
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5051022-26.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LUIS CARLOS DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE VICENTINI DA CUNHA - SP309740-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5051022-26.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LUIS CARLOS DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE VICENTINI DA CUNHA - SP309740-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência, na forma da Lei Complementar n.º 142/2013, desde a DER.
O juízo a quo julgou improcedente o pedido, sob o fundamento de não ter restado caracterizada a deficiência. Em razão da sucumbência, condenou a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que fixou em 10% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil. No entanto, por expressa previsão legal, o pagamento fica sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderá ser executado se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de hipossuficiência que justificou a concessão de gratuidade da justiça (art. 98, § 3º, Código de Processo Civil).
A parte autora apela, pleiteando a reforma da sentença. Alega, em síntese, que a visão monocular já vem sendo considerada deficiência pela jurisprudência, independentemente da pontuação obtida com a pontuação do IFBrA, razão pela qual a sentença não pode preponderar. Requer a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência desde a data do requerimento administrativo ou do preenchimento dos requisitos, condenando-se o INSS ao pagamento de honorários advocatícios à razão de 15% sobre o valor do débito existente na ocasião do acórdão, e incidência de juros moratórios fixados no percentual de 1% (um por cento) ao mês por sua natureza alimentar, a contar da citação, e correção monetária.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5051022-26.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: LUIS CARLOS DE SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ANDRE VICENTINI DA CUNHA - SP309740-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame das insurgências propriamente ditas, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A Constituição da República, em seu art. 201, § 1.°, na redação dada pela Emenda Constitucional n.° 47/2005, estabeleceu requisitos diferenciados para a concessão de aposentadoria aos "segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar".
A Lei Complementar n.º 142, de 8/5/2013, vigente seis meses após a data de sua publicação, em seu art. 2.º definiu a pessoa com deficiência como "aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
O art. 3° estabeleceu os diferentes tempos de contribuição para os segurados, considerando o gênero e o grau da deficiência (leve, moderada ou grave), delegando ao regulamento a definição de critérios para a apuração dessa deficiência:
Art. 3° É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:
I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;
II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;
III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou
IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar.
O art. 4.°, a seu turno, previu que “a avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do Regulamento”, enquanto o art. 5.º que “o grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim”.
O Decreto n.º 8.145, que alterou o Regulamento da Previdência Social, atribuiu a ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União a definição de critérios específicos para a realização da perícia.
A regulamentação se deu por intermédio da Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU n.º 1, de 27/1/2014, que determinou “o instrumento destinado à avaliação do segurado da Previdência Social e à identificação dos graus de deficiência, bem como define impedimento de longo prazo, para os efeitos do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999”, estabelecendo a necessidade de avaliação médica e funcional, baseada na “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, da Organização Mundial de Saúde, e mediante a aplicação do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria – IFBrA” (art. 2.º, § 1.º).
A Portaria concebeu um sistema de pontos para servir de parâmetro à realização da perícia quando destinada à concessão de aposentadoria às pessoas com deficiência, definindo os graus de deficiência conforme a pontuação obtida:
Deficiência grave - menor ou igual a 5.739 pontos;
Deficiência moderada - maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354 pontos;
Deficiência leve - maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584 pontos;
Insuficiente - maior ou igual a 7.585 pontos.
O IFBrA estabelece “itens de Atividades e Participações da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), que resulta em 41 Atividades divididas em sete Domínios (Sensorial, Comunicação, Mobilidade, Cuidados Pessoais, Vida Doméstica, Educação, Trabalho e Vida Econômica, Socialização e Vida Comunitária)”, prevendo a seguinte escala de pontuação do nível de independência das atividades funcionais:
25 pontos: Não realiza a atividade ou é totalmente dependente de terceiros para realizá-la. Não participa de nenhuma etapa da atividade. Se é necessário o auxílio de duas ou mais pessoas o escore deve ser 25: totalmente dependente.
