Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003705-87.2018.4.03.6104
Data do Julgamento
05/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/09/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PAGAMENTO INDEVIDO. APOSENTADORIA. TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO INEXISTENTE. FRAUDE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO.
PRESCRIÇÃO AFASTADA. PEDIDO PROCEDENTE. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO
IMPROVIDA.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de
prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios
órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja
conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo
Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e
supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do
contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à
espécie.
- Deve o INSS observar as regras constitucionais, sob pena de ver seus atos afastados por
intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, a garantia do inciso LV do artigo 5o da Constituição
da República determina que em processos administrativos também deve ser observado o
contraditório regular.
- Quando patenteado o pagamentoa maiorde benefício, o direito de a Administração obter a
devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do
disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- O direito positivo veda o enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou
locupletamento), nos artigos 876 e 884 do Código Civil.
- O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido à sistemática de recurso repetitivo,
consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a
devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário
aja de boa-fé: REsp 995852 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0242527-4, Relator(a) Ministro
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
GURGEL DE FARIA, Órgão Julgador, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento, 25/08/2015,
Data da Publicação/Fonte, DJe 11/09/2015.
- No caso, não há controvérsia sobre a irregularidade da concessão do benefício. A autora busca
eximir-se da responsabilidade do ato alegando que o vínculo existiu e que contratou terceiro,
mediante pagamento de numerário para regularização das contribuições pretéritas. Todavia
essas tradicionais alegações de recebimento de boa-fé caem no vazio, enquanto inverossímeis.
Via de regra, sequer se identificam quem seriam esses “terceiros”. Evidentemente que houve
fraude e a ré é a principal beneficiária, de modo que se mostra implausível a alegação de boa-fé.
- O prazo prescricional fica suspenso durante o trâmite do processo administrativo (Superior
Tribunal de Justiça - REsp 294032/PR).
- O presente caso não se amolda exclusivamente na hipótese de erro administrativo cadastrada
pelo STJ como “TEMA REPETITIVO N. 979” – (Ofício n. 479/2017- NUGEP, de 17/8/2017),
porque o INSS busca o ressarcimento de benefício mantido com base em dolo.
- O acórdão da Junta de Recursos da Previdência Social tornou-se definitivo (f. 59 dos autos
originais) em 26/01/2009. O crédito foi inscrito em dívida ativa em 28/9/2012. A seguir a ré propor
ação ordinária (autos nº 0000280-16.2013.403.6104) objetivando obstar o ajuizamento de
execução fiscal, tendo neste feito sido deferida medida cautelar em 16/01/2013. Ao final o pedido
foi julgado procedente para afastar a propositura de medica judicial pelo INSS (f. 161/162),
posteriormente confirmada pelo Egrégio TRF3, com trânsito em julgado em 04/7/2016. Nos
termos do artigo 199, III, do Código Civil, o prazo prescricional esteve suspenso entre 01/2013 e
07/2016, pois o decisum proferido nos autos da ação nº 0000280-16.2013.403.6104 inviabilizou o
exercício do direito de ação executiva pela União. Como o INSS propôs a presenta ação em
05/12/2016, poucos meses após a definição da impossibilidade de propositura de execução fiscal,
não há falar-se em prescrição.
- Condenada a ré a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12%
(doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003705-87.2018.4.03.6104
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANEZIA APARECIDA CARREIRA CARUSO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003705-87.2018.4.03.6104
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANEZIA APARECIDA CARREIRA CARUSO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Cuida-se de apelação interposta em face
de r. sentença que julgou parcialmente procedente o pedido apresentado pelo INSS, para o fim
de condenar a ré a ressarcir ao autor as rendas mensais da aposentadoria por tempo de
contribuição, entre 31/12/1997 e 31/03/2004, discriminando os consectários.
A parte autora alega ter ocorrido a prescrição e ter recebido o benefício de boa-fé, além da
irrepetibilidade da verba alimentar, razão por que pretende a reforma do julgado com
consequente improcedência do pleito apresentado pela autarquia previdenciária.
