D.E. Publicado em 30/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença, para julgar parcialmente procedente o pedido inicial e dar por prejudicada à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
Data e Hora: | 22/06/2016 16:06:14 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000871-25.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de ação ajuizada, em 05/03/2015, por Aparecido Donizete Batistela em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando a concessão do benefício de aposentadoria especial retroativo à data do requerimento administrativo (24/10/2014), mediante o reconhecimento da atividade especial de 18/10/1986 a 03/11/1986; 01/04/1992 a 16/05/1994, 25/08/1995 a 23/11/2000, 02/05/2001 a 30/11/2002 e de 02/12/2002 a 31/08/2012. Juntou aos autos os documentos de fls. 17/68.
O INSS ofereceu contestação alegando, em síntese, que o autor requereu o benefício de aposentadoria especial na via administrativa, em 24/10/2014, o qual restou indeferido ante ao não reconhecimento da atividade especial. Alega ausência de laudo técnico contemporâneo ao exercício da atividade especial e uso de EPI eficaz que descaracteriza a insalubridade. Sustenta, ainda, impossibilidade de reconhecimento de atividade especial no período de 06/03/1997 a 19/11/2003, pois o ruído está abaixo do mínimo legal, bem como inexistência de prova documental para o período posterior a 06/03/1997. Alega, por fim, que pela análise do PPP juntado aos autos é possível concluir que o apelante não trabalhou em atividade especial, pois ausente fonte de custeio. Pugna pela improcedência do pedido.
Réplica às fls. 87/95.
Às partes foram intimadas para especificação das provas que produziriam (fls. 67, 81/84).
O INSS requereu o julgamento antecipado da lide (fls. 96). O autor nada requereu.
O Juízo a quo, em 28/07/2015, (fls. 97/99) indeferiu a petição inicial por ser inepta e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, I, do Código de Processo Civil revogado.
O autor apelou alegando que os documentos juntados com a petição inicial comprovam a atividade especial requerida, bem como que todos os períodos laborativos constam da CTPS. Requer a procedência do pedido com a condenação do INSS ao pagamento da aposentadoria especial.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Verifica-se que houve o indeferimento da petição inicial, fundamentada na inépcia.
Data vênia, os fundamentos utilizados pelo Juízo "a quo" para indeferir a petição inicial não se coadunam com os princípios da instrumentalidade das formas, da celeridade, da economia e da efetividade processual.
Saliente-se, ainda, em conformidade com a jurisprudência pacificada no E. Superior Tribunal de Justiça, que todo vício de compreensão na peça exordial é passível de correção pela via da emenda da petição inicial, mesmo após o oferecimento da contestação. Precedentes (Precedentes: REsp nº 674215/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ de 20.11.2006; REsp nº 425140/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 25.09.2006; REsp 101013/CE, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 18.08.2003 [...]. III - Agravo regimental improvido. (BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no AgRg no REsp 628463/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 29/03/2007).
Portanto, caberia ao juiz sentenciante, ao receber a petição inicial examinar seus requisitos legais e determinar, desde logo, a sua regularização no prazo de dez dias. Somente na hipótese de o autor não sanar a irregularidade detectada, proceder à extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 284 e parágrafo único do CPC vigente à época, atual art. 321 do NCPC.
O oferecimento da contestação não obsta a possibilidade de emenda, pois a correção da inépcia relativa ao bem da vida não acarretaria modificação do pedido ou da causa de pedir. Até porque, o INSS seria intimado para se pronunciar sobre o esclarecimento do pedido, assegurando-se, dessa forma, o contraditório e a ampla defesa, não havendo prejuízo ou nulidade (art. 244 do CPC/1973, atual art. 277 do NCPC).
Caso houvesse inovação do pedido ou da causa de pedir incidiria o controle judicial para preservar a estabilidade da demanda.
Dessa forma, em que pese a petição inicial não aponte com clareza o pedido, pela narrativa feita pelo autor e os documentos juntados é possível extrair-se o pedido, qual seja, reconhecimento de tempo especial e concessão de aposentadoria retroativa à data do requerimento administrativo.
A extinção do processo sem resolução do mérito não obsta a que o autor intente nova ação, uma vez que a lide não foi solucionada (art. 268 do CPC, atual art. 486 do NCPC). Contudo, essa não é a solução mais adequada e vai de encontro com os princípios que informa a economia processual e a instrumentalidade do processo civil.
No caso dos autos, o autor juntou com a petição inicial cópias da sua CTPS constando anotações dos vínculos empregatícios alegados em juízo e dos respectivos empregadores. No tocante à atividade especial juntou Perfil Profissiográfico Previdenciário, também com a indicação dos empregadores, dos períodos e do cargo exercido, o que permitiu a defesa do INSS, que, saliente-se, não alegou nenhuma inépcia, não se verificando, assim, nenhum prejuízo à sua defesa, inclusive, juntou aos autos a prova do requerimento administrativo e o motivo do indeferimento.