50 pontos: Realiza a atividade com o auxílio de terceiros. O indivíduo participa de alguma etapa da atividade. Inclui preparo e supervisão. Nesta pontuação sempre há necessidade do auxílio de outra pessoa para a atividade ser realizada: quando alguém participa em alguma etapa da atividade, ou realiza algum preparo necessário para a realização da atividade ou supervisiona a atividade. Nessa pontuação o indivíduo que está sendo avaliado deve participar de alguma etapa da atividade. Supervisão: quando há necessidade da presença de terceiros sem a necessidade de um contato físico. Por exemplo: a pessoa necessita de incentivo, de pistas para completar uma atividade, ou a presença de outra pessoa é necessária como medida de segurança. Preparo: quando há necessidade de um preparo prévio para a atividade ser realizada. Por exemplo, a colocação de uma adaptação para alimentação, colocar pasta na escova de dente.
75 pontos: Realiza a atividade de forma adaptada, sendo necessário algum tipo de modificação ou realiza a atividade de forma diferente da habitual ou mais lentamente. Para realizar a atividade necessita de algum tipo de modificação do ambiente ou do mobiliário ou da forma de execução como por exemplo, passar a fazer uma atividade sentado que antes realizava em pé; ou de alguma adaptação que permita a execução da atividade por exemplo uma lupa para leitura ou um aparelho auditivo. Com as adaptações e modificações não depende de terceiros para realizar a atividade: tem uma independência modificada. Nessa pontuação o indivíduo deve ser independente para colocar a adaptação necessária para a atividade, não dependendo de terceiros para tal.
100 pontos: Realiza a atividade de forma independente, sem nenhum tipo de adaptação ou modificação, na velocidade habitual e em segurança. Não tem nenhuma restrição ou limitação para realizar a atividade da maneira considerada normal para uma pessoa da mesma idade, cultura e educação. Realiza a atividade sem nenhuma modificação, realizando-a da forma e velocidade habitual.
Com a promulgação da Lei n.º 13.146, de 6/7/2015, a saber, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), ficou estabelecido que a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, considerando os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação (art. 2.º, § 1.º, incisos I a IV). Cabe registrar que a exigência de avaliação biopsicossocial ganhou status constitucional, com as alterações promovidas pela EC n.º 103/2019 no art. 201 da Carta Magna.
A aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência é devida ao segurado empregado, inclusive o doméstico, trabalhador avulso, contribuinte individual, facultativo e aos segurados especiais que contribuam facultativamente, de acordo com o disposto no art. 199 e no § 2.º do art. 200 (art. 70-B e parágrafo único, ambos incluídos no RPS pelo Decreto n.º 8.145/13), mantida a exigência da carência de 180 contribuições mensais (art. 25, II, Lei n.º 8.213/91).
De acordo com a Lei Complementar n.º 142/2013, no cálculo dessa modalidade de aposentadoria não incidirá o fator previdenciário, ao menos que, considerado o direito ao benefício mais vantajoso, a sua aplicação resulte favorável ao segurado (art. 9.º, I).
A Lei Complementar n.º 142/2013 prevê, ainda, a situação em que o segurado, após a filiação ao RGPS, se torna pessoa com deficiência ou em que haja mudança no grau de deficiência. Nesses casos, aplica-se a tabela constante do art. 70-E do Decreto n.º 3.048/99 (incluído pelo Decreto nº 8.145/13).
Na hipótese de o segurado tornar-se deficiente, deve ser considerado o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, bem como o grau dessa deficiência.
Conforme disposto no § 1.º do art. 70-E do RGPS, em caso de alteração no grau de deficiência, será considerado o preponderante, qual seja, “aquele em que o segurado cumpriu maior tempo de contribuição, antes da conversão, e servirá como parâmetro para definir o tempo mínimo necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência e para a conversão”.
Importante registrar que o art. 10 da Lei Complementar n.º 142/2013 veda a acumulação da redução nela prevista, “no tocante ao mesmo período contributivo, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.
No entanto, nos termos do § 1.º do art. 70-F do Decreto n.º 3.048/99, é garantida a conversão de tempo de contribuição cumprido em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física do segurado para fins da aposentadoria da pessoa com deficiência, também de acordo com a tabela ali constante, se resultar mais favorável ao segurado.