Contrarrazões apresentadas.
Subiram os autos a esta Egrégia Corte.
O processo foi redistribuído a este gabinete.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003705-87.2018.4.03.6104
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ANEZIA APARECIDA CARREIRA CARUSO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias:Conheço da apelação, porquanto
satisfeitos os requisitos de admissibilidade.
A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de
prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios
órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja
conveniência e oportunidade não mais subsista.
Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo
Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e
supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do
contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à
espécie.
A Administração pode rever seus atos. Ao final das contas, a teor da Súmula 473 do E. STF “A
administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais,
porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial”.
Deve o INSS observar as regras constitucionais, sob pena de ver seus atos afastados por
intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, a garantia do inciso LV do artigo 5o da Constituição
da República determina que em processos administrativos também deve ser observado o
contraditório regular.
Por um lado, quando patenteado o pagamentoa maiorde benefício, o direito de a Administração
obter a devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do
disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
Trata-se de norma cogente, que obriga o administrador a agir, sob pena de responsabilidade.
A lei normatizou a hipótese fática controvertida nestes autos e já trouxe as consequências para
tanto, de modo que não cabe ao juiz fazer tabula rasa do direito positivo.
Trata-se de caso de enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou locupletamento).
O Código Civil estabelece, em seu artigo 876, que, tratando-se de pagamento indevido, “Todo
aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir”.
Além disso, deve ser levado em conta o princípio geral do direito, positivado como regra no atual
Código Civil, consistente na proibição do enriquecimento ilícito.
Assim reza o artigo 884 do Código Civil:
“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir
o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é
obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na
época em que foi exigido.”
Como se vê do item quarto do parágrafo anterior, dispensa-se o elemento subjetivo (ou seja, a
presença de má-fé) para a caracterização do enriquecimento ilícito e do surgimento do dever de
restituir a quantia recebida.
Para além, não há previsão de norma (regra ou princípio) no direito positivo brasileiro
determinando que, por se tratar de verba alimentar, o benefício é irrepetível.
A construção jurisprudencial, que resultou no entendimento da irrepetibilidade das rendas
recebidas a título de benefício previdenciário, por constituírem verba alimentar, pode incorrer em
negativa de vigência à norma do artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
E as regras acima citadas, previstas na lei e regulamentadas no Decreto nº 3.048/99, não
afrontam a Constituição Federal. Logo, são válidas e eficazes.
Há inúmeros precedentes no sentido da necessidade de devolução dos valores indevidamente
recebidos da seguridade social, inclusive oriundos do Superior Tribunal de Justiça.
Enfim, em vários casos de pagamento indevido, há precedentes de tribunais federais no sentido
da necessidade de devolução.
Nesse diapasão, mutatis mutandis:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO (CPC, ART. 557, § 1º).
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO
DOS BENEFÍCIOS DE AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA. AUSÊNCIA DE DIREITO
ADQUIRIDO. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CARÁTER
ALIMENTAR E BOA-FÉ. DESNECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 115 DA
LEI Nº 8.213/91 ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE QUANTO AOS VALORES RECEBIDOS NO
ÂMBITO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL E À SÚMULA VINCULANTE Nº 10. PRECEDENTES. 1. O agravo previsto no art. 557,
§1º, do Código de Processo Civil tem o propósito de submeter ao órgão colegiado o controle da
extensão dos poderes do relator, bem como a legalidade da decisão monocrática proferida, não
se prestando à rediscussão da matéria já decidida. 2. É indevida a cumulação de aposentadoria e
auxílio-acidente quando um destes benefícios previdenciários foi concedido após 11 de novembro
de 1997, data da vigência da Medida Provisória nº 1.596-14, na esteira do decidido pelo Superior
Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial 1.296.673/MG (Primeira Seção, Relator Ministro
Herman Benjamin, j. 22.08.2012, v.u., DJe 03.09.2012), submetido à sistemática dos recursos
representativos da controvérsia (CPC, art. 543-C). Conclusão que não representa ofensa ao
direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI). 3. Indevida a devolução dos valores recebidos pelo autor a
título de cumulação dos benefícios de auxílio-acidente e aposentadoria, pois tais verbas possuem
natureza alimentar e foram recebidas de boa-fé, por força de decisão judicial antecipatória dos
efeitos da tutela. Ressalva, entretanto, quanto aos valores recebidos no âmbito administrativo,
sobre os quais incide a regra prevista no art. 115 da Lei nº 8.213/91. Precedentes do Superior
Tribunal de Justiça. 4. Isso não conduz à necessária declaração de inconstitucionalidade do art.
