
| D.E. Publicado em 26/06/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, para anular parcialmente a sentença na parte de extinção do feito por carência de ação, determinando a remessa dos autos ao Juízo "a quo", bem como para afastar a condenação de multa, em razão de litigância de má-fé, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005356-17.2009.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
O SENHOR EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (relator):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora, em ação previdenciária ajuizada por JOSÉ SILVESTRE DA SILVA, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de trabalho desempenhado sob condições especiais, bem como atividade comum e rural.
A r. sentença de fls. 156/158 julgou extinto o feito sem resolução do mérito, com fundamento nos artigos 267, I e 301, §§ 1º ao 4º, ambos do CPC/73, em face da coisa julgada. Condenou solidariamente a parte autora e seu advogado ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Em razão da concessão da justiça gratuita, declarou que a parte autora fica eximida do pagamento de custas e honorários advocatícios.
O MM. Juízo "a quo" deu parcial provimento aos embargos de declaração interpostos pela parte autora, para alterar parte da fundamentação e o dispositivo da sentença, nos seguintes termos (fls. 167/169):
a) julgou extinto o feito sem resolução do mérito, em face da coisa julgada, com base nos artigos 267, V e 301, §§ 3º e 4º, do CPC/73, em relação ao pedido de concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição desde a DER (29/12/1999), mediante o reconhecimento e conversão do período laborado sob condições especiais entre 19/01/1992 e 01/03/1999, bem como da averbação do período rural, condenando solidariamente parte autora e advogado ao pagamento da multa de 1% sobre o valor da causa, por litigância de má-fé.
b) julgou extinto o feito sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC/73, reconhecendo a carência de ação por ausência de interesse processual, com relação ao pedido de reconhecimento e averbação de períodos constantes na CTPS e em carnês após as datas dos requerimentos administrativos, tendo em vista a ausência de pedido administrativo.
Em razões recursais de fls. 174/179, a parte autora sustenta, quanto à extinção do feito em face da coisa julgada, que: a) os pedidos não são idênticos, pois pretende agora a soma dos períodos já reconhecidos e o reconhecimento do período especial tendo em vista obtenção de documento novo, qual seja, o PPP, que na época não conseguiu obter por causa da falência da empresa; b) ou seja, as razões de pedir são diferentes; c) o que faz coisa julgada não é o pedido em si mas a causa de pedir; d) o PPP ora apresentado para comprovar a atividade em tempo especial até 1999 é posterior à sentença do Juizado Especial, a qual reconheceu apenas parte do período trabalhado, porém havia períodos posteriores à prolação da decisão que requereu o autor fosse somado ao já reconhecido.
Ainda quanto à coisa julgada, afirma tratar-se de pedido de aposentadoria de cunho social e alimentar, bem como que não se pode tornar absoluto o instituto da coisa julgada em matéria previdenciária, sob pena de extirpar direitos dos segurados que contribuíram por longos anos para ter seu benefício.
Alega, no que tange à extinção do feito por carência de ação, que a ausência de requerimento administrativo não pode ser óbice à apreciação da matéria pelo Judiciário, sob pena de ferimento ao princípio constitucional do livre acesso ao Judiciário.
Sustenta que não houve litigância de má-fé, tanto que a ação anteriormente ajuizada no JEF foi mencionada na inicial, inclusive com a juntada da cópia da sentença lá proferida. Afirma que o autor quis apenas recorrer ao Judiciário, o que é seu direito, ao invés de novamente buscar a via administrativa.
Requer a declaração de nulidade da sentença, com retorno dos autos à primeira instância para apreciação dos pedidos formulados na inicial.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, é relevante destacar que a coisa julgada constitui garantia fundamental do cidadão no nosso Estado Democrático de Direito, consoante o disposto no artigo 5º, XXXVI, da Carta da República, e origina-se da necessidade de ser conferida segurança às relações jurídicas. Tal instituto tem a finalidade de conferir imutabilidade à sentença e, consequentemente, impedir que a lide julgada definitivamente seja rediscutida em ação judicial posterior.
A parte autora ajuizou essa ação previdenciária objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de trabalho desempenhado sob condições especiais (insalubridade), de atividade comum e de atividade rural. A demanda foi proposta perante a Justiça Federal, 2ª Vara Previdenciária de São Paulo/SP, sob o número 0005356-17.2009.4.03.6183, em 08/05/2009 (fls. 2).
