Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA / SP
5013068-13.2018.4.03.6100
Relator(a)
Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
06/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/05/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. EXTENSÃO DO JUÍZO DE RETRATAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO MATERNIDADE. TESE FIRMADA EM SISTEMA DE
PRECEDENTES. UNIFICAÇÃO DO DIREITO.
- Decorrente do sistema de precedentes adotado pela ordem constitucional e pela legislação
processual civil, o juízo de retratação tem a extensão da divergência constatada entre o
julgamento proferido pelas instâncias recursais ordinárias e as teses definidas pelas instâncias
competentes. Por esse motivo, e em favor da unidade do direito e da pacificação dos litígios e da
otimização da prestação jurisdicional, o novo julgamento deve se ater ao objeto dessa divergência
(incluídos os aspectos dela obrigatoriamente derivados ou inevitavelmente conexos), respeitados
os mandamentos constitucionais e legais do processo.
- No caso dos autos, no âmbito de recurso extraordinário interposto pela impetrante, os autos
foram devolvidos a esta Turma pela Vice-Presidência desta E. Corte Federal, para verificação da
pertinência de se proceder a um juízo positivo de retratação tendo em vista o julgamento, pelo
E.STF, do RE nº 576.967/PR, fixando a tese de que “É inconstitucional a incidência da
contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade” (Tema 72).É
imperativo que a decisão recorrida seja ajustada, em favor da unificação do direito e da
celeridade processual.
- Em 04/08/2020, no RE 576967 (Tema 72), o E.STF afirmou a inconstitucionalidade da incidência
de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §2º, e na parte
final do seu § 9º, “a”, da mesma Lei nº 8212/1991, porque a trabalhadora se afasta de suas
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
atividades e deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador durante o período em
que está fruindo o benefício, e também porque a imposição legal resulta em nova fonte de custeio
sem cumprimento dos requisitos do art. 195, §4º da Constituição.
- Apelação da impetrante parcialmente provida para afastar a incidência de contribuição
previdenciária sobre o salário-maternidade, reconhecido o direito à compensação, nos termos da
fundamentação, e fixada a sucumbência recíproca, sem honorários.
- Juízo de retratação positivo.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5013068-13.2018.4.03.6100
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: TECNOFRIS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA
Advogado do(a) APELANTE: SANDRA REGINA FREIRE LOPES - SP244553-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5013068-13.2018.4.03.6100
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: TECNOFRIS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA
Advogado do(a) APELANTE: SANDRA REGINA FREIRE LOPES - SP244553-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de
apelação interposta pela impetrante em face de sentença que denegou a segurança. Pleitearam
em seu recurso a reforma da sentença para declarar “o direito da ora Apelante a não ser
compelida - face a INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA – ao recolhimento
da contribuição social previdenciária e parafiscais pretensamente incidente sobre valores pagos
em situações em que não há remuneração por serviços prestados (de modo efetivo ou
potencial), quais sejam, os referentes ao adicional por horas extras; adicional noturno; férias e
férias pagas no mês anterior; descanso semanal remunerado e seus reflexos; salário
maternidade e 13º salário e 13º salário indenizado (na rescisão), autorizando a Apelante a
compensar os valores indevidamente recolhidos nos últimos cinco anos anteriores à propositura
da presente Ação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a quaisquer tributos
ou contribuições administrados pela Receita Federal do Brasil, em especial com as
contribuições arrecadadas ao INSS, como as patronais incidentes sobre a folha de salário, sem
as limitações do artigo 170-A do CTN, atualizando-se o indébito com a aplicação dos mesmo
índices de correção monetária e juros aplicados pela Apelada quando da cobrança de seus
créditos”.
O apelo das impetrantes foi improvido por unanimidade pela Segunda Turma (ID 134196281).
A impetrante interpôs Recursos Especial e Extraordinário, bem como foram apresentadas
contrarrazões pela União.
Foi determinado o sobrestamento do feito, pela Vice-Presidência, até a publicação do acórdão
de mérito a ser proferido nos autos do Recurso Extraordinário nº 576.967/PR (ID 143188728).
A impetrante interpôs embargos de declaração em face da decisão de sobrestamento que, ao
serem apreciados, a Vice-Presidência determinou a devolução dos autos à Turma Julgadora,
para verificação da pertinência de se proceder a um juízo positivo de retratação na espécie,
tendo em vista o julgamento do RE nº 576.967/PR – Tema 72, decidido sob a sistemática de
repercussão geral da matéria.