A EC n.º 103/2019 manteve a possibilidade de lei complementar definir critérios diferenciados de idade e tempo de contribuição para a concessão de aposentadoria em favor dos segurados com deficiência (art. 22).
Por fim, com relação à possibilidade de conversão do tempo comum em qualificado e do qualificado em comum, consoante art. 70-E do Regulamento, registrem-se as considerações de João Batista Lazzari (Direito Previdenciário. Disponível em: Minha Biblioteca, 2a edição, Grupo GEN, 2021, p. 359;. https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530990756/epubcfi/6/36%5B%3Bvnd.vst.idref%3Dhtml16%5D!/4/772/1:53%5Bum%20%2C%5E(ex%5D):
Mesmo após a EC no 103/2019, entendemos que restou mantida a possibilidade de conversão do tempo comum em tempo qualificado e vice-versa, não se aplicando a vedação prevista na novel disposição do § 14 do art. 201: “É vedada a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito de concessão dos benefícios previdenciários e de contagem recíproca”.
Essa conclusão tem 2 fundamentos. Primeiro, porque houve a recepção integral pelo art. 22 da EC no 103/2019 em relação ao disposto na LC no 142/2013, a qual regulamenta a possibilidade de conversão de tempos trabalhados para a concessão das aposentadorias aos segurados com deficiência. E, segundo, porque o art. 25 da EC no 103/2019, ao dispor sobre o tempo ficto trabalhado até a publicação dessa emenda, não menciona o tempo de atividade como deficiente. A restrição está ligada ao tempo especial, trabalhado sob condições prejudiciais à saúde, e aos períodos de tempo de serviço sem o recolhimento da respectiva contribuição.
Esse entendimento foi observado na atualização do RPS pelo Decreto no 10.410/2020, que manteve a redação do art. 70-E, que define as tabelas de conversão.
DO CASO DOS AUTOS
A parte autora alega ser portadora de deficiência, fazendo jus à percepção da aposentadoria na forma da Lei Complementar n.º 142/2013.
Conforme exigido pela legislação, submeteu-se à perícia, a fim de apurar-se a existência e o grau da deficiência (Id. 284455190).
O perito constatou que o autor é portador de amaurose de olho direito (cegueira), causada por trauma sofrido aos 5 anos de idade (acidente com um prego). Concluiu, contudo, que “não está incapaz para o trabalho no momento”, sendo portador de doença não incapacitante, pois sempre trabalhou”. Classificou a deficiência como moderada.
Realizada nova perícia, apresentada a tabela IF-BrA com pontuação correspondente a 4075 pontos, concluindo pela inexistência de incapacidade para realização de suas atividades laborativas habituais e de deficiência para fins de concessão do benefício (Id. 284455290).
O laudo social, por outro lado, ponderou que o demandante continua exercendo atividade laboral, assim como a sua esposa e que não são observadas situações de privação material ou vulnerabilidade social relacionada à condição socioeconômica (Id. 284455361).
A visão monocular, via de regra, não é considerada causa incapacitante para o trabalho, porém vem merecendo proteção nas esferas administrativa e tributária.
Ilustrativo do quanto afirmado, o Enunciado da Súmula 377 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que "O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes".
Encerrando a discussão a esse respeito, a Lei n.º 14.126, de 22 de março de 2021, estabeleceu:
Art. 1º Fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais.
Parágrafo único. O previsto no § 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aplica-se à visão monocular, conforme o disposto no caput deste artigo.
Na mesma ocasião também foi publicado o Decreto n.° 10.654/2021, sobre a avaliação biopsicossocial da visão monocular, por meio de equipe multiprofissional e interdisciplinar, para fins de reconhecimento da condição de pessoa com deficiência.
Dessa forma, por determinação legal, agora se tem por resolvida a questão acerca da existência da deficiência em decorrência de visão monocular, da qual tanto o laudo pericial quanto o estudo social confirmam ser a apelante portadora.
