Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0005561-40.2010.4.03.6109
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/07/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 03/08/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. IRREGULARIDADE FORMAL DO RECURSO AUTÁRQUICO. NÃO
VERIFICADA. APELAÇÃO CONHECIDA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.
PAGAMENTO APÓS A MAIORIDADE PREVIDENCIÁRIA. ERRO OPERACIONAL
CONFIGURADO. BOA-FÉ OBJETIVA DA DEMANDANTE. NÃO DEMONSTRADA. MERO
SUPORTE FINANCEIRO DO MENOR DURANTE A INFÂNCIA. PERCEPÇÃO DA
PROVISORIEDADE DO BENEPLÁCITO PELO HOMEM LEIGO. POSSIBILIDADE.
DESNECESSIDADE DE CONHECIMENTO TÉCNICO ESPECIALIZADO PARA COMPREENSÃO
DO FATO. RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. OBSERVÂNCIA DA
MODULAÇÃO DE EFEITOS CONSIGNADA NO RESP 1.381.734/RN. APELAÇÃO DO INSS
DESPROVIDA.
1 - O recurso autárquico reúne todos os pressupostos processuais para seu conhecimento, uma
vez que ataca especificamente os fundamentos utilizados pela r. sentença, sobretudo o de que a
boa-fé da pensionista tornaria inexigível o débito previdenciário.
2 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito
de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo
juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao
anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim
de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro
e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e
em risco à continuidade dessa rede de proteção.
7 - Compulsando os autos, verifica-se que a autora usufruiu do benefício de pensão por morte a
partir de 19/12/1975 (NB 000.013.035-4), em razão do óbito da instituidora. Como a demandante
nasceu em 13/01/1974, era esperado que o benefício fosse cessado em 13/01/1995, época em
que ela atingiu a maioridade previdenciária. Entretanto, por uma erro do INSS, o beneplácito foi
pago até 31/08/2003..
8 - Por conseguinte, a autora foi notificada em 07/03/2007, para quitar o débito previdenciário de
R$ 21.018,40 (vinte e um mil, dezoito reais e quarenta centavos), relativos às parcelas por ela
recebidas entre 01/09/1998 e 31/08/2003 (ID 117369741 - p. 76/77).
9 - Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da
lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela impossibilidade
de repetição dos valores recebidos indevidamente. Precedentes.
10 - No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e
operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo
tratamento jurídico dispensado às outras duas categorias - interpretação errônea e má aplicação
da lei.
11 - Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao
rito dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento,
exigindo nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé
objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis a
tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão: “Com relação aos pagamentos
indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não
embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis,
sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago
ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto,
comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível
constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
12 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com
base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os
processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
13 - Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao
INSS não seriam passíveis de restituição até 23/04/2021 e, a partir da referida data, em razão da
modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da inexigibilidade do
débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou pensionista nas
hipóteses de erro operacional ou material.
14 - O caso dos autos versa sobre o cometimento de erro operacional pela Autarquia
Previdenciária, consubstanciado no pagamento do benefício de pensão por morte por prazo
superior àquele estabelecido em lei. Realmente, a falha no acompanhamento do período de
fruição da referida prestação, fez com que o benefício fosse pago até a pensionista atingir vinte e
nove anos.
15 - A situação fática dos autos em tudo se assemelha àquela discutida pelo C. STJ no REsp
1.381.734/RN, que deu origem à tese firmada no Tema 979. No referido recurso especial, a
dependente tinha recebido o benefício de pensão por morte por dois anos depois de já ter
atingido a maioridade previdenciária e, portanto, se discutia a possibilidade de cobrança dos
valores pagos durante o referido biênio.
16 - É sabido que a pensão por morte constitui benefício que tenta atenuar a supressão abrupta
do suporte financeiro pelo óbito do responsável natural pelo sustento do dependente. Não é
razoável uma pessoa leiga imaginar que tal beneplácito tem caráter vitalício, como afirmado pela
autora, sendo o seu recebimento durante a idade adulta ilegalidade flagrante, perceptível prima
facie até pelo cidadão comum desprovido de qualquer conhecimento técnico especializado. Em
tais circunstâncias, em que o segurado ou pensionista têm plenas condições de entender a
ilicitude da situação, não há como reconhecer sua boa fé objetiva perante o INSS.