É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº5013068-13.2018.4.03.6100
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: TECNOFRIS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA
Advogado do(a) APELANTE: SANDRA REGINA FREIRE LOPES - SP244553-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Decorrente do
sistemadeprecedentes adotado pela ordem constitucional e pela legislação processual civil, o
juízo de retratação tem a extensão da divergência constatada entre o julgamento proferido
pelas instâncias recursais ordinárias e as teses definidas pelas instâncias competentes. Por
esse motivo, e em favor da unidade do direito e da pacificação dos litígios e da otimização da
prestação jurisdicional, o novo julgamento deve se ater ao objeto dessa divergência (incluídos
os aspectos dela obrigatoriamente derivados ou inevitavelmente conexos), respeitados os
mandamentos constitucionais e legais do processo.
No caso dos autos, no âmbito de recurso extraordinário interposto pela impetrante, a Vice-
Presidência deste E.TRF devolveu os autos a esta Turma para verificação da pertinência de se
proceder a um juízo positivo de retratação, tendo em vista o julgamento do RE nº 576.967/PR,
decidido sob a sistemática de repercussão geral da matéria.
Nesse julgamento, o E.STF assim decidiu:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
REPERCUSSÃO GERAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR.
INCIDÊNCIA SOBRE O SALÁRIO - MATERNIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E
MATERIAL.
1. Recurso extraordinário interposto em face de acórdão do TRF da 4ª Região, que entendeu
pela constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária “patronal” sobre o salário-
maternidade.
2. O salário-maternidade é prestação previdenciária paga pela Previdência Social à segurada
durante os cento e vinte dias em que permanece afastada do trabalho em decorrência da
licença-maternidade. Configura, portanto, verdadeiro benefício previdenciário.
3. Por não se tratar de contraprestação pelo trabalho ou de retribuição em razão do contrato de
trabalho, o salário-maternidade não se amolda ao conceito de folha de salários e demais
rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título à pessoa física que lhe preste
serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Como consequência, não pode compor a base de
cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador, não encontrando fundamento no
art. 195, I, a, da Constituição. Qualquer incidência não prevista no referido dispositivo
constitucional configura fonte de custeio alternativa, devendo estar prevista em lei
complementar (art. 195, §4º). Inconstitucionalidade formal do art. 28, §2º, e da parte final da
alínea a, do §9º, da Lei nº 8.212/91.
4. Esta Corte já definiu que as disposições constitucionais são legitimadoras de um tratamento
diferenciado às mulheres desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais e atenda
ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças. No entanto, no presente
caso, as normas impugnadas, ao imporem tributação que incide somente quando a
trabalhadora é mulher e mãe cria obstáculo geral à contratação de mulheres, por questões
exclusivamente biológicas, uma vez que torna a maternidade um ônus. Tal discriminação não
encontra amparo na Constituição, que, ao contrário, estabelece isonomia entre homens e
mulheres, bem como a proteção à maternidade, à família e à inclusão da mulher no mercado de
trabalho. Inconstitucionalidade material dos referidos dispositivos.
5. Diante do exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar, incidentalmente,
a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-
maternidade, prevista no art. art. 28, §2º, e da parte final da alínea a, do §9º, da Lei nº 8.212/91,
e proponho a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional a incidência de contribuição
previdenciária a cargo do empregador sobre o salário- maternidade”.
(RE 576967, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020,
PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-254 DIVULG 20-10-2020
PUBLIC 21-10-2020)
Nesse referido RE nº 576.967/PR, o E.STF firmou a seguinte Tese no Tema 72: “É
inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o
salário maternidade".
É imperativo que a decisão recorrida seja ajustada, em favor da unificação do direito e da
celeridade processual.
A lide posta nos autos versa sobre a interpretação dos conceitos constitucionais de
empregador, trabalhador, folha de salários, e demais rendimentos do trabalho, e ganhos
habituais, expressos no art. 195, I e II, e art. 201, § 4º, ambos do ordenamento de 1988 (agora,
respectivamente, no art. 195, I, “a”, e II, e art. 201, § 11, com as alterações da Emenda
20/1998).