115 da Lei nº 8.213/91. Ausência de violação ao art. 97 da Constituição Federal e à Súmula
Vinculante nº 10. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 5. Mantida a decisão agravada, eis
que inexistente ilegalidade ou abuso de poder e porque seus fundamentos estão em consonância
com a jurisprudência pertinente à matéria. 6. Agravos a que se nega provimento (APELAÇÃO
CÍVEL 1789514, NONA TURMA, Fonte: e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/05/2013, Relator: JUIZ
CONVOCADO SOUZA RIBEIRO).
PREVIDENCIÁRIO - RECEBIMENTO INDEVIDO DE BENEFÍCIO - DESCONTOS/RESTITUIÇÃO
AO INSS - POSSIBILIDADE - APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL, TIDA POR INTERPOSTA,
PROVIDAS. 1. Apesar do caráter alimentar dos benefícios previdenciários, os valores das
parcelas recebidas indevidamente devem ser restituídos ao INSS. 2. No caso, a parte autora não
possuía a titularidade do benefício, apenas e tão-somente, na qualidade de curadora, detinha a
obrigação de zelar pelo bem estar de sua curatelada, cujo falecimento fez cessar o benefício. A
inexistência de razões legítimas para que a parte autora considerasse o benefício como seu não
pode ser acobertada pelo princípio da boa fé, que remete aos princípios éticos, os quais proíbem
as pessoas se apropriarem de coisa alheias. 3. Legítimo o desconto efetivado, uma vez que não
há justificativas aptas a amparar o fato de a parte autora receber, como próprio, o benefício de
outrem depois do óbito de quem ele era devido (curatelada). 4. O princípio da boa-fé não pode
sobrepor a vedação das pessoas de apropriarem-se do patrimônio alheio, ainda que os valores
envolvidos possuam fins alimentares (AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1304791 Processo: 0001980-
93.2005.4.03.6108 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do Julgamento: 05/12/2011
Fonte: TRF3 CJ1 DATA:09/01/2012 Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DALDICE
SANTANA).
PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A MAIOR. DESCONTO NO
BENEFICIO PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA
NOTIFICAÇÃO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. REFORMA DA SENTENÇA. -
Confissão da parte autora do recebimento em duplicidade de quantia paga a título de
cumprimento do artigo 201, parágrafo 2º, da Constituição Federal. - O fato de a Constituição
Federal garantir o recebimento do valor de, pelo menos, um salário mínimo mensal, não pode ser
desvirtuado, a ponto de se garantir que, recebida quantia a mais, o desconto do pagamento
indevido não poder ocorrer, por tal garantia. Não é essa, também, a interpretação a ser dada aos
princípios, seja o de garantia de um salário mínimo, seja da irredutibilidade do valor do benefício.
