
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006833-78.2010.4.03.6106
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: CLAUNICE FELICIANO DE SOUZA MANTOVANI
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS ALVES PINTAR - SP199051-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LUIS PAULO SUZIGAN MANO - SP228284-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0006833-78.2010.4.03.6106
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: CLAUNICE FELICIANO DE SOUZA MANTOVANI
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS ALVES PINTAR - SP199051-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: LUIS PAULO SUZIGAN MANO - SP228284-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
“DIREITO CONSTITUCIONAL. REGIME DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS INCIDENTE SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 1º-F DA LEI Nº 9.494/97 COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.960/09. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DA UTILIZAÇÃO DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO CRITÉRIO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROPRIEDADE (CRFB, ART. 5º, XXII). INADEQUAÇÃO MANIFESTA ENTRE MEIOS E FINS. INCONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO RENDIMENTO DA CADERNETA DE POUPANÇA COMO ÍNDICE DEFINIDOR DOS JUROS MORATÓRIOS DE CONDENAÇÕES IMPOSTAS À FAZENDA PÚBLICA, QUANDO ORIUNDAS DE RELAÇÕES JURÍDICO-TRIBUTÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA E VIOLAÇÃO À ISONOMIA ENTRE DEVEDOR PÚBLICO E DEVEDOR PRIVADO (CRFB, ART. 5º, CAPUT). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput), no seu núcleo essencial, revela que o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, os quais devem observar os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito; nas hipóteses de relação jurídica diversa da tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto legal supramencionado.
2. O direito fundamental de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII) repugna o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, porquanto a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.
3. A correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação. É que a moeda fiduciária, enquanto instrumento de troca, só tem valor na medida em que capaz de ser transformada em bens e serviços. A inflação, por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal (cf. MANKIW, N.G. Macroeconomia. Rio de Janeiro, LTC 2010, p. 94; DORNBUSH, R.; FISCHER, S. e STARTZ, R. Macroeconomia. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 2009, p. 10; BLANCHARD, O. Macroeconomia. São Paulo: Prentice Hall, 2006, p. 29).
4. A correção monetária e a inflação, posto fenômenos econômicos conexos, exigem, por imperativo de adequação lógica, que os instrumentos destinados a realizar a primeira sejam capazes de capturar a segunda, razão pela qual os índices de correção monetária devem consubstanciar autênticos índices de preços.
5. Recurso extraordinário parcialmente provido” (RE 870.947, Relator Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado pela sistemática da Repercussão Geral em 20.09.17, publicado em 20.11.17).
A eficácia do decidido no referido recurso extraordinário (RE 870.947), foi suspensa, por força de decisão proferida pelo Ministro Luiz Fux, em 24.09.18 (DJe 25.09.18), que deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais.
Posteriormente, em sessão de julgamento realizada em 03.10.19, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, rejeitou todos os embargos de declaração e não modulou os efeitos da decisão anteriormente proferida, nos termos do voto do Ministro Alexandre de Moraes.
Nos temas 491 e 492 do C. STJ, foi firmada a seguinte tese de Recurso Repetitivo:
“Os valores resultantes de condenações proferidas contra a Fazenda Pública após a entrada em vigor da Lei 11.960/09 devem observar os critérios de atualização (correção monetária e juros) nela disciplinados, enquanto vigorarem. Por outro lado, no período anterior, tais acessórios deverão seguir os parâmetros definidos pela legislação então vigente”.
O processo selecionado como paradigma, REsp 1205946/SP, cujo Relator foi o Ministro Benedito Gonçalves foi julgado pela Corte Especial do C. STJ, tendo transitado em julgado em 18.12.19.
No tema 905 do C. STJ, foi firmada a seguinte tese de Recurso Repetitivo:
“1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza.
1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária.
No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário.
1.2 Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão.
A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório.
2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária.
3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação.
(...)
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
(...)
4.Preservação da coisa julgada.
Não obstante os índices estabelecidos para atualização monetária e compensação da mora, de acordo com a natureza da condenação imposta à Fazenda Pública, cumpre ressalvar eventual coisa julgada que tenha determinado a aplicação de índices diversos, cuja constitucionalidade/legalidade há de ser aferida no caso concreto”.
Os processos selecionados como paradigmas, REsp 1495146/MG, 1492221/PR e 1495144/RS, sob a Relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, foram julgados pela Primeira Seção do C. STJ. O trânsito em julgado dos mencionados feitos ocorreram, respectivamente, em 13.09.18, 11.02.20 e 06.02.20.
DO CASO CONCRETO
O v. aresto proferido por esta E. Nona Turma (ID 118057494 - Pág. 130), integrado por embargos de declaração (ID 118057494 - Pág. 144), ao qual se deu parcial provimento, referiu-se ao acórdão (ID 118057494 - Pág. 12), que assim consignou, in verbis:
“A correção monetária das parcelas vencidas incide na forma das Súmulas 08 deste Tribunal, e 148 do STJ, bem como da Lei 6.899/81 e da legislação superveniente, descontando-se eventuais valores já pagos.”
No que se refere à correção monetária dos cálculos em liquidação, uma vez rechaçado, no julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 870.947, o efeito prospectivo da decisão de inconstitucionalidade, inaplicável a Lei nº 11.960/09, devendo ser observado o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Resolução n.º 658/2020 do CJF).
Anote-se que, especificamente, o indigitado Manual estabelece o INPC como índice de correção monetária para ações de natureza previdenciária, a partir de 09/2006, devendo este ser observado na confecção dos cálculos, conforme decidido pelo C. STJ na tese fixada em seu Tema 905.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nos termos do art. 1040, II do CPC, em juízo de retratação, dou parcial provimento ao agravo legal, em maior extensão, para alterar o critério de fixação da correção monetária nos termos da fundamentação.
Após decurso de prazo, retornem-se os autos à Subsecretaria de Feitos da Vice-Presidência desta Egrégia Corte.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. FORMA DE CÁLCULO DA CORREÇÃO MONETÁRIA.
- No que se refere à correção monetária dos cálculos em liquidação, uma vez rechaçado, no julgamento dos embargos de declaração opostos no RE 870.947, o efeito prospectivo da decisão de inconstitucionalidade, inaplicável a Lei nº 11.960/09, devendo ser observado o disposto no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Resolução n.º 658/2020 do CJF).
- Anote-se que, especificamente, o indigitado Manual estabelece o INPC como índice de correção monetária para ações de natureza previdenciária, a partir de 09/2006, devendo este ser observado na confecção dos cálculos, conforme decidido pelo C. STJ na tese fixada em seu Tema 905.
- Agravo interno provido em parte, em maior extensão, nos termos do art. 1040, II do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu, nos termos do art. 1040, II do CPC, em juízo de retratação, dar parcial provimento ao agravo interno, em maior extensão, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