Para se extrair o comando normativo contido em dispositivo da Constituição Federal relativo à
Seguridade Social, vários elementos e dados jurídicos devem ser considerados no contexto
interpretativo, dentre os quais a lógica o caráter contributivo em vista da igualdade e da
solidariedade no financiamento do sistema de seguro estruturado no Regime Geral de
Previdência Social (RGPS).
Para o que importa ao presente recurso, os conceitos constitucionais de empregador,
trabalhador, folha de salários, rendimentos do trabalho e ganhos habituais gravitam em torno de
pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência
deste e mediante salário, inserindo-se no contexto do art. 3º da Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT). Portanto, havendo relação de emprego, é imperioso discutir se os valores
pagos se inserem no âmbito constitucional de salário, demais rendimentos do trabalho e ganhos
habituais.
Salário é espécie do gênero remuneração paga em decorrência de relação de emprego
tecnicamente caracteriza (marcada pela subordinação). O ordenamento constitucional de 1988
emprega sentido amplo de salário, de modo que está exposta à incidência de contribuição tanto
o salário propriamente dito quanto os demais ganhos habituais do empregado, pagos a
qualquer título (vale dizer, toda remuneração habitual, ainda que em montantes variáveis). Essa
amplitude de incidência é manifesta após a edição da Emenda 20/1998, que, introduzindo o art.
195, I, “a”, da Constituição, previu contribuições para a seguridade exigidas do empregador, da
empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e
demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe
preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Essa amplitude se verifica também em
relação a essa exação exigida do trabalhador e dos demais segurados da previdência social,
em conformidade com o art. 195, II, da Constituição (tanto na redação da Emenda 20/1998
quanto na da Emenda 103/2019).
Além disso, a redação originária do art. 201, § 4º, da Constituição de 1988, repetida no art. 201,
§ 11 do mesmo ordenamento (com renumeração dada pela Emenda 20/1998, prevê que a
previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de
filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, sendo
que “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para
efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na
forma da lei.”
Portanto, o texto constitucional confiou à União Federal amplo campo de incidência para
exercício de sua competência tributária, compreendendo o conjunto das verbas remuneratórias
habituais (ou seja, salários e demais ganhos), o que por si só não se traduz em exigência
tributária concreta, uma vez que caberá à lei ordinária estabelecer a hipótese de incidência hábil
para realizar as necessárias imposições tributárias, excluídas as isenções que a própria
legislação estabelecer.
Porém, nem tudo o que o empregador paga ao empregado pode ser tributado como salário ou
rendimento do trabalho, pois há verbas que não estão no campo constitucional de incidência (p.
ex., por terem natureza de indenizações), além das eventuais imunidades previstos pelo
sistema constitucional.
Atualmente, a conformação normativa da imposição das contribuições patronais para o sistema
de seguridade está essencialmente consolidada na Lei 8.212/1991 (notadamente em seu art.
22), muito embora demais diplomas normativos sirvam para a definição e alcance da legislação
tributária (art. 109 e art. 110 do CTN), dentre ele os recepcionados arts. 457 e seguintes da
CLT, prevendo que a remuneração do empregado compreende o salário devido e pago
diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber, e
demais remunerações. É verdade que o art. 457-A, da CLT (introduzido pela MP 905/2019)
estabelece que gorjetas não são receitas do empregador, mas ainda assim estão no conteúdo
amplo de salário estabelecido pela pelo art. 195, I, “a”, e II, Constituição para a incidência de
contribuições previdenciárias (patronais e do trabalhador).
Para fins trabalhistas (que repercutem na área tributária em razão do contido no art. 110 do
CTN), integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões,
percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.
O meio de pagamento da remuneração pode ser dinheiro, alimentação, habitação, vestuário ou
outras prestações “in natura” que o empregador utilizar para retribuir o trabalho do empregado,
desde que o faça habitualmente (vedadas as bebidas alcoólicas e demais drogas).
Embora pessoalmente admita a possibilidade de a natureza jurídica de certas verbas não
estarem inseridas no conceito de salário em sentido estrito, estaremos diante de verba salarial
em sentido amplo quando se tratar de pagamentos habituais decorrentes da relação de
emprego, abrigado pelo art. 195 e pelo art. 201 da Constituição (nesse caso, desde sua
redação originária) para a imposição de contribuições previdenciárias. E tudo o que foi dito em
relação à incidência de contribuição previdenciária se aplica ao adicional dessa mesma exação
calculado pelo segundo o regramento do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e dos Riscos
Ambientais de Trabalho (RAT).