17 - Além disso, segundo a narrativa deduzida na inicial, a autora entrou com ação judicial
durante a adolescência, após ter atingido os dezesseis, a fim de exigir que os depósitos
subsequentes da pensão por morte fossem feitos em conta de sua titularidade, e não de seu
representante e genitor, o que demonstra que ela tinha conhecimento do alcance de seu direito
previdenciário até superior ao do senso comum.
18 - No entanto, considerando a modulação de efeitos realizada no REsp 1.381.734/RN,
determinando a aplicação da tese apenas aos feitos distribuídos na 1ª Instância a partir de
23/04/2021, e o fato de esta demanda ter sido ajuizada em 09/06/2010, deve ser reconhecida a
inexigibilidade do débito previdenciário, por se tratar de erro exclusivo do INSS e diante do caráter
alimentar dos benefícios previdenciários, devendo ser mantida a sentença de 1º grau de
jurisdição.
19 - Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0005561-40.2010.4.03.6109
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO MELEIRO ALBERICO - SP198367
APELADO: LILIANE DE FATIMA PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL SANTOS COSTA - SP280362
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0005561-40.2010.4.03.6109
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO MELEIRO ALBERICO - SP198367
APELADO: LILIANE DE FATIMA PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL SANTOS COSTA - SP280362
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por LILIANE DE FÁTIMA PEREIRA, objetivando o reconhecimento da
inexigibilidade de débito previdenciário, no valor de R$ 21.018,40 (vinte e um mil, dezoito reais
e quarenta centavos).
A r. sentença, prolatada em 27/03/2012, julgou procedente o pedido deduzido na inicial e
condenou o INSS a se abster de realizar qualquer ato com o objetivo de cobrar a restituição das
prestações do benefício de pensão por morte recebidas pela autora entre 01/09/1998 e
31/08/2003. Honorários advocatícios arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais).
Em suas razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese,
que o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, bem como a boa-fé objetiva não tornam,
por si só, irrepetíveis os valores recebidos indevidamente. Prequestiona a matéria para fins
recursais.
A parte autora, por sua vez, em sede de contrarrazões, requer, preliminarmente, que o recurso
autárquico não seja conhecido por falta de regularidade formal, uma vez que o INSS não
impugnou especificamente os fundamentos adotados na sentença. No mérito, requer que seja
mantida in totum o r. decisum.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0005561-40.2010.4.03.6109
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: RODRIGO MELEIRO ALBERICO - SP198367
APELADO: LILIANE DE FATIMA PEREIRA
Advogado do(a) APELADO: RAFAEL SANTOS COSTA - SP280362
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Preliminarmente, destaco que o recurso autárquico reúne todos os pressupostos processuais
para seu conhecimento, uma vez que ataca especificamente os fundamentos utilizados pela r.
sentença, sobretudo o de que a boa-fé da pensionista tornaria inexigível o débito previdenciário.
Avanço ao mérito.
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício
previdenciário, na seara administrativa.
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002, in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e
o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de
benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o
equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os
demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
Do caso concreto.
Compulsando os autos, verifica-se que a autora usufruiu do benefício de pensão por morte a
partir de 19/12/1975 (NB 000.013.035-4), em razão do óbito da instituidora.
Como a demandante nasceu em 13/01/1974, era esperado que o benefício fosse cessado em
13/01/1995, época em que ela atingiu a maioridade previdenciária. Entretanto, por uma erro do
INSS, o beneplácito foi pago até 31/08/2003.
Por conseguinte, a autora foi notificada em 07/03/2007, para quitar o débito previdenciário de
R$ 21.018,40 (vinte e um mil, dezoito reais e quarenta centavos), relativos às parcelas por ela
recebidas entre 01/09/1998 e 31/08/2003 (ID 117369741 - p. 76/77).
A pretensão de ressarcimento do INSS, contudo, não pode subsistir.
A possibilidade da Administração Pública rever os atos eivados de ilegalidade por ela praticados
é reconhecida há muito pela jurisprudência da Suprema Corte. Todavia, ainda remanesce a
controvérsia acerca das consequências jurídicas de tal anulação para os segurados e
pensionistas, mormente no que se refere ao dever de restituição de valores.