Inegável ter a parte autora enfrentado dificuldades no desempenho das mesmas atividades laborativas que exercia quando ainda possuía visão bifocal e o intuito do legislador ao diminuir o tempo exigido foi justamente compensar as condições desiguais de trabalho da pessoa com deficiência, ainda que de forma proporcional, tendo em vista tratar-se de deficiência superveniente à filiação.
Em tempo ainda muito anterior ao reconhecimento legal da deficiência decorrente da visão monocular, relevantes, ademais, os argumentos trazidos pelo Desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, no julgado que se segue, ao apreciar a existência do direito à percepção de aposentadoria por idade a pessoa com deficiência:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. RESQUISITOS E CRITÉRIOS DIFERENCIADOS. ARTS. 6º E 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO. ARTS. 2º E 3º DA LC 142/2003. GRAUS DE DEFICIÊNCIA. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO AO PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (CONVENÇÃO DE NOVA IORQUE -DECRETO 6.949/2009). MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PROVIMENTO DA APELAÇÃO.
1. A Constituição prevê, desde 2005 (Emenda Constitucional nº 47), a aposentadoria devida aos segurados do RGPS com deficiência, mediante adoção, excepcionalíssima, de requisitos e critérios diferenciados, consoante se extrai do seu art. 201, § 1º, regulado, no plano infraconstitucional, pela Lei Complementar 142/2003.
2. Cuida-se, a toda evidência, de direito de estatura constitucional, assim como o é a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pacto internacional aprovado segundo o rito do art. 5º, § 3, da Constituição, equivalente, portanto, às emendas constitucionais.
3. O Estado brasileiro deu fiel comprimento à obrigação assumida no âmbito internacional (arts. 1º e 28 da Convenção), assim como o legislador complementar, ao editar a LC 142, honrou a promessa do Poder Constituinte ao prever critérios diferenciados para aposentadoria da pessoa com deficiência.
4. Controvérsia que repousa sobre a definição, com apoio em critérios hermenêuticos e diante desse cenário normativo, do que consiste "impedimento de longo prazo" e "qualquer grau de deficiência", dentre outros parâmetros, para fins de determinação do direito no caso concreto.
5. A jurisprudência pacífica, inclusive no âmbito do STJ (Súmula 377), é no sentido de enquadrar o portador de visão monocular como pessoa com deficiência para efeito de reserva de vaga em concurso público. Na seara tributária, o entendimento firmado foi de modo a abranger a cegueira monocular no benefício de isenção do IRPF, seguindo-se a máxima interpretativa segundo a qual onde a lei no não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.
6. No presente caso, não se cuida de benefício por incapacidade, destinado a atender o risco social doença, mas sim de aposentadoria mediante preenchimento de critérios diferenciados para a pessoa com deficiência, com o propósito de cobrir o evento idade avançada. A peculiaridade da aposentadoria por idade da pessoa com deficiência, comparada aos benefícios por incapacidade, é que não nela não há interrupção extraordinária atividade do trabalhador sadio em razão de um sinistro, mas sim o término do curso natural da vida laboral em razão da velhice do segurado que contribuiu longamente com o sistema securitário.
7. Considerando que o legislador previu uma gradação de rigor nos critérios de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição de acordo com a intensidade da deficiência (graus leve, moderado e grave, conforme incisos I, II e III do art. 3º da lei de regência), ao mesmo tempo em que prevê uma modalidade de aposentação por idade, independentemente do grau de deficiência (inciso IV do mesmo dispositivo), penso que a condição do portador de visão monocular revela, ao menos, uma deficiência do tipo "leve". Não há dúvidas de que aquele que é cego de um olho possui algum (qualquer) grau de deficiência.
8. Assim, com a finalidade de manter a coerência argumentativa, à vista dos precedentes mencionados, penso ser razoável a concessão de aposentadoria, de acordo com o critério diferenciado do art. 3º, IV, da LC 142/03, ao portador de visão monocular.
