SP295838-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Trata-se de agravo interno interposto em
face da decisão monocrática que nos termo do artigo 932, IV, “b”, do CPC, conheceu da apelação
da parte autora e lhe negou provimento.
Requer, o agravante, a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma,
alegando que a parte autora se subsume na condição de pessoa com deficiência. Sustenta
estarem presentes os requisitos objetivo e subjetivo à concessão do benefício assistencial,
cabendo à Turma, e não ao relator monocraticamente, o julgamento do recurso.
Dada ciência ao INSS.
Contraminuta não apresentada.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5054250-19.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARIA DO CARMO FERREIRA PELEGRINI
Advogados do(a) APELANTE: SILVIA FONTANA FRANCO - SP168970-N, EDUARDO FABBRI -
SP295838-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Em tributo à colegialidade e em respeito
à jurisprudência desta Egrégia Nona Turma, conheço do recurso do Ministério Público Federal.
A decisão monocrática baseou-se nos termos do RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013, com repercussão geral, segundo o qual a regra do artigo 20, §
3º, da LOAS não pode é taxativa e, por isso, não pode ser reduzida ao critério matemático.
A regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade, ressaltando-
se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a
mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp
1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).
E ainda: "(...) Na forma da jurisprudência do STJ, o posterior julgamento do recurso, pelo órgão
colegiado, na via do Agravo Regimental ou interno, tem o condão de sanar qualquer eventual
vício da decisão monocrática agravada...". (STJ, AgInt no AREsp 1113992/MG, AGRAVO
INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0142320-2, Rel. Min. ASSUSETE
MAGALHÃES, T2, Data do Julgamento 16/11/2017, Data da Publicação/Fonte DJe 24/11/2017).
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando,
em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF
só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro
Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição
conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93.
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve
o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE
256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São
Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a
presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de
comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª
Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT.,
Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o
requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão
produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes,
DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no
indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita
seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Contudo, a fim de se evitar o descompasso entre a renda per capita ao final obtida e aquela
inicialmente considerada, deverá o titular de benefício de salário mínimo deficiente ou idoso
(artigo 34, § único, do EI e RE 580963) deverá ser excluído do núcleo familiar, consoante
precedentes da TNU.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e
sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da
Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como
absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como
a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a
prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do
artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de
identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem
presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com
educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de
cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis;
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo
são miseráveis;
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser
miseráveis;
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da
Constituição Federal) não são miseráveis.
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda
devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à
noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se
vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano
de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
2.CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência,
faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um
quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93,
estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela
composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em
relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V,
da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser
provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social,
conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em
sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no
artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os
filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência
ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao
analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a
tese que “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar
demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua
manutenção”. A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao
mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93,
conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de
1988, deve ser no sentido de que “a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de
prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade
socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da
subsidiariedade”.
3.SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo
229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá
caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social,
previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido “Estado de bem-estar social”, forjado
no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já
haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a
par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só
deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer – dada a crescente
dificuldade de custeio – a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas
também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um)
salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no
Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários
anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão
privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de
propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais)
da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando
pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o
guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor
dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos.
Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do
conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos
sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o
Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a
dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos
da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade
da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está,
em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in
verbis: “A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não
podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não
incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência
social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social,
frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, salvo o de assistência médica” (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in
Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4.IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n.
8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com
impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas.
5. CASO CONCRETO
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65
(sessenta e cinco) anos.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais.
O estudo social realizado apontou que a autora reside em imóvel próprio aos fundos da
residência de seu cunhado.
Trata-se de casa de três quartos, sala e cozinha juntas e um banheiro.
Forrada, organizada e abastecida com água encanada, rede de esgoto, energia elétrica e rua
asfaltada.
A autora mora com o esposo que recebe a remuneração de um salário mínimo e com o neto (22
anos de idade, que também recebe um salário mínimo exercendo atividade laborativa no
comércio formal local).
Concluiu que, o relatório social, que a renda per capita da família é de R$ 638,00, que não
recebem auxílios de entidades assistências nem é beneficiaria de Programa Social (f. 76/78).
A renda do marido deve ser desconsiderada, nos termos do artigo 34, § único, do Estatuto do
Idoso.
Curioso que, à assistente social, a autora declarou que o salário do neto Ismael (trabalha na loja
“O Barateiro”, em Cândido Mota) é para suas despesas pessoais, pois tem o desejo de cursar
uma faculdade e os avós não possuem condições de custear.
Todavia, a renda do neto simplesmente não pode ser desconsiderada, a despeito do artigo 20, §
1º, da LOAS, já que não se trata de neto menor de idade, mas de adulto que exerce atividade
laborativa, usufrui do teto fornecido pela autora, sem falar em comida e roupa lavada, de maneira
que deve contribuir para as despesas do lar.