Na relação entre particulares, o próprio estatuto da propriedade estabelece as balizas para
dirimir conflitos de ressarcimento, pautando-se, sobretudo, no primado de que todo
enriquecimento individual deve ter uma justificativa jurídica aceitável, sob pena de ser
considerado indevido.
A mesma diretriz é utilizada nos casos em que fica demonstrado que o segurado usou de meios
fraudulentos para obter proveito econômico indevido, sendo o entendimento jurisprudencial
dominante de que, em tais circunstâncias, os valores são passíveis de restituição. O
fundamento, contudo, não é mais o direito de propriedade, como ocorre no âmbito privado, mas
sim o princípio geral de direito de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.
A questão se torna mais discutível quando se trata de valores recebidos pelo segurado de boa-
fé.
Isso ocorre porque os benefícios pagos pelo INSS constituem verbas de caráter alimentar e,
portanto, presume-se que seus titulares as utilizaram para suprir suas necessidades básicas de
subsistência, razão pela qual o retorno das partes ao status quo ante se torna improvável na
maioria das vezes.
Além disso, o segurado que age de boa-fé, fornecendo as informações solicitadas pela
Autarquia Previdenciária, sem adulterar ou ocultar nada, bem como submetendo-se a todos os
procedimentos administrativos, nutre a expectativa de que os valores por ele recebidos estão de
acordo com a lei, uma vez que a concessão de seu benefício foi precedida de análise por
agentes públicos ou alicerçada em pareceres técnicos especializados, que são muitas vezes
incompreensíveis para o homem comum, leigo em questões jurídicas ou contábeis.
A fim de dirimir a controvérsia acerca da restituição de valores em tais casos, a jurisprudência
distinguiu as falhas praticadas pela Administração Pública em três categorias, de acordo com a
natureza do ato que resultou no pagamento da vantagem indevida: interpretação errônea, má
aplicação da lei ou erro da administração latu sensu, entendido este último como aquele
operacional ou material.
Interpretação errônea consistiria no ato de atribuir ao preceito normativo um sentido que não
corresponde ao seu verdadeiro conteúdo, seja descaracterizando seus elementos materiais
objetivos, - como, por exemplo, a natureza ou a dimensão quantitativa da prestação -, mediante
a supressão, a alteração ou a adição de elementos, sob a justificativa de que eles estariam
"implícitos" no texto legal, seja ampliando seu alcance subjetivo, pela via hermenêutica, para
incluir em seu rol destinatários que, de outra forma, não seriam atingidos pelo preceito legal.
Já a má aplicação da lei ocorre quando se subsume uma determinada situação fática a norma
geral positivada que não se amolda ao caso concreto, muitas vezes olvidando que já existe
outro preceito legal, mais específico, que disciplina exatamente aquele fato gerador.
O erro material, por sua vez, é caracterizado pelas inexatidões puramente aritméticas ou de
digitação, não tendo origem na ignorância do agente público quanto ao sentido e alcance da
norma, tampouco na dificuldade por ele encontrada de identificar se o fato se enquadra na
hipótese de incidência positivada. Trata-se de mera falha humana decorrente de desatenção
que, em circunstâncias normais, seriam perceptíveis imediatamente pelos próprios agentes
públicos, caso tivessem feito a mera conferência dos atos após sua produção.
Por fim, o erro operacional decorre de negligência nas práticas administrativas puramente
burocráticas e está relacionado com a gestão ineficaz dos sistemas de informação, dos
documentos ou das rotinas próprias da repartição pública, tais como: a conferência das datas
de vencimento de benefícios, agendamento de revisões periódicas, incompatibilidade
inequívoca entre a prestação recebida e o segurado ou pensionista, perceptível imediatamente
até para o homem leigo.
Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da
lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela
impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente.
Isso porque à Administração Pública não é dado o direito de equivocar-se quanto à
interpretação ou à aplicação da lei. Justamente por considerar que os atos praticados por seus
agentes estão em conformidade com a legislação é que se atribui a eles a presunção de
veracidade, derivada de sua condição de terem sido produzidos por detentores de fé pública.
Ademais, conquanto ninguém possa invocar a ignorância como justificativa para se escusar de
cumprir a lei, não é razoável exigir dos segurados e pensionista que possuam conhecimento
técnico especializado suficiente para compreender a ilegalidade dos valores por ele recebidos.
Neste sentido, cito os seguintes precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
ANÁLISE. SÚMULA 7 DO STJ.
