
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5115935-22.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA ROLAK
Advogado do(a) APELADO: VALDINEIA VALENTINA DE CAMPOS RODRIGUES - SP220214-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5115935-22.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA ROLAK
Advogado do(a) APELADO: VALDINEIA VALENTINA DE CAMPOS RODRIGUES - SP220214-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o enquadramento de atividade especial, com vistas à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial.
A r. sentença julgou procedente o pedido para: (i) reconhecer a especialidade dos interstícios de 18/1/1982 a 24/04/1982, de 4/5/1982 a 30/10/1982, de 23/4/1984 a 8/11/1984, de 29/6/1988 a 30/9/1988 e de 21/6/1989 a 27/6/2016; (ii) determinar a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (27/6/2016 DER), observada a prescrição quinquenal e fixados os consectários legais.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual requer, preliminarmente, a revogação da gratuidade da justiça. Ainda em sede preliminar, alega a falta de interesse processual, diante da presença de documento novo não apresentado no processo administrativo e assim, requer a reforma da decisão a quo, devendo ser julgado extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 17 e 485, inciso V, do Código de Processo Civil. No mérito, sustenta a impossibilidade dos enquadramentos efetuados e da concessão deferida. Subsidiariamente, impugna a data do termo inicial fixada pela r. sentença.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5115935-22.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA APARECIDA ROLAK
Advogado do(a) APELADO: VALDINEIA VALENTINA DE CAMPOS RODRIGUES - SP220214-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Discute-se a revogação do benefício da justiça gratuita concedido no curso do processo.
Destaco, inicialmente, que o CPC, em seu artigo 1.072, revogou expressamente os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei n. 1.060/1950, por serem incompatíveis com as disposições trazidas pelos artigos 98 e 99 do diploma processual civil.
Dispõe o artigo 99, § 3º, do CPC:
“O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”
Assim, em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende da simples afirmação de insuficiência de recursos pela parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem “comprovar” a insuficiência de recursos.
Esse é o sentido constitucional da justiça gratuita, que prevalece sobre o teor da legislação ordinária.
A assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública da União (DPU) alcança somente quem percebe renda inferior a R$ 2.000,00 - valor próximo do limite de isenção da incidência de Imposto de Renda (Resolução CSDPU n. 134, editada em 7/12/2016, publicada no DOU de 2/5/2017).
Esse critério, bastante objetivo, poderia ser seguido como regra não absoluta, de modo que quem recebe renda superior àquele valor tenha contra si presunção juris tantum de ausência de hipossuficiência, cabendo ao julgador possibilitar a comprovação de eventual miserabilidade por circunstâncias excepcionais. Alegações de existência de dívidas ou de abatimento de valores da remuneração ou de benefício por empréstimos consignados não constituiriam desculpas legítimas para a obtenção da gratuidade, exceto se motivadas por circunstâncias extraordinárias ou imprevistas devidamente comprovadas. Esse entendimento induziria maior cuidado na propositura de ações temerárias ou aventureiras, semeando a ideia de maior responsabilidade do litigante.
Não se desconhece que há outros critérios, igualmente relevantes, para a apuração da hipossuficiência.
Contudo, adoto como critério legítimo e razoável para a aferição do direito à justiça gratuita o teto fixado para os benefícios previdenciários, atualmente no valor de R$ 6.433,57.
Com essas ponderações, passo à análise do caso concreto.
Segundo dados do Cadastro Nacional do Seguro Social (CNIS) verifica-se que a parte autora trabalhava para o empregador “Prefeitura Municipal de Matão" à época da propositura da ação (final de 2017), percebendo um rendimento mensal de R$ 2.213,12, valor abaixo do teto dos benefícios previdenciários (R$ 5.839,45).
Diante do caráter alimentar do rendimento, destinado a sua subsistência e de sua família, tal valor não deve ser considerado bastante para a exclusão da possibilidade de obtenção da gratuidade.
Dessa forma, faz-se necessária a manutenção da assistência judiciária concedida anteriormente.
No mais, não há que se falar em falta de interesse de agir da parte autora.
Nessa esteira, a questão da necessidade de prévio requerimento administrativo como condição para o regular exercício do direito de ação foi definitivamente dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n. 631.240, em 3/9/2014 (ementa publicada em 10/11/2014), sob o regime de repercussão geral:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir."