À evidência, não há que se falar em exercício de competência residual, expressa no § 4º do art.
195, da Constituição, já que a exação em tela encontra conformação na competência originária
constante desde a redação originária do art. 195, I, e do art. 201, ambos do texto de 1988 (não
alterados nesse particular pela Emenda 20/1998 ou pela Emenda 103/2019).
O E.STF, no RE 565160, Pleno, v.u., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/03/2017, firmou a seguinte
Tese no Tema 20: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais
do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998”. Nesse RE
565160, o Pretório Excelso cuidou da incidência de contribuição previdenciária sobre adicionais
(de periculosidade e insalubridade), gorjetas, prêmios, adicionais noturnos, ajudas de custo e
diárias de viagem (quando excederem 50% do salário recebido), comissões e quaisquer outras
parcelas pagas habitualmente (ainda que em unidades), previstas em acordo ou convenção
coletiva ou mesmo que concedidas por liberalidade do empregador não integrantes na definição
de salário, afirmando o sentido amplo de salário e de rendimento do trabalho.
Por sua vez, o art. 28, § 9º, da Lei 8.212/1991 traz rol de situações nas quais a contribuição ora
em tela não é exigida, contudo, sem apresentar rigoroso critério distintivo de hipóteses de não
incidência (p. ex., por se tratar de pagamento com natureza indenizatória) ou de casos de
isenção (favor fiscal). Por óbvio, o efeito prático de verba expressamente indicada nesse
preceito legal é a desoneração tributária, o que resulta na ausência de interesse de agir (salvo
se, ainda assim, o ente estatal resistir à legítima pretensão do contribuinte).
É verdade que o total das remunerações pagas pelo empregador está sujeita não só a
contribuições previdenciárias mas também a outras incidências escoradas em fundamentos
constitucionais e legais diversos. A esse respeito, emergem contribuições sociais gerais (tais
como salário-educação) e também contribuições de intervenção no domínio econômico (como a
exação devida ao SEBRAE), denominadas resumidamente como contribuições “devidas a
terceiros” ou ainda ao “Sistema S”.
Embora cada uma dessas imposições tributárias tenha autonomia normativa, todas estão na
competência tributária da União Federal, que as unificou para fins de delimitação da base
tributável. Além de previsões específicas (p. ex., na Lei 2.613/1955, na Lei 9.424/1996 e na Lei
9.766/1999), essa unificação está clara na Lei 11.457/2007 e em atos normativos da
administração tributária (notadamente no art. 109 da IN RFB 971/2009, com alterações e
inclusões, em especial pela IN RFB 1.071/2010), razão pela qual as conclusões aplicáveis às
contribuições previdenciárias também são extensíveis às exações “devidas a terceiros” ou
“Sistema S”.
No caso dos autos, e para os efeitos do juízo de retratação, discute-se a incidência de
contribuições sobre pagamentos efetuados a título de Salário-maternidade.
Houve importante controvérsia sobre a natureza salarial da licença-maternidade e da licença
paternidade, sobre a qual a orientação jurisprudencial inicialmente se firmou no sentido da
validade da incidência de contribuições sobre a folha de pagamentos por considerar que essa
verba tinha conteúdo remuneratório. A esse respeito, o E.STJ, no REsp 1.230.957-RS, firmou a
seguinte Tese no Tema nº 739: “O salário-maternidade possui natureza salarial e integra,
consequentemente, a base de cálculo da contribuição previdenciária”.
Contudo, em 04/08/2020, julgando o RE 576967, o E.STF se posicionou pela
inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade,
prevista no art. 28, §2º, e na parte final do seu § 9º, “a”, da mesma Lei nº 8.212/1991, sob o
fundamento de que, durante o período de licença, a trabalhadora se afasta de suas atividades e
deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador, de tal modo que esse benefício
não compõe a base de cálculo da contribuição social sobre a folha salarial, não bastando para
tanto o simples fato de a mulher continuar a constar formalmente na folha de salários
(imposição decorrente da manutenção do vínculo trabalhista). Nesse mesmo RE 576967, o
E.STF concluiu que a exigência do art. 28, §2º da Lei nº 8.212/1991 não cumpre os requisitos
para imposição de nova fonte de custeio da seguridade social exigidos pelo art. 195, §4º da
Constituição, fixando a seguinte Tese no Tema 72: “É inconstitucional a incidência de
contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade”.