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no
CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então
pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).
2. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que é incabível a devolução de valores
percebidos por servidor público de boa-fé, decorrente de interpretação equivocada ou má
aplicação da lei pela Administração.
3. A análise da tese recursal, a fim de derrogar o entendimento da Corte de origem, encontra
óbice na Súmula 7 do STJ.
4. Agravo interno desprovido."
(AgInt no AREsp 1528427/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 18/11/2019, DJe 02/12/2019)
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURADO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA
PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. AGRAVO INTERNO DO
INSS DESPROVIDO.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Representativo da
Controvérsia 1.244.182/PB, firmou o entendimento de que não é devida a restituição de valores
pagos de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei por parte da
Administração.
2. O mesmo entendimento tem sido aplicado por esta Corte nos casos de mero equívoco
operacional da Administração Pública, como na hipótese dos autos.
3. O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente pagos é
a boa-fé do benefíciário que, ao recebê-los na aparência de serem corretos, firma
compromissos com respaldo na pecúnia; a escusabilidade do erro cometido pelo agente
autoriza a atribuição de legitimidade ao recebimento da vantagem.
4. Agravo Interno do INSS desprovido."
(AgInt no REsp 1606811/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 03/02/2017)
Tal posicionamento foi construído a partir da análise das hipóteses de restituição de valores
recebidos indevidamente pelos servidores públicos, em virtude de interpretação errônea e má
aplicação da lei. Assim, considerando o fato de que os Regimes Geral e Próprio de Previdência
Social, ao menos no âmbito federal, passaram a ter disciplina normativa muito similar após a
edição da Lei Complementar n. 12.618/2012, inclusive com teto remuneratório equivalente, o
Tribunal da Cidadania entendeu por aplicar a mesma ratio juris e reconhecer a inexigibilidade
do débito previdenciário em tais casos aos segurados e pensionistas do INSS.
No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e
operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo
tratamento jurídico dispensado às outras duas categorias - interpretação errônea e má
aplicação da lei.
Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito
dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento,
exigindo nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé
objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis
a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base
na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos
distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
Ao esclarecer os fundamentos de sua decisão, o Eminente Ministro Relator do voto condutor
consignou o seguinte:
"(...) Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei),
onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu
o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor indevidamente, a
hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de modo a averiguar
se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento
dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de
lealdade para com a Administração Previdenciária.
Neste contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram
incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do débito,
situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman
Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui
filhos, e recebeu, por erro a Administração, auxílio natalidade.
Conforme fixado no precedente precitado, "descabe ao receptor da verba alegar que presumiu
o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido"(grifo nosso).
Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao INSS
não seriam passíveis de restituição até 23/04/2021 e, partir da referida data, em razão da
modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da inexigibilidade
do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou pensionista nas
hipóteses de erro operacional ou material.
Tal entendimento não destoa daquele firmado por esta Corte, conforme se infere dos seguintes
precedentes:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PREENCHIDOS OS REQUISITOS.
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFICIO CONCEDIDO.
1. Da análise dos autos, verifico que o benefício de amparo social foi concedido pelo INSS após
a avaliação do preenchimento dos requisitos legais para sua concessão. Assim, os valores
pagos a esse título foram recebidos de boa-fé pela autora, não se restando configurada, in
casu, qualquer tipo de fraude.
2. Nesse passo observo que, em observância ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, da
boa-fé da autora e da natureza alimentar do benefício previdenciário, não há que se falar em
devolução dos valores pagos indevidamente.
3. Portanto, indevida a cobrança pleiteada pelo INSS, devendo ser cessado qualquer desconto
e devolvido valores eventualmente pago pela parte autora.
4. Apelação parcialmente provida."
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5907619-55.2019.4.03.9999, Rel.
Desembargador Federal FERNANDO MARCELO MENDES, julgado em 08/01/2021, Intimação
via sistema DATA: 12/02/2021)
"PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO
ADMINISTRATIVAMENTE. POSTERIOR CESSAÇÃO. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS.
DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER
ALIMENTAR
1. Para comprovar o labor rural em regime de economia familiar no período compreendido entre
07/07/1962 até a 02/04/1998, a autora apresentou os seguintes documentos: a) Matrícula do
Sítio Tanquinho, onde a Autora declarou a profissão de “lavradora”, b) Comprovante de
recolhimento de INCRA referentes aos anos de 1988/1996, onde se verifica que a profissão
declarada do esposo, nos INCRA's de 1992/1996 é trabalhador rural e com a informação de
que nunca houve trabalhadores assalariados; c) Notas Fiscais de entrada, referentes à venda
de produtos agrícolas, confeccionadas em 1993, 1995 e 1997 1997 (ID 73539694 - Pág. 102 ,
ID 73539694 - Pág. 32/46); d) Notas Fiscais de compra de insumos agrícolas, confeccionadas
em 1994/1996; e) Comprovante de cadastro de trabalhador/contribuinte individual da Autora,
referente ao NIT 114.369.193- 33, onde a Autora declarou a atividade de segurada especial; e)
declaração do Sindicato Rural..
2. A declaração de sindicato rural não pode ser considerada início de prova material, uma vez
que não foi homologada pelo Instituto. Ela equivale a declaração particular subscrita por
terceiro, colhida sem o crivo do contraditório e, portanto, não se enquadra no conceito de prova
material (ID 73539694 - Pág. 4).-.
3. Por sua vez, a qualificação da autora na Certidão do Livro 3-O de Transcrições das
Transmissões (termo n. 15.122), expedida pelo Serviço de Registro de Imóveis e Anexos da
Comarca de Pederneiras-SP, não pode se estender após o seu casamento em 26/10/63, já que
na certidão de casamento ela está qualificada como “do lar” e seu marido como “motorista” . Por
outro lado, as demais provas acostadas aos autos (documentos fiscais), apenas identificam o
marido da autora.
4. Dúvidas não subsistem sobre a possibilidade de extensão da qualificação de lavrador de um
cônjuge ao outro constante de documento apresentado, para fins de comprovação da atividade
campesina, que indique, por exemplo, o marido como trabalhador rural (STJ, 3ª Seção, EREsp
1171565, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe 05.03.2015), especialmente quando houver
documentos em seu nome que atestem sua condição de rurícola, o que só é possível quando
se tratar de hipótese de agricultura de subsistência em que o labor é exercido em regime de
economia familiar.
5. Todavia, o seu marido era trabalhador urbano, pois qualificado como motorista (Certidão de
casamento 26/10/1963 onde ele está qualificado como motorista e ela do lar - ID 73539694 -
Pág. 143), além de aposentar-se por tempo de contribuição na condição de industriário, de
modo que a jurisprudência não autoriza a extensão da prova em nome do marido nestas
situações.
6. Ainda que se reconheça que a função de tratorista agrícola é essencialmente de natureza
rural, porque lida com a terra, o plantio, a colheita, de sorte que o trator deve ser considerado
instrumento de trabalho de qualidade rural, diverso do motorista, que labora no transporte em
função tipicamente urbana, fato é que, em 1998, o marido da autora se aposentou por tempo de
contribuição na condição de industriário, conforme INFBEN juntado aos autos com DIB em
21/10/98 e cujo valor, em 2009, era R$ 758,67 (ID 73539694 - Pág. 64) superior ao salário
mínimo da época que era R$ 465,00.
7. No caso concreto, embora a autora tenha demonstrado a existência de imóvel rural em seu
nome, isto não é suficiente para demonstrar o alegado trabalho nas lides campesinas em
regime de economia familiar, que pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural em que os
membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua
colaboração.
8. Insta dizer que a simples existência de imóvel rural em nome da autora, por si só, não a
equipara a trabalhadora rural, principalmente em regime de economia familiar, devendo
demonstrar o efetivo exercício do seu trabalho na referida propriedade por um período mínimo,
contínuo e duradouro, o que não restou demonstrado.
9. Não comprovado o labor rural em regime de economia familiar, correta a cessação do
benefício.
10. O benefício foi concedido administrativamente após a avaliação do preenchimento dos
requisitos legais para sua concessão.
11. Os valores pagos a esse título foram recebidos de boa-fé pela autora, não se restando
configurada, in casu, qualquer tipo de fraude.
12. Conforme jurisprudência, é incabível a devolução de valores percebidos pelo beneficiário de
boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração.
13. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT,
julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores
recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada.
14. Recursos desprovidos."
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5790971-89.2019.4.03.9999, Rel.