Sem margem a dúvidas, o Supremo Tribunal Federal (STF): (i) considerou constitucional a exigência de requerimento administrativo prévio como condição da ação; (ii) fixou regras transitórias para as ações judiciais em trâmite até a data da conclusão do julgamento (3/9/2014), sem precedência de processo administrativo.
O STF, concluindo o julgamento o RE n. 631.240, decidiu não haver necessidade de formulação de pedido administrativo prévio para que o segurado ingresse judicialmente com pedidos de revisão de benefício, a não ser nos casos em que seja necessária a apreciação de matéria de fato, o que não se verifica na situação em tela.
Ademais, o caso dos autos refere-se à ressalva da possibilidade de formulação direta do pedido perante o Poder Judiciário, por se tratar de entendimento do INSS notório e reiterado em desfavor da pretensão do segurado (item 3).
Com efeito, o que se exige para demonstrar a pretensão resistida e o estabelecimento da lide, é o pedido administrativo de concessão de benefício, o qual, in casu, foi formulado em 27/6/2016 anteriormente ao ajuizamento da ação (2017).
Dessa forma, não há que se falar em falta de interesse de agir da parte autora quanto ao pedido de enquadramento, sob o argumento de que o autor não apresentou documentos comprobatórios da especialidade pretendida no procedimento administrativo.
Assim, tendo em vista que o processo se encontra em condições de imediato julgamento, passo desde logo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
No caso vertente, em relação aos períodos controvertidos de 18/1/1982 a 24/04/1982, de 4/5/1982 a 30/10/1982, de 23/4/1984 a 8/11/1984, de 29/6/1988 a 30/9/1988, a parte autora logrou demonstrar, via laudo técnico pericial, o exercício das funções de plantio, carpa e colheita de cana-de-açúcar), atividades que comportam o enquadramento perseguido, nos termos do entendimento firmando nesta Nona Turma, em razão da penosidade e exposição a hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, consoante artigo da Revista Brasileira de Medicina do Trabalho (De Abreu, Dirce et al. A produção da cana-de-açúcar no Brasil e a saúde do trabalhador rural. Revista Brasileira de Medicina do Trabalho, v. 9, n. 2, p. 49-61, 2011. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/72967>.).
Ressalte-se que os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativo (TRF-4 - APELREEX: 50611258620114047100 RS 5061125-86.2011.404.7100, Relator: (Auxílio Vânia) PAULO PAIM DA SILVA, Data de Julgamento: 09/07/2014, SEXTA TURMA, Data de Publicação: D.E. 10/07/2014); (TRF-1- AC: 00435736820104013300 0043573-68.2010.4.01.3300, Relator: JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA, Data de Julgamento: 14/12/2015, 1ª CÂMARA REGIONAL PREVIDENCIÁRIA DA BAHIA, Data de Publicação: 22/01/2016 e-DJF1 P. 281).
No tocante ao intervalo de 21/6/1989 a 27/6/2016, PPP colacionado aos autos e o mencionado laudo pericial indicam, exposição habitual e permanente a calor de 31,25° (IBUTG), – acima ao estabelecido como limite no anexo 3 da NR-15 para trabalhos leves -, deve ser considerada como insalubre.
Nessa toada, cumpre destacar que o Decreto n. 3.048/1999 reconhece como especial o trabalho exercido com exposição ao calor acima dos limites de tolerância estabelecidos na NR-15, da Portaria n. 3.214/1978 (Anexo IV, código 2.0.4). Referida Portaria, no Anexo 3, Quadro I, estabelece para a atividade contínua leve (até 30,0), moderada (até 26,7) e pesada (até 25,0).
No mais, questões afetas ao recolhimento de contribuições previdenciárias ou divergências na GFIP não devem, em tese, influir no cômputo da atividade especial exercida pelo segurado, à vista do princípio da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicável neste enfoque.
Com efeito, inexiste violação da regra inscrita no artigo 195, § 5º, do Texto Magno, haja vista caber ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias, inclusive as devidas pelo segurado. Nesse sentido: TRF3, Ap 00204944120174039999, AC 2250162, Rel. DES. FED. TORU YAMAMOTO, 7ª Turma, Fonte e-DJF3 Judicial 1, DATA: 25/9/2017.
Em síntese, devem ser enquadrados como especiais os intervalos supracitados (de 18/1/1982 a 24/04/1982, de 4/5/1982 a 30/10/1982, de 23/4/1984 a 8/11/1984, de 29/6/1988 a 30/9/1988 e de 21/6/1989 a 27/6/2016), restando mantida a decisão a quo neste aspecto.