9. A solução atende ao método de interpretação constitucional que recomenda máxima efetividade aos direitos fundamentais, positivado no art. 5º, §§ 3º e 4º, c/cart. 6º, caput, ambos da Lei Maior, a impor que seja atribuído a tais direitos o sentido que lhes dê a maior efetividade possível, com vistas à realização de sua função social. 10. Provimento da apelação para conceder ao autor a aposentadoria à pessoa com deficiência, nos moldes do art. 3º, IV, da LC 142/2003, desde a data da entrada do requerimento, determinando-se a imediata implementação do benefício.
(TRF4, AC 5002776-45.2015.4.04.7005, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 16/12/2016) (grifo)
Com relação à graduação da deficiência, levando-se em conta todos os argumentos do expert para concluir pela sua inexistência, em especial o grau de independência física e intelectual do autor, há que se considerá-la de grau leve, em particular à vista da constatação pericial de que, dentre todos os critérios analisados, prejudicada tão-somente a atividade de observar, cuja pontuação foi de 75/100. Além disso, possui grau técnico em contabilidade e sempre se manteve empregado, sendo o último vínculo como faturista.
A data de início da deficiência deve ser fixada em 20/05/1969, considerado ter tido o olho perfurado aos 5 anos de idade. Assim, a deficiência o acomete desde a sua filiação ao RGPS, em 1987.
Considerando as informações constantes do CNIS e em se tratando de deficiência leve, o autor completou os requisitos para a percepção do benefício, nos termos do art. 3º da Lei Complementar n.º 142/2013, aos 33 anos de contribuição, ou seja, em 23/12/2020.
Reafirmada a DER, portanto, tendo em vista que na data do requerimento administrativo, formulado em 02/05/2018, o demandante ainda não tinha completado tempo de contribuição suficiente.
O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício (23/12/2020). Isso porque, consoante ficou determinado no voto do Recurso Especial Repetitivo nº 1.727.063, “quanto aos valores retroativos, não se pode considerar razoável o pagamento de parcelas pretéritas, pois o direito é reconhecido no curso do processo, após o ajuizamento da ação, devendo ser fixado o termo inicial do benefício pela decisão que reconhecer o direito, na data em que preenchidos os requisitos para concessão do benefício, em diante, sem pagamento de valores pretéritos”.
Quer seja em relação aos juros moratórios, quer seja no tocante à correção monetária, incidente esta desde a data do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Especificamente no que concerne aos juros de mora, considerando a reafirmação da DER, deve ser observado o encaminhamento conferido por ocasião do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo n.º 1.727.063/SP (Tema 995), de que, "no caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirá, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, a serem embutidos no requisitório".
À vista da sucumbência do INSS e do quanto previsto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de julgado ilíquido, o percentual da verba honorária deverá ser fixado a posteriori, com observância tanto ao previsto no inciso II do § 4.º do aludido dispositivo do diploma processual quanto à tese firmada pelo STJ no julgamento do tema 1.076 (REsp 1.850.512/SP), publicada em 31/5/2022, para os casos em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados, ocasião em que assentado pela E. Corte Superior que “apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo”.
Quanto à sua base de cálculo, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos de Controvérsia de n.º 1.883.715/SP, n.º 1.883.722/SP e n.º 1.880.529/SP (Tema n. 1.105), fixou a seguinte tese: “Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios”. Desse modo, o percentual a ser fixado a título de verba honorária deverá incidir sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito da parte autora.
Tratando-se de situação de reforma de sentença e em que a concessão do benefício previdenciário advém do reconhecimento do direito no respectivo acórdão, a base de cálculo dos honorários advocatícios deve abranger o valor da condenação até o presente momento (STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.913.756/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 16/8/2021; REsp n. 1.831.207/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 2/11/2019; AgRg nos EDcl no AREsp n. 155.028/SP, Re. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/10/2012; AgRg no REsp n. 1.557.782/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2015, DJe de 18/12/2015; TRF3, 8.ª Turma, AI n.º 5010007-72.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, j. 04/10/2022).