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 11/09/2020, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 17/09/2020)
"AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS POR TEMPO MÍNIMO. ERRO DA AUTARQUIA.
RESTITUIÇÃO DE VALORES. INVIÁVEL. CARÁTER ALIMENTAR DAS VERBAS E BOA-FÉ
DO SEGURADO.
1. O extrato do Sistema Único de Benefícios (fls. 61) comprova que a autora desistiu do
benefício de prestação continuada, o que evidencia sua boa-fé. Assim, o desconto é indevido.
2. É necessário observar que a garantia de benefício não inferior ao salário mínimo, no caso,
também impossibilita os descontos na pensão por morte que a autora recebe.
3. Como se vê, a decisão agravada resolveu de maneira fundamentada as questões discutidas
na sede recursal, na esteira da orientação jurisprudencial já consolidada em nossas cortes
superiores acerca da matéria. O recurso ora interposto não tem, em seu conteúdo, razões que
impugnem com suficiência a motivação exposta na decisão monocrática, que merece ser
sustentada.
4. Agravo legal improvido."
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1401151 - 0006634-
51.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em
24/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/08/2015 )
O caso dos autos versa sobre o cometimento de erro operacional pela Autarquia Previdenciária,
consubstanciado no pagamento do benefício de pensão por morte por prazo superior àquele
estabelecido em lei. Realmente, a falha no acompanhamento do período de fruição da referida
prestação, fez com que o benefício fosse pago até a pensionista atingir vinte e nove anos.
A situação fática dos autos em tudo se assemelha àquela discutida pelo C. STJ no REsp
1.381.734/RN, que deu origem à tese firmada no Tema 979. No referido recurso especial, a
dependente tinha recebido o benefício de pensão por morte por dois anos depois de já ter
atingido a maioridade previdenciária e, portanto, se discutia a possibilidade de cobrança dos
valores pagos durante o referido biênio.
É sabido que a pensão por morte constitui benefício que tenta atenuar a supressão abrupta do
suporte financeiro pelo óbito do responsável natural pelo sustento do dependente. Não é
razoável uma pessoa leiga imaginar que tal beneplácito tem caráter vitalício, como afirmado
pela autora, sendo o seu recebimento durante a idade adulta ilegalidade flagrante, perceptível
prima facie até pelo cidadão comum desprovido de qualquer conhecimento técnico
especializado. Em tais circunstâncias, em que o segurado ou pensionista têm plenas condições
de entender a ilicitude da situação, não há como reconhecer sua boa fé objetiva perante o
INSS.
Além disso, segundo a narrativa deduzida na inicial, a autora entrou com ação judicial durante a
adolescência, após ter atingido os dezesseis, a fim de exigir que os depósitos subsequentes da
pensão por morte fossem feitos em conta de sua titularidade, e não de seu representante e
genitor, o que demonstra que ela tinha conhecimento do alcance de seu direito previdenciário
até superior ao do senso comum.
No entanto, considerando a modulação de efeitos realizada no REsp 1.381.734/RN,
determinando a aplicação da tese apenas aos feitos distribuídos na 1ª Instância a partir de
23/04/2021, e o fato de esta demanda ter sido ajuizada em 09/06/2010, reconheço a
inexigibilidade do débito previdenciário, por se tratar de erro exclusivo do INSS e diante do
caráter alimentar dos benefícios previdenciários, devendo ser mantida a sentença de 1º grau de
jurisdição.
Ante o exposto, rejeito a preliminar de irregularidade formal e nego provimento à apelação
interposta pelo INSS.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL. IRREGULARIDADE FORMAL DO RECURSO AUTÁRQUICO. NÃO
VERIFICADA. APELAÇÃO CONHECIDA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.
PAGAMENTO APÓS A MAIORIDADE PREVIDENCIÁRIA. ERRO OPERACIONAL
CONFIGURADO. BOA-FÉ OBJETIVA DA DEMANDANTE. NÃO DEMONSTRADA. MERO
SUPORTE FINANCEIRO DO MENOR DURANTE A INFÂNCIA. PERCEPÇÃO DA
PROVISORIEDADE DO BENEPLÁCITO PELO HOMEM LEIGO. POSSIBILIDADE.
DESNECESSIDADE DE CONHECIMENTO TÉCNICO ESPECIALIZADO PARA
COMPREENSÃO DO FATO. RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO.