Ocorre que a parte autora já havia ingressado anteriormente com ação, visando à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço, cujo trâmite se deu perante o Juizado Especial Federal Cível de São Paulo/SP, sob o número 2004.61.84.262908-2 (cópia da inicial a fls. 142/144).
No Juizado foi proferida sentença de procedência parcial, em 17/03/2005 (fls. 19/37), para reconhecer a especialidade dos serviços prestados nos períodos de 27/04/1979 a 17/09/1986 (empresa Cantagalo Ltda) e de 03/08/1997 a 18/01/1992 (empresa Dibraço Indústria e Comércio de Aço Ltda).
Em consulta ao sistema de andamento processual do JEF/SP na "internet", verifico que a Turma Recursal negou provimento ao recurso interposto, sendo que o trânsito em julgado se deu em 27/07/2007.
Da leitura da cópia da inicial da ação previdenciária ajuizada anteriormente perante o Juizado Especial Federal (fls. 142/144), verifica-se que foi pleiteada a averbação de tempo de serviço rural e urbano, bem como a conversão de tempo de serviço especial em comum, para o fim de obter concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
O período rural requerido é de 1970 a 1974.
A atividade especial que se pretendia comprovar era do período de 27/04/1979 a 17/09/1986 e de 03/08/1987 a 01/03/1999.
O período urbano cujo reconhecimento se pleiteou é de 03/03/1975 a 12/12/1975 e de 09/03/1976 a 10/06/1976.
Da leitura da inicial desta ação previdenciária (fls. 2/11) verifica-se que todos os pedidos acima mencionados foram aqui reproduzidos.
A própria inicial menciona que foi ajuizada anteriormente ação no JEF, a qual foi julgada parcialmente procedente para determinar ao INSS a averbação como tempo especial do período de 27/04/1979 a 17/09/1986 e de 03/08/1997 a 18/01/1992.
Dessa forma, deve ser mantida a sentença nesse ponto, pois caracterizada a ocorrência da coisa julgada.
Ressalto, ainda, que não se trata de causa de pedir diferente, pois é pleiteado, em ambos os processos, a aposentadoria por tempo de serviço com conversão de tempo especial em comum, reconhecimento de atividade rural e de atividade comum, possuindo em comum vários períodos.
O fato de trazer a esta ação documento novo (PPP de fls. 82), ao qual não teve acesso quando do ajuizamento da ação previdenciária perante o Juizado, não descaracteriza a ocorrência de coisa julgada.
Portanto, verificada a reprodução parcial de ação anteriormente ajuizada, a qual já transitou em julgado, de rigor a manutenção da sentença nesse ponto.
No que tange à condenação em litigância de má-fé, esta não subsiste, prosperando as alegações da requerente no particular.
Reputa-se litigante de má-fé aquele que, na forma do art. 17 do CPC/1973 e art. 80 do CPC/2015, age de forma dolosa ou culposa, de forma a causar prejuízo à parte contrária.
Ora, não é isso que se vislumbra in casu, na medida em que foi a própria demandante que informou ao Juízo, na petição inicial dessa ação, sobre o processo anterior, acostando aos autos a sentença nele proferida (fls. 19/37), não restando evidenciada a tentativa de omitir a sua existência para o magistrado a quo e para o INSS.
A simples juntada de tais documentos, a meu ver, já descaracteriza suposto expediente processual desleal ou desonesto.
Passo, por fim, à análise da extinção do feito por carência de ação em face da ausência de interesse processual.
Afirmou a sentença que a parte autora não tem interesse em relação ao pedido de averbação de períodos constantes na CTPS e em carnês após as datas dos requerimentos administrativos (01/06/2004 a 30/03/2008, 01/07/2004 a 30/09/2004 e 01/05/2008 a 28/02/2009).
Isso porque os períodos não foram objeto de requerimento administrativo para análise de concessão do benefício de aposentadoria. Entendeu, assim, que não há lide, pois não houve resistência por parte do INSS à pretensão da autora.
Discute-se, portanto, acerca da necessidade de prévia postulação administrativa à obtenção de benefício previdenciário ou assistencial.
O tema, como se sabe, suscita discussões de longa data.
O extinto Tribunal Federal de Recursos, após reiteradas decisões sobre a necessidade de requerimento administrativo antes de se socorrer ao Poder Judiciário, editou a Súmula nº 213, com o seguinte teor:
Trilhando a mesma senda, esta Corte trouxe à lume a Súmula nº 09, in verbis:
A melhor compreensão para a expressão exaurimento reside no esgotamento de recursos por parte do segurado junto à Administração, o que significa que, ao postular a concessão ou revisão de seu benefício, o requerente não precisa se utilizar de todos os meios existentes na seara administrativa antes de recorrer ao Poder Judiciário. Porém, na ausência, sequer, de pedido administrativo, não resta aperfeiçoada a lide, vale dizer, inexiste pretensão resistida que justifique a tutela jurisdicional e, por consequência, o interesse de agir.