Nesse sentido:
No mesmo sentido, esclarecem Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery: "Compreensão da inicial. Nada obstante confusa e imprecisa, se a petição inicial permitiu a avaliação do pedido e possibilitou a defesa e o contraditório, não é de considerar-se inepta (JTJ 141/37)" (Código de Processo Civil comentado, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 575).
Dessa forma, a petição inicial somente poderia ser indeferida, caso houvesse recusa do autor à emenda determinada pelo juiz, o que não é o caso dos autos.
Portanto, preenchidos os requisitos elencados no art. 282 do CPC revogado, atual art. 319 do NCPC, afasto a inépcia da petição inicial.
A sentença é nula. Todavia, não é caso de devolução dos autos à Vara de origem para novo julgamento, devendo ser aplicado o disposto no art. 515, § 3º, do CPC revogado, atual art. 1013, § 3º, do NCPC, uma vez que o réu já apresentou sua contestação (fls. 74/79), requerendo a improcedência do pedido, ante a não comprovação pelo autor, do efetivo exercício da atividade especial, bem como o autor no seu recurso sustenta que faz jus ao benefício de aposentadoria especial e que a prova da atividade especial e de todo o período laborativo já se encontra nos autos, inclusive, porque foi dada a oportunidade de especificação das provas a serem produzidas e o autor nada requereu.
Passo ao exame da atividade especial.
No que tange à atividade especial, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou orientação no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é aquela vigente no tempo em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente desenvolvida.
No caso dos autos, deve ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, até 05/03/1997 e, após, pelo Decreto n. 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de serviço para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95.
O art. 58 da Lei 8.213/91, em sua redação original determinava que:
Com a edição da Medida Provisória 1.523/96 o dispositivo legal supra transcrito passou a ter a redação abaixo transcrita, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º:
Anoto que tanto na redação original do art. 58 da Lei. 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória 1.523/96 (reeditada até a MP. 1.523-13 de 23/10/1997 - republicado na MP 1.596-14, de 10/11/97 e convertida na Lei 9.528, de 10/12/1997), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação somente foi definida com a edição do Decreto 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e Anexo IV).
Todavia, o posicionamento desta 10ª Turma, é no sentido de que em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei 9.528, de 10/12/1997, razão pela qual, salvo quanto aos agentes físicos ruído e calor, a exigência de laudo técnico para a comprovação das condições adversas de trabalho somente passou a ser de exigência legal a partir de 11/12/1997, nos termos da Lei 9.528/97, que alterou a redação do § 1º do artigo 58 da Lei nº 8.213/91. Neste sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça: REsp nº 422616/RS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 02/03/2004, DJ 24/05/2004, p. 323; REsp nº 421045/SC, Relator Ministro Jorge Scartezzini, j. 06/05/2004, DJ 28/06/2004, p. 382.
A respeito do agente físico ruído, a Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sessão de julgamento realizada em 14/05/2014, em sede de recurso representativo da controvérsia (Recurso Especial Repetitivo 1.398.260/PR, Rel. Min. Herman Benjamin), firmou orientação no sentido de que o nível de ruído que caracteriza a insalubridade para contagem de tempo de serviço especial deve ser superior a 80 (oitenta) decibéis até a edição do Decreto nº 2.171/1997, de 05/03/1997, superior a 90 (noventa) decibéis entre a vigência do Decreto nº 2.171/1997 e a edição do Decreto nº 4.882/2003, de 18/11/2003, e após a entrada em vigor do Decreto nº 4.882/2003, ou seja, a partir de 19/11/2003, incide o limite de 85 (oitenta e cinco) decibéis, considerando o princípio tempus regit actum.
Para comprovar a alegada atividade especial o autor juntou aos autos cópias da CTPS e Perfil Profissiográfico Previdenciário (fls. 27/65).
Com relação às alegações do INSS, anoto que o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividade sob condições especiais, fazendo as vezes do laudo técnico.
Ressalte-se que o fato de os PPP's terem sido elaborados posteriormente à prestação do serviço, não afasta a validade de suas conclusões, vez que tal requisito não está previsto em lei e a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
Ademais, as conclusões contidas nos laudos ambientais estão em conformidade com o local e a profissão exercida pelo requerente, daí porque tais informações estão aptas à formação da convicção do magistrado quanto ao exercício de atividade sob condições especiais no período reconhecido.