Com isso, a despeito do teor do RE n. 580963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe
n. 225, 14/11/2013, que tem repercussão geral), o benefício não pode ser concedido. Mesmo
porque, se o critério da baixa renda não é “taxativo”, pode ser levado em conta tanto para a
concessão quanto para o indeferimento do pleito.
Para além, o estudo social não esclareceu a respeito dos pais do neto, nem se a autora possui
mais filhos, todos eles com o dever familiar de sustento, previsto na Constituição Federal, no
artigo 229 (vide item 2).
A ratio decidendi deste RE n. 580963 consiste exatamente em afastar o critério puramente
matemático para a concessão ou denegação do benefício, porque isso engessaria o juiz. É
exatamente com base em tal razão de decidir que aqui o BCP deve ser negado, porque não há
penúria no presente caso.
Não há falar-se, em tal contexto, de vulnerabilidade social porque a autora tem acesso aos
mínimos sociais.
A propósito, decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de prestação continuada não tem por
fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim,
destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed.
Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).
O BPC não pode ser concedido com base nem em critérios puramente matemáticos de renda,
nem em argumentos lamuriosos, devendo ser investigada a real condição social e econômica do
núcleo familiar. Sob pena de abusos e malversação da função constitucional da assistência
social, que é conceder dignidade a "desamparados" (artigo 6º da CF).
Diante do exposto, conheço do agravo interno e lhe nego provimento.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO INTERNO.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. MISERABILIDADE NÃO COMPROVADA. RE 580963.
RATIO DECIDENDI. CRITÉRIO MATEMÁTICO AFASTADO. REPERCUSSÃO GERAL. ACESSO
AOS MÍNIMOS SOCIAIS. BENEFÍCIO INDEVIDO. RECURSO DESPROVIDO.
- A decisão monocrática baseou-se nos termos do RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013, com repercussão geral, segundo o qual a regra do artigo 20, §
3º, da LOAS não pode é taxativa e, por isso, não pode ser reduzida ao critério matemático.
- A regra do artigo 932, IV e V, do Novo CPC reveste-se de plena constitucionalidade,
ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o
objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte
Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).
- E ainda: "(...) Na forma da jurisprudência do STJ, o posterior julgamento do recurso, pelo órgão
colegiado, na via do Agravo Regimental ou interno, tem o condão de sanar qualquer eventual
vício da decisão monocrática agravada...". (STJ, AgInt no AREsp 1113992/MG, AGRAVO
INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0142320-2, Rel. Min. ASSUSETE
MAGALHÃES, T2, Data do Julgamento 16/11/2017, Data da Publicação/Fonte DJe 24/11/2017).
- Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de prestação
continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n.
6.214/2007 e 7.617/2011.
- A LOAS deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
- O Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo
20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com
repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
14/11/2013).
- A respeito do conceito de família, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e
destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio
artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não
puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade
social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
- A despeito do teor do RE n. 580963 (STF, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225,
14/11/2013), o benefício não pode ser concedido, porque a família, a despeito das dificuldades
econômicas, tem acesso aos mínimo sociais.
- A ratio decidendi deste RE n. 580963 consiste exatamente em afastar o critério puramente
matemático para a concessão ou denegação do benefício, porque isso engessaria o juiz. É
exatamente com base em tal razão de decidir que aqui o BCP deve ser negado, porque não há
penúria no presente caso.
- O estudo social realizado apontou que a autora reside em imóvel próprio aos fundos da
residência de seu cunhado.Trata-se de casa de três quartos, sala e cozinha juntas e um
banheiro.Forrada, organizada e abastecida com água encanada, rede de esgoto, energia elétrica
e rua asfaltada.A autora mora com o esposo que recebe a remuneração de um salário mínimo e
com o neto (22 anos de idade, que também recebe um salário mínimo exercendo atividade
laborativa no comércio formal local).Concluiu que, o relatório social, que a renda per capita da
família é de R$ 638,00, que não recebem auxílios de entidades assistências nem é beneficiaria
de Programa Social (f. 76/78).A renda do marido deve ser desconsiderada, nos termos do artigo
34, § único, do Estatuto do Idoso. Curioso que, à assistente social, a autora declarou que o
salário do neto (trabalha formalmente em empresa) é para suas despesas pessoais, pois tem o
desejo de cursar uma faculdade e os avós não possuem condições de custear. Todavia, a renda
do neto simplesmente não pode ser desconsiderada, a despeito do artigo 20, § 1º, da LOAS, já
que não se trata de neto menor de idade, mas de adulto que exerce atividade laborativa, usufrui
do teto fornecido pela autora, sem falar em comida e roupa lavada, de maneira que deve
contribuir para as despesas do lar.
- Não satisfação do requisito objetivo (hipossuficiência).
- Agravo interno improvido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer do agravo interno e lhe negar provimento, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
