D.E. Publicado em 05/09/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009183-85.2009.4.03.6102/SP
RELATÓRIO
O SENHOR EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por ROBERTO LUIZ DE SOUZA, em ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento de labor especial.
A r. sentença de fls. 318/319 julgou "extinto o processo, sem apreciação do mérito, na forma do artigo 267, incisos V e VI, do CPC" e condenou o autor a pagar as custas e os honorários ao INSS, fixados em 10% do valor da causa; com pagamento suspenso, na forma do art. 12 da Lei nº 1.060/50. Condenou, ainda, o autor e a advogada Fabiana Ap. Fernandes Castro Souza a pagar multa de 1% e indenização de 10% ao INSS, ambas sobre o valor da causa atualizado, por litigância de má-fé, na forma do art. 17, II e V, e art. 18, do CPC/73, com a ressalva de que não se aplica a gratuidade processual quanto à condenação por litigância de má-fé.
Em razões recursais de fls. 323/331, a parte autora sustenta a ausência de litigância de má-fé, requerendo seja afastada a condenação do pagamento de multa e indenização.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
A presente demanda foi proposta perante a 2ª Vara Federal de Ribeirão Preto, sob o número 2009.61.02.009183-0, em 27/07/2009.
Ocorre que a parte autora já havia ingressado, em 07/11/2007, com ação visando os mesmos pedidos aqui deduzidos, de concessão de aposentadoria especial, cujo trâmite se deu perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Sertãozinho, sob o número 597.01.2007.012984-9 (2011.03.99.031888-2).
Como bem salientou a r. sentença (fl. 318-verso):
Assim, verificada a existência de ações idênticas, isto é, com a mesma causa de pedir, partes e pedido, acertada a extinção deste processo, por litispendência, nos exatos termos do art. 267, V e VI, do CPC/1973.
No que tange à condenação em litigância de má-fé carreada ao autor, a r. sentença, igualmente, deve ser mantida.
Como cediço, na condução de seus interesses, as partes não devem se descuidar de uma postura pautada pela lealdade e pela boa-fé no curso do processo. Não se trata apenas de recomendação de conduta, mas consiste em obrigatoriedade, que está contemplada na dicção do artigo 14 do Código de Processo Civil de 1973, aplicável ao caso em questão, que assim determina: são deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: II - proceder com lealdade e boa-fé.
No que diz respeito à litigância de má-fé, o mesmo diploma disciplina hipóteses de ocorrência, a saber: deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do processo para conseguir objetivo ilegal; se opuser resistência injustificada ao andamento do processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar incidentes manifestamente infundados; e se interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório expresso (art. 17).
No caso presente, de fato, houve a propositura de duas demandas com idêntico objetivo, desviando-se, desta feita, das exigidas lealdade e boa-fé processual, já que prosseguiu com duas frentes, valendo-se da mesma patrona, para obter a satisfação de seu direito, o que não se afigura admissível, não só pelo risco do prejuízo com a cobrança em duplicidade do requerido e do correspondente e ilícito enriquecimento sem causa, assim como pela indevida movimentação do Poder Judiciário, a lhe proporcionar o quanto antes as suas pretensões, o que é vedado e merece repúdio.
Por esta razão, enquadrada a conduta da parte autora no artigo 17, VI e VII do Código de Processo Civil, fica mantida, assim como proferida, a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
Doravante, aprecio a questão afeta à possibilidade de o próprio juízo da causa condenar os advogados que representam as partes por conduta caracterizada como litigância de má-fé, haja vista o quanto disposto no caput do artigo 14 do CPC/1973, com redação dada pela Lei n.º 10.358/01, então vigente:
Em que pese o dever de lealdade processual e do respeito à boa-fé objetiva serem extensivos a todos os que participam da relação jurídico-processual, inclusive os procuradores das partes, a aplicação de penalidade processual por eventual conduta caracterizada como litigância de má-fé se encontra no nosso ordenamento jurídico, infelizmente e por ora, restrita às partes e demais figuras que possam intervir no processo, não atingindo, contudo, seus respectivos advogados.
Essa a interpretação que se extrai do próprio CPC, que, ao tratar das penalidades processuais, limita sua aplicação a autor, réu ou interveniente (artigo 14, parágrafo único, artigo 16 e seguintes).
Ainda, sobre o tema da má-fé processual Rui Stoco leciona:
Ressente-se o aplicador da lei de mecanismos efetivos de combate à litigância abusiva e descompromissada, inclusive em relação aos operadores do direito que, por dever legal, deveriam zelar pelo funcionamento de uma Justiça mais eficiente. Reconheço, entretanto, que tais ferramentas, de lege ferenda, encontram resistência além da nossa vã compreensão.
Ademais, a Constituição Federal, em seu artigo 133, estabelece expressamente que:
Por seu turno, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n.º 8.906/94) dispõe:
Na exata medida em que o advogado atua no processo apenas como representante processual de seu cliente, este sim parte ou participante da relação processual, não está sujeito às penas processuais por eventual litigância de má-fé, embora, evidentemente, esteja sujeito à outra sorte de penalidades (disciplinares, penais etc.) a serem apuradas em procedimentos ou ações próprios.
Não é demais lembrar que, justamente por não ser parte ou interveniente da relação processual, o advogado que venha a ser condenado por suposta conduta de litigância de má-fé o será sem prévio exercício do contraditório e da ampla defesa, corolários máximos do Estado Democrático de Direito.
Não se olvida a existência de alguns julgados esparsos em sentido diverso que, até os dias atuais, ainda ressoam a possibilidade da condenação solidária do advogado nas penalidades por litigância de má-fé; entretanto, esses poucos julgados não representam divergência jurisprudencial relevante, mas, sim, situação de afronta ao arcabouço jurídico-constitucional vigente, que rege a relação jurídico-processual.
Destaco que no âmbito das Cortes superiores o tema é enfrentado com posicionamento dominante no sentido da impossibilidade da condenação do patrono da parte às penas por litigância de má-fé.
Cito os seguintes precedentes representativos da jurisprudência há muito dominante e, desde 27.08.2008, pacífica do c. Superior Tribunal de Justiça:
No mesmo sentido, cito também os seguintes julgados daquela Corte:
- 2ª Turma: REsp 1247820, rel. Min. Humberto Martins, j. 28.06.2011; AgRg/AREsp 31708, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20.10.2011; EDcl/AgRg/AREsp 217865, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 20.11.2012; REsp 1370503, rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.06.2013;
- 3ª Turma: EDcl/AgRg/REsp 1128584, rel. Min. Massami Uyeda, j. 09.02.2010; AgRg/EDcl/Ag 918228, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 14.09.2010; AgRg/REsp 696102, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 28.09.2010; REsp 1439021, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 18.08.2015;
- 4ª Turma: REsp 1173848, rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 20.04.2010; REsp 1331660, rel. Min. Raulo Araújo, j. 17.12.2013; AgInt/REsp 1590698, rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 04.05.2017;
- 5ª Turma: RMS 27868, rel. Min. Laurita Vaz, j. 25.10.2011.
Dessa forma, entendo de rigor a exclusão da penalidade cominada à patrona do autor, não sem antes deixar registrada minha perplexidade com o argumento por ela ventilado em apelo, no sentido de que, mesmo a despeito de ter subscrito a petição inicial de ambas as demandas, alegar que "não há prova de que possuía ciência da anterior ação ajuizada".
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação do autor, tão somente para afastar a condenação de multa imputada à patrona, em razão de litigância de má-fé, mantendo, no mais, íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É o voto.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 28/08/2018 15:29:08 |