Recebida quantia a maior, nada obsta o desconto posterior, desde que devidamente comprovada
tal hipótese. - Garantido o direito do recebimento do salário mínimo, pode-se proceder a desconto
temporário, destinado a regularizar uma pendência detectada. - Não há necessidade, por parte do
ente público, de se ajuizar a ação de repetição de indébito ou de notificar aquele que recebeu a
maior. Detectado o erro no pagamento, de imediato, a autarquia, dotada do poder de rever seus
atos, pode proceder à reavaliação. Tanto que pode, a qualquer momento, proceder à revisão
administrativa dos benefícios previdenciários. - Proibição de enriquecimento ilícito, seja do INSS,
seja do beneficiário. Iterativos precedentes jurisprudenciais. - Apelação e remessa oficial, tida por
interposta, providas, para julgar improcedente o pedido. Não há que se falar em condenação em
honorários advocatícios e custas processuais, tendo em vista que a parte autora é beneficiária da
assistência judiciária gratuita, seguindo orientação adotada pelo STF (AC - APELAÇÃO CÍVEL -
635737 Processo: 2000.03.99.060997-0 UF: SP Órgão Julgador: NONA TURMA Data do
Julgamento: 15/06/2009 Fonte: DJF3 CJ1 DATA:01/07/2009 PÁGINA: 825 Relator:
DESEMBARGADORA FEDERAL MARISA SANTOS).
O INSS pretende o ressarcimento dos valores recebidos aposentadoria por tempo de
contribuição, entre 31/12/1997 e 31/03/2004, alegando que em procedimento de revisão
administrativa apurou que a segurada recebeu a aposentadoria indevidamente, porque computou
tempo de contribuição inexistente (de 23/11/1988 a 31/12/1997), supostamente trabalhado para a
empresa ENLAPEL IND. E COM. DE PAPÉS LTDA..
No caso, não há controvérsia sobre a irregularidade da concessão do benefício.
A ré busca eximir-se da responsabilidade do ato alegando que o vínculo existiu e que contratou
terceiro, mediante pagamento de numerário para regularização das contribuições pretéritas.
Todavia essas tradicionais alegações de recebimento de boa-fé caem no vazio, enquanto
inverossímeis.
Via de regra, sequer se identificam quem seriam esses “terceiros”.
A rejeição de denúncia criminal, pela prescrição da pretensão punitiva, oferecida em desfavor da
autora (f. 252 do pdf) não traz reflexos na seara cível.
Evidentemente que houve fraude e a ré é a principal beneficiária, de modo que se mostra
implausível a alegação de boa-fé.
No mínimo, a devolução é imperativa porquanto se apurou a ausência deboa-fé objetiva (artigo
422 do Código Civil).
Em prosseguimento, a decadência deve ser afastada, porquanto o benefício foi concedido em
1998 e a instauração de procedimento pelo órgão revisor, por indícios de irregularidade, ocorreu
em 2004 (f. 18), dentro do prazo decenal.
Quanto à alegação de prescrição, igualmente deve ser afastada.
Digno de nota que o Superior Tribunal de Justiça (REsp 294032/PR), entende que o prazo
prescricional fica suspenso durante o trâmite do processo administrativo.
Nesse diapasão, outrossim, o julgamento da TNU (PEDILEF 05022347920084058102, PEDIDO
DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL, Relator(a) JUIZ FEDERAL
ADEL AMÉRICO DE OLIVEIRA, TNU Fonte DOU 26/04/2013).
Durante o prazo do processo administrativo, o prazo prescricional permaneceu suspenso.
No caso concreto, a questão foi muito bem explicada pelo MMº Juiz Federal que proferiu a
sentença (f. 416/417 do pdf). O acórdão da Junta de Recursos da Previdência Social tornou-se
definitivo (edital à. f. 59 dos autos originais) em 26/01/2009. O crédito foi inscrito em dívida ativa
em 28/9/2012.
A seguir a ré propor ação ordinária (autos nº 0000280-16.2013.403.6104) objetivando obstar o
ajuizamento de execução fiscal, tendo neste feito sido deferida medida cautelar em 16/01/2013.
Ao final o pedido foi julgado procedente para afastar a propositura de medica judicial pelo INSS (f.
161/162), posteriormente confirmada pelo Egrégio TRF3, com trânsito em julgado em 04/7/2016.
Nos termos do artigo 199, III, do Código Civil, o prazo prescricional esteve suspenso entre
01/2013 e 07/2016, pois o decisum proferido nos autos da ação nº 0000280-16.2013.403.6104
inviabilizou o exercício do direito de ação executiva pela União.