A propósito, enfrentando a questão relativa a não contemporaneidade do laudo pericial à prestação laboral, a E. Décima Turma desta Corte Regional assim decidiu:
Anoto, ainda, que deve ser desconsiderada a informação de utilização do EPI quanto ao reconhecimento de atividade especial dos períodos até a véspera da publicação da Lei 9.732/98 (13/12/1998), conforme o Enunciado nº 21, da Resolução nº 01 de 11/11/1999 e Instrução Normativa do INSS nº07/2000. Ademais, a discussão quanto à sua utilização ou não, no caso em apreço, é despicienda, uma que o autor esteve exposto durante o período reconhecido acima, ao agente nocivo ruído, cujos efeitos agressivos não são neutralizados pelos tipos de equipamentos de proteção individual atualmente disponíveis, conforme já pacificado pelo C.STF (ARE 664335/SC, Julgamento: 04/12/2014, Publicação: DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015).
Nos termos constantes do PPP (fls. 58/59), no período de 07/10/1986 a 03/11/1989, o autor trabalhou para a empresa Berg-Steel S/A - Fábrica Brasileira de Ferramentas, e ficou exposto de forma habitual e permanente ao agente físico ruído com intensidade de 80 decibéis, além de químico (hidrocarbonetos aromáticos).
De 01/04/1992 a 16/05/1994, trabalhou para a empresa Torque Sociedade Anônima, no setor de Caldeiraria, na função de auxiliar de montador, ficando exposto a ruído de 94 decibéis (fls. 62/63).
Por sua vez, no período de 25/08/1995 a 04/03/1997, exerceu as funções de auxiliar de produção e abastecedor, tendo ficado exposto, de forma habitual e permanente, durante toda a jornada de trabalho a ruído de 83 decibéis (fls. 64/65).
Para os demais períodos não há como reconhecer a atividade especial somente com base nas anotações da CTPS. Também não é caso de converter o feito em diligência para juntada de laudo técnico, pois o autor insiste no seu recurso que a prova da atividade especial é apenas a constante dos autos. Além do mais, lhe foi oportunizada a produção de prova quando do saneamento do feito, com a intimação do autor (fls. 81), que nada requereu.
Assim, pelas provas constantes dos autos somente é possível o reconhecimento da atividade especial nos períodos de 07/10/1986 a 03/11/1989, 01/04/1992 a 16/05/1994 e de 25/08/1995 a 04/03/1997, uma vez que encontra classificação, nos termos dos códigos 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, códigos 1.1.5 e 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e códigos 2.0.1 e 1.0.19, do Anexo IV do Decreto 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.882/2003.
Vale lembrar que a aposentadoria especial prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, pressupõe o exercício de atividade considerada especial pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, e, cumprido esse requisito o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC nº 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, assim como não se submete ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91.
Assim, são especiais os interregnos de 07/10/1986 a 03/11/1989, 01/04/1992 a 16/05/1994 e de 25/08/1995 a 04/03/1997, que até a data do requerimento administrativo (24/10/2014), somam tempo insuficiente à pretendida aposentadoria especial.
Também não é caso de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição pelo somatório da atividade especial em comum, nos períodos de 07/10/1986 a 03/11/1989, 01/04/1992 a 16/05/1994 e de 25/08/1995 a 04/03/1997, acrescida aos demais períodos constantes da CTPS (24/07/1981 a 09/01/1983, 02/07/1984 a 31/10/1984, 22/01/1990 a 26/10/1990, 03/10/1990 a 20/12/1991, 05/03/1997 a 23/11/2000, 02/05/2001 a 30/11/2002 e de 02/12/2002 a 14/07/2012), pois o autor soma até a data do requerimento administrativo, 28 anos, 1 mês e 13 dias de tempo de serviço.
Os honorários advocatícios devem ser compensados ante a sucumbência recíproca, tendo em vista que o recurso foi interposto na vigência do art. 21 do CPC revogado e a teor do disposto no Enunciado 7 das diretrizes para aplicação do Novo CPC aos processos em trâmite, elaboradas pelo STJ na sessão plenária de 09/03/2016.
Diante do exposto, ANULO DE OFÍCIO A SENTENÇA E, NOS TERMOS DO ARTIGO 515, § 3º, DO CPC REVOGADO, ATUAL ARTIGO 1.013, § 3º, DO NCPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO DECLARATÓROIO para reconhecer como especiais apenas os períodos de 07/10/1986 a 03/11/1989, 01/04/1992 a 16/05/1994 e de 25/08/1995 a 04/03/1997. Julgo improcedente o pedido de aposentadoria especial. Apelação da parte autora prejudicada. Ante a sucumbência recíproca cada uma das partes arcará com as despesas que efetuou, inclusive verba honorária de seus respectivos patronos, nos termos do art. 21 do Código de Processo Civil/1973.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA:10063 |
Nº de Série do Certificado: | 1B1C8410F7039C36 |
Data e Hora: | 22/06/2016 16:06:18 |