Embora guarde reservas quanto à amplitude de algumas desonerações acima identificadas
ante ao teor das disposições constitucionais que regem o tema litigioso, curvo-me à
jurisprudência aludida em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, razão pela
qual o pedido dos autos tem pertinência.
Não é cabível a regra do art. 166 do CTN já que as contribuições previdenciárias não são
tributos indiretos ou não-cumulativos, dado que inexiste transferência econômica e jurídica da
exação a exemplo do que ocorre com o IPI e o ICMS e com algumas modalidades de PIS e de
COFINS.
Observada a prescrição quinquenal (art. 168 do CTN, na interpretação dada pelo E.STF no RE
566621/RS, e pelo E.STJ no REsp 1269570/MG), emerge o direito à recuperação do indébito
devidamente comprovado por documentação que vier a ser acostada aos autos em fase de
execução, ou for apresentada ao Fisco nos moldes de pedido de compensação viabilizado na
via administrativa (conforme firmado em tema semelhante na Primeira Seção do E.STJ, REsp
1.111.003/PR, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 25/05/2009). Esses valores deverão ser
acrescidos de correção monetária e de juros conforme critérios indicados no Manual de
Cálculos da Justiça Federal.
Ainda na esteira do entendimento consolidado pela Primeira Seção do E.STJ (REsp
1.137.738/SP, Rel. Min. Luiz Fux, v. u., DJe: 01/02/2010), as regras para recuperar o indébito
são as vigentes no momento do ajuizamento desta ação. Contudo, porque a compensação de
tributos federais somente é possível por procedimentos administrativos praticados pelo
contribuinte no âmbito da Receita Federal do Brasil (mesmo para indébitos reconhecidos na via
judicial), no referido REsp 1.137.738/SP, Rel. Min. Luiz Fux, v. u., DJe: 01/02/2010, o E.STJ
firmou a seguinte Tese no Tema 265: “Em se tratando de compensação tributária, deve ser
considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da demanda, não podendo ser a
causa julgada à luz do direito superveniente, tendo em vista o inarredável requisito do
prequestionamento, viabilizador do conhecimento do apelo extremo, ressalvando-se o direito de
o contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em conformidade
com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios.” Em vista disso,
decisões judiciais que declarem o direito à compensação devem se pautar pela legislação
vigente à data do ajuizamento do feito, mas devem admitir o direito de o contribuinte compensar
créditos na via administrativa, quando então deverão assim fazer em conformidade com atos
normativos posteriores, desde que atendidos os requisitos formais, procedimentais e materiais
próprios.
Nesse ponto, com a edição da Lei 13.670/2018 (DOU de 30/05/2018), tornou-se necessário
esclarecer a amplitude da compensação realizada na via administrativa. Claro que, para ações
judiciais propostas antes da vigência dessa Lei 13.670/2018 (DOU de 30/05/2018), a redação
originária do art. 26, parágrafo único, da Lei 11.457/2007 restringia a compensação de
contribuições previdenciárias apenas com contribuições previdenciárias, mas esse parágrafo
único foi revogado pela Lei 13.670/2018, que também incluiu o art. 26-A na mesma Lei
11.457/2007, a partir de quando a compensação realizada na via administrativa (mesmo para
indébitos reconhecidos judicialmente) terá amplitude dependente do meio utilizado para
contribuinte (GFIP ou eSocial).
Sendo certo que ações judiciais propostas antes da Lei 13.670/2018 devem observar “o direito
de o contribuinte proceder à compensação dos créditos pela via administrativa, em
conformidade com as normas posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios” (E.STJ,
REsp 1.137.738/SP, Rel. Min. Luiz Fux, v.u., DJe: 01/02/2010, Tese no Tema 265), e em vista
do alcance prospectivo da coisa julgada que declara o direito à compensação (para muito além
da data do ajuizamento, podendo alcançar períodos nos quais o contribuinte utilizou GFIP ou
eSocial), vejo necessário deixar claro meu entendimento (que, a rigor, é o mesmo da Receita
Federal do Brasil).