OBSERVÂNCIA DA MODULAÇÃO DE EFEITOS CONSIGNADA NO RESP 1.381.734/RN.
APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1 - O recurso autárquico reúne todos os pressupostos processuais para seu conhecimento, uma
vez que ataca especificamente os fundamentos utilizados pela r. sentença, sobretudo o de que
a boa-fé da pensionista tornaria inexigível o débito previdenciário.
2 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
7 - Compulsando os autos, verifica-se que a autora usufruiu do benefício de pensão por morte a
partir de 19/12/1975 (NB 000.013.035-4), em razão do óbito da instituidora. Como a
demandante nasceu em 13/01/1974, era esperado que o benefício fosse cessado em
13/01/1995, época em que ela atingiu a maioridade previdenciária. Entretanto, por uma erro do
INSS, o beneplácito foi pago até 31/08/2003..
8 - Por conseguinte, a autora foi notificada em 07/03/2007, para quitar o débito previdenciário
de R$ 21.018,40 (vinte e um mil, dezoito reais e quarenta centavos), relativos às parcelas por
ela recebidas entre 01/09/1998 e 31/08/2003 (ID 117369741 - p. 76/77).
9 - Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação
da lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela
impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente. Precedentes.
10 - No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e
operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo
tratamento jurídico dispensado às outras duas categorias - interpretação errônea e má
aplicação da lei.
11 - Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao
rito dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento,
exigindo nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da boa-fé
objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito previdenciário. Eis
a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão: “Com relação aos pagamentos
indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não
embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis,
sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício
pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso
concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
12 - Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com
base na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os
processos distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
13 - Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao
INSS não seriam passíveis de restituição até 23/04/2021 e, a partir da referida data, em razão
da modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento da
inexigibilidade do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou
pensionista nas hipóteses de erro operacional ou material.
14 - O caso dos autos versa sobre o cometimento de erro operacional pela Autarquia
Previdenciária, consubstanciado no pagamento do benefício de pensão por morte por prazo
superior àquele estabelecido em lei. Realmente, a falha no acompanhamento do período de
fruição da referida prestação, fez com que o benefício fosse pago até a pensionista atingir vinte
e nove anos.
15 - A situação fática dos autos em tudo se assemelha àquela discutida pelo C. STJ no REsp
1.381.734/RN, que deu origem à tese firmada no Tema 979. No referido recurso especial, a
dependente tinha recebido o benefício de pensão por morte por dois anos depois de já ter
atingido a maioridade previdenciária e, portanto, se discutia a possibilidade de cobrança dos
valores pagos durante o referido biênio.
16 - É sabido que a pensão por morte constitui benefício que tenta atenuar a supressão abrupta
do suporte financeiro pelo óbito do responsável natural pelo sustento do dependente. Não é
razoável uma pessoa leiga imaginar que tal beneplácito tem caráter vitalício, como afirmado
pela autora, sendo o seu recebimento durante a idade adulta ilegalidade flagrante, perceptível
prima facie até pelo cidadão comum desprovido de qualquer conhecimento técnico
especializado. Em tais circunstâncias, em que o segurado ou pensionista têm plenas condições
de entender a ilicitude da situação, não há como reconhecer sua boa fé objetiva perante o
INSS.
17 - Além disso, segundo a narrativa deduzida na inicial, a autora entrou com ação judicial
durante a adolescência, após ter atingido os dezesseis, a fim de exigir que os depósitos
subsequentes da pensão por morte fossem feitos em conta de sua titularidade, e não de seu
representante e genitor, o que demonstra que ela tinha conhecimento do alcance de seu direito
previdenciário até superior ao do senso comum.
18 - No entanto, considerando a modulação de efeitos realizada no REsp 1.381.734/RN,
determinando a aplicação da tese apenas aos feitos distribuídos na 1ª Instância a partir de
23/04/2021, e o fato de esta demanda ter sido ajuizada em 09/06/2010, deve ser reconhecida a
inexigibilidade do débito previdenciário, por se tratar de erro exclusivo do INSS e diante do
caráter alimentar dos benefícios previdenciários, devendo ser mantida a sentença de 1º grau de
jurisdição.
19 - Apelação do INSS desprovida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar de irregularidade formal e negar provimento à
apelação interposta pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