É bem verdade que, nos casos de requerimento de benefício previdenciário, as máximas de experiência têm demonstrado que o Instituto Securitário, por vezes, ao se negar a protocolizar os pedidos, sob o fundamento de ausência de direito ou de insuficiência de documentos, fere o direito de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, "a", CF e art. 105 da Lei 8.213/91). Mas, não é menos verdade que, via de regra, os pedidos são rapidamente analisados, cumprindo o INSS com o seu dever institucional.
Por isso, penso que seria correto determinar a comprovação do prévio requerimento na via administrativa, pois incumbe ao INSS analisar, prima facie, os pleitos de natureza previdenciária, e não ao Poder Judiciário, o qual deve agir quando a pretensão do segurado for resistida ou na ausência de decisão por parte da Autarquia, legitimando o interessado ao exercício da actio.
Aceitar que o Juiz, investido na função estatal de dirimir conflitos, substitua o INSS em seu múnus administrativo, significa permitir seja violado o princípio constitucional da separação dos poderes, insculpido no art. 2º da Lex Major, pois, embora os mesmos sejam harmônicos, são, igualmente, independentes, devendo cada qual zelar por sua função típica que o ordenamento constitucional lhes outorgou.
Tanto isso é verdade, que o próprio legislador, quando da edição da Lei nº 8.213/91, concedeu à autoridade administrativa, em seu art. 41, § 6º, o prazo de 45 (quarenta e cinco) dias para efetuar o pagamento da primeira renda mensal do benefício, após a apresentação da documentação necessária por parte do segurado. Na ausência de apreciação por parte da Autarquia ou se o pleito for indeferido, aí sim, surgirá o interesse de agir, condição necessária à propositura de ação judicial.
Entender de maneira diversa equivale, a um só tempo, em contribuir para a morosidade do Poder Judiciário, devido ao acúmulo de um sem-número de ações e prejudicar a vida do segurado que, tendo direito ao benefício, aguardará por anos a fio o deslinde final de sua causa, onerando, inclusive, os cofres do INSS com o pagamento de prestações atrasadas e respectivas verbas acessórias decorrentes de condenação judicial.
O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE nº 631.240/MG, resolvido nos termos do artigo 543-B do CPC/73, assentou o entendimento de que a exigência de prévio requerimento administrativo a ser formulado perante o INSS antes do ajuizamento de demanda previdenciária não viola a garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CR/88, art. 5º, XXXV). Ressalvou-se, contudo, a possibilidade de formulação direta do pedido perante o Poder Judiciário quando se cuidar de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, ou ainda, quando notório e reiterado o entendimento do INSS em desfavor da pretensão do segurado e, por fim, se a autarquia ofereceu contestação.
O precedente restou assim ementado, verbis:
Considerado o entendimento do STF acima explicitado, o Superior Tribunal de Justiça revisitou sua jurisprudência de modo a perfilhar o posicionamento adotado pela Suprema Corte, o que se deu quando do julgamento do RESP nº 1.369.834/SP, resolvido nos termos do artigo 543-C do CPC/73.
O precedente paradigmático em questão porta a seguinte ementa:
No caso em exame, a demanda foi ajuizada anteriormente ao julgado citado pelo STF e não houve contestação do INSS, razão pela qual incide a hipótese contemplada na alínea "iii" do item 6 do aresto em questão, ou seja, a ação deverá ser sobrestada observando-se a sistemática delineada no item 7:
Dessa maneira, deve ser anulada parcialmente a sentença na parte em que extinguiu o feito sem resolução do mérito por carência de ação (ausência de interesse em face da ausência de requerimento administrativo), determinando-se o retorno dos autos ao Juízo de primeira instância, para que, em cumprimento ao determinado pelo STF no RE 631240, no sentido de se conceder prazo de 30 (trinta) dias à parte autora para que promova o requerimento de concessão do benefício na esfera administrativa, afastada, portanto, a extinção da ação.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora, para anular parcialmente a sentença na parte de extinção do feito por carência de ação, determinando a remessa dos autos ao Juízo "a quo", nos termos do voto, bem como para afastar a condenação de multa, em razão de litigância de má-fé, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
Desembargador Federal
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