Portanto, cumpridos o art. 170 e o art. 170-A, ambos do CTN, e diante do pacificado pelo E.STJ
(Resp nº 1.235.348/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, v.u., Dje: 02/05/2011, e REsp
1.137.738/SP, Rel. Min. Luiz Fux, v.u., DJe: 01/02/2010, Tese no Tema 265), bem como
satisfeitos os critérios fixados por atos normativos da Receita Federal do Brasil (notadamente o
art. 84 e seguintes da IN SRF 1.717/2017 e alterações, legitimados pelos padrões suficientes
fixados na legislação ordinária da qual derivam), utilizando a GFIP para apuração das
contribuições previdenciárias, os indébitos poderão ser compensados apenas com
contribuições previdenciárias devidas correspondentes a períodos subsequentes (ainda que os
créditos sejam oriundos de estabelecimentos diversos da empresa), em conformidade com o
art. 89 da Lei 8.212/1991; utilizando o eSocial e a DCTFWeb, os indébitos podem se valer da
compensação “unificada” ou “cruzada” entre créditos e débitos previdenciários ou fazendários,
nos termos do art. 74 da Lei 9.430/1996, com as restrições do art. 26-A, §1º, da Lei
11.457/2007 (introduzido pela Lei 13.670/2018).
Com a alteração do julgado, resta provida em parte a apelação da impetrante com a concessão
parcial da segurança para reconhecer o direito de não ser obrigada a recolher a Contribuição
Previdenciária sobre os valores pagos a título de salário-maternidade, bem como reconhecer o
direito à compensação, e fixar a sucumbência recíproca, sem honorários.
Ante o exposto, voto pela realização de juízo positivo de retratação, para dar provimento parcial
à apelação da impetrante para afastar a incidência de contribuição previdenciária sobre o
salário-maternidade, reconhecendo o direito à compensação, nos termos da fundamentação, e
fixar a sucumbência recíproca, sem honorários.
Devolvam-se à Vice-Presidência, para as providências cabíveis.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. EXTENSÃO DO JUÍZO DE RETRATAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO MATERNIDADE. TESE FIRMADA EM SISTEMA DE
PRECEDENTES. UNIFICAÇÃO DO DIREITO.
- Decorrente do sistema de precedentes adotado pela ordem constitucional e pela legislação
processual civil, o juízo de retratação tem a extensão da divergência constatada entre o
julgamento proferido pelas instâncias recursais ordinárias e as teses definidas pelas instâncias
competentes. Por esse motivo, e em favor da unidade do direito e da pacificação dos litígios e
da otimização da prestação jurisdicional, o novo julgamento deve se ater ao objeto dessa
divergência (incluídos os aspectos dela obrigatoriamente derivados ou inevitavelmente
conexos), respeitados os mandamentos constitucionais e legais do processo.
- No caso dos autos, no âmbito de recurso extraordinário interposto pela impetrante, os autos
foram devolvidos a esta Turma pela Vice-Presidência desta E. Corte Federal, para verificação
da pertinência de se proceder a um juízo positivo de retratação tendo em vista o julgamento,
pelo E.STF, do RE nº 576.967/PR, fixando a tese de que “É inconstitucional a incidência da
contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade” (Tema 72).É
imperativo que a decisão recorrida seja ajustada, em favor da unificação do direito e da
celeridade processual.
- Em 04/08/2020, no RE 576967 (Tema 72), o E.STF afirmou a inconstitucionalidade da
incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §2º, e
na parte final do seu § 9º, “a”, da mesma Lei nº 8212/1991, porque a trabalhadora se afasta de
suas atividades e deixa de prestar serviços e de receber salários do empregador durante o
período em que está fruindo o benefício, e também porque a imposição legal resulta em nova
fonte de custeio sem cumprimento dos requisitos do art. 195, §4º da Constituição.
- Apelação da impetrante parcialmente provida para afastar a incidência de contribuição
previdenciária sobre o salário-maternidade, reconhecido o direito à compensação, nos termos
da fundamentação, e fixada a sucumbência recíproca, sem honorários.
- Juízo de retratação positivo. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
decidiu, por unanimidade, em juízo positivo de retratação, dar provimento parcial à apelação da
impetrante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