Nessas circunstâncias, considerando os períodos ora enquadrados, a parte autora conta mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial até a DER e, desse modo, faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Do termo inicial
Sobre o termo inicial do benefício, algumas considerações devem ser feitas.
De plano, como a comprovação da atividade debatida ocorreu apenas nestes autos, por meio de prova não submetida à prévia apreciação administrativa, penso ser adequada a fixação do termo inicial dos efeitos financeiros na data da citação, momento em que a autarquia teve ciência da pretensão, em sua plenitude, e a ela pôde resistir.
Quanto a esse aspecto, destaca-se o fato de o Poder Judiciário exercer suas atribuições em substituição à Administração que deve praticar os atos que lhe são inerentes como atividade primária.
Vale dizer: preponderantemente, apenas os atos que a Administração deveria, por lei, praticar podem ser passíveis de controle judicial, sob o enfoque de possível lesão ou ameaça a direito.
Nessa esteira, a concessão de benefício fundada em prova produzida exclusivamente na esfera judicial, por impedir a Administração de exercer o pleno exercício das atribuições que lhe são inerentes, afasta a configuração de mora da autarquia e a possibilidade de fixação do termo inicial na data do requerimento administrativo.
Afinal, a insuficiência ou inaptidão de elementos probatórios do direito invocado configura situação que, de forma indireta, inviabiliza o exercício de atividade própria da Administração.
A propósito, esses mesmos fundamentos foram evocados pelo Ministro Roberto Barroso ao apreciar, sob o regime da repercussão geral, o RE n. 631.240 e fixar tese sobre a necessidade de prévio requerimento administrativo nas ações de conhecimentos de cunho previdenciário.
Confira-se o seguinte trecho do voto:
“17. Esta é a interpretação mais adequada ao princípio da separação de Poderes. Permitir que o Judiciário conheça originariamente de pedidos cujo acolhimento, por lei, depende de requerimento à Administração significa transformar o juiz em administrador, ou a Justiça em guichê de atendimento do INSS, expressão que já se tornou corrente na matéria. O Judiciário não tem, e nem deve ter, a estrutura necessária para atender às pretensões que, de ordinário, devem ser primeiramente formuladas junto à Administração. O juiz deve estar pronto, isto sim, para responder a alegações de lesão ou ameaça a direito. Mas, se o reconhecimento do direito depende de requerimento, não há lesão ou ameaça possível antes da formulação do pedido administrativo. Assim, não há necessidade de acionar o Judiciário antes desta medida....”
Não obstante o entendimento acima consignado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 14, § 4º, da Lei n. 10.259/2001, ao tratar especificamente da matéria, deliberou pela prevalência da seguinte orientação (g. n.):
“A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria”. (Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015)
No mesmo sentido são os recentes julgados da Corte Superior: REsp 1.859.330/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 31/8/2020; AgInt no REsp 1.609.332/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/3/2019.
Dessa forma, curvo-me ao entendimento do STJ para manter o termo inicial da concessão do benefício na data do requerimento administrativo (DER – 27/6/2016), observada a prescrição quinquenal.
Todavia, deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
Diante do exposto, rejeito as matérias preliminares e nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA. MANTIDA. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. CALOR. ENQUADRAMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS.
- Manutenção dos benefícios da justiça gratuita. Preliminar rejeitada.
- Não há que se falar em falta de interesse de agir da parte autora quanto ao pedido de enquadramento, sob o argumento de que o autor não apresentou documentos comprobatórios da especialidade pretendida no procedimento administrativo.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a especialidade em razão do exercício de atividades rurais ligadas ao cultivo e corte de corte de cana-de-açúcar, da exposição habitual e permanente a agentes químicos deletérios (hidrocarbonetos aromáticos), fato que reforça e possibilita o reconhecimento da atividade insalutífera.
- Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos, em especial os hidrocarbonetos, não requerem análise quantitativa e sim qualitativa. Precedentes.
- Demonstrada a exposição habitual e permanente a calor acima ao estabelecido como limite no anexo 3 da NR-15 para trabalhos leves.
- Diante das circunstâncias da prestação laboral descritas, conclui-se que, na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
- A parte autora faz jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Termo inicial mantido na data do requerimento administrativo, observada a prescrição quiquenal.
- Deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
- Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da liquidação do julgado.
- Matérias preliminares rejeitadas.
- Apelação autárquica desprovida.