Não há que se cogitar, na hipótese, de inexistência de pretensão resistida, a afastar a condenação do INSS no pagamento dos honorários advocatícios, porquanto a reafirmação da DER foi requerida desde a exordial, tendo a autarquia, durante todo o curso do processo, impugnado a totalidade da pretensão da parte autora, afirmando a impossibilidade de caracterização da especialidade do labor exercido e o não preenchimento dos requisitos necessários ao deferimento da aposentadoria vindicada, sendo descabido falar-se em reconhecimento da procedência do pedido à luz do fato novo, a eximir o ente previdenciário do pagamento da verba honorária, a teor do decidido no julgamento do REsp nº 1.727.063/SP.
Na hipótese em que o benefício previdenciário objeto do trânsito em julgado é concedido no acórdão que reforma anterior sentença de improcedência, a base de cálculo dos honorários advocatícios deve abranger o valor da condenação vencido até tal momento (STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.913.756/SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 16/8/2021; REsp n. 1.831.207/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 2/11/2019; AgRg nos EDcl no AREsp n. 155.028/SP, Re. Min. Mauro Campbell Marques, j. 18/10/2012; AgRg no REsp n. 1.557.782/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2015, DJe de 18/12/2015; TRF3, 8.ª Turma, AI n.º 5010007-72.2022.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Newton De Lucca, j. 04/10/2022).
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal, assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda, caso caracterizada a sucumbência.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer, para fins previdenciários, a sua deficiência leve e condenar o INSS ao pagamento de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência, desde 23/12/2020, estabelecendo os critérios de incidência de correção monetária e de juros de mora e fixando os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N.º 142/2013. VISÃO MONOCULAR. DEFICIÊNCIA DEFINIDA PELA LEI N.º14.126/21. REQUISITOS CUMPRIDOS. REAFIRMAÇÃO DA DER.
- O art. 201, § 1º, da Constituição da República de 1988, com a redação dada pela EC 47/2005, autoriza a adoção de requisitos e critérios diferenciados para concessão de benefícios previdenciários no RGPS aos segurados com deficiência.
- A Lei Complementar nº 142/2013, que regulamenta a concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do RGPS, definiu a pessoa com deficiência como "aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
- Referida Lei Complementar estabelece como requisitos para a percepção do benefício de aposentadoria por contribuição a prova da condição de deficiente e tempo mínimo de contribuição de acordo com o gênero e o grau de deficiência (grave, moderada ou leve) (art. 3º), delegando ao Poder Executivo a definição dos critérios de apuração.
- O Decreto n.º 8.145 alterou o Regulamento da Previdência Social e atribui a ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos Ministros de Estado da Previdência Social, da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão e do Advogado-Geral da União a definição de critérios específicos para a realização da perícia.
- A Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº1/14 adota a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde-CIF da Organização Mundial de Saúde, em conjunto com o instrumento de avaliação denominado Índice de Funcionalidade Brasileiro aplicado para fins de aposentadoria - IFBra.
- A deficiência anterior à vigência da Lei Complementar n.º 142/2013 deverá ser certificada, inclusive quanto ao seu grau, por ocasião da primeira avaliação, sendo obrigatória a fixação da data provável do início da deficiência (art. 6º, § 1º).
- Na forma do artigo 7º da Lei Complementar n.º 142/2013, se o segurado tornar-se pessoa com deficiência após a filiação ao RGPS ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no artigo 3º serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente.
- Conclusão da perícia médica quanto à inexistência de deficiência superada pelo advento da Lei n.º 14.126 de 22 de março de 2021, que classifica a "visão monocular" como deficiência sensorial, para todos os efeitos legais.
- Embora não especificado, considerando o grau de independência do segurado descrito tanto pela perícia médica quanto pela social, conclui-se tratar de deficiência leve, iniciada na infância.
- Reafirmada a DER, cumpridos os requisitos no dia 23/12/2000, nos termos do art. 3º da Lei Complementar n.º 142/2013, ocasião em que completou 33 anos de contribuição.
- Consectários nos termos constantes do voto.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