Como o INSS propôs a presenta ação em 05/12/2016, poucos meses após a definição da
impossibilidade de propositura de execução fiscal, não há falar-se em prescrição.
Digno de nota que as quantias indevidamente pagas à autora somaram R$ 467.508,30, segundo
cálculos do INSS.
Consigne-se, por outro lado, que o presente caso não se amolda exclusivamente na hipótese de
erro administrativo cadastrada pelo STJ como “TEMA REPETITIVO N. 979” – (Ofício n. 479/2017-
NUGEP, de 17/8/2017), porque o INSS busca o ressarcimento de benefício mantido com base em
dolo.
Pode-se falar em presença de ineficiência administrativa em seu apurar apenas tardiamente a
presença do pagamento indevido, mas tal peculiaridade não se resume a mero erro
administrativo, dada a conduta fraudulenta geradora de prejuízo aos contribuintes.
O patrimônio público merece prioridade, no caso. Ademais, o princípio da moralidade
administrativa, conformado no artigo 37, caput, da Constituição da República, obriga a autarquia
previdenciária a efetuar a cobrança dos valores indevidamente pagos, na forma do artigo 115, II,
da Lei nº 8.213/91.
Entendo, no mais, pessoalmente, que se apresenta questionável a aplicação da prescrição
quinquenal, em simetria com a regra do artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.É que não
há previsão legal de prescrição em desfavor do INSS, no presente caso. Só há prescrição em
desfavor do segurado, à luz do artigo 103, § único, da Lei nº 8.213/91. É de se perguntar se, em
direito administrativo, onde o administrador só pode agir quando autorizado por lei, se pode forjar
uma regra prescricional “por simetria”.
Clássica é a lição de Hely Lopes Meirelles: “Na Administração Pública, não há espaço para
liberdades e vontades particulares, deve, o agente público, sempre agir com a finalidade de
atingir o bem comum, os interesses públicos, e sempre segundo àquilo que a lei lhe impõe, só
podendo agir secundum legem. Enquanto no campo das relações entre particulares é lícito fazer
tudo o que a lei não proíbe (princípio da autonomia da vontade), na Administração Pública só é
permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, define até onde o administrador público poderá atuar de
forma lícita, sem cometer ilegalidades, define como ele deve agir.” (MIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005).
Ante o exposto, conheço da apelação e lhe nego provimento.
Condeno a ré a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze
por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º,
III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido
código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PAGAMENTO INDEVIDO. APOSENTADORIA. TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO INEXISTENTE. FRAUDE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO.
PRESCRIÇÃO AFASTADA. PEDIDO PROCEDENTE. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO
IMPROVIDA.
- A Administração Pública tem o dever de fiscalização dos seus atos administrativos, pois goza de
prerrogativas, entre as quais o controle administrativo, sendo dado rever os atos de seus próprios
órgãos, anulando aqueles eivados de ilegalidade, bem como revogando os atos cuja
conveniência e oportunidade não mais subsista.
- Trata-se do poder de autotutela administrativo, enunciado nas Súmulas 346 e 473 do Supremo
Tribunal Federal, tendo como fundamento os princípios constitucionais da legalidade e
supremacia do interesse público, desde que obedecidos os regramentos constitucionais do
contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, LIV e LV, da CF), além da Lei nº 9.784/99, aplicável à
espécie.
- Deve o INSS observar as regras constitucionais, sob pena de ver seus atos afastados por
intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, a garantia do inciso LV do artigo 5o da Constituição
da República determina que em processos administrativos também deve ser observado o
contraditório regular.
- Quando patenteado o pagamentoa maiorde benefício, o direito de a Administração obter a
devolução dos valores é inexorável, ainda que tivessem sido recebidos de boa-fé, à luz do
disposto no artigo 115, II, da Lei nº 8.213/91.
- O direito positivo veda o enriquecimento ilícito (ou enriquecimento sem causa ou
locupletamento), nos artigos 876 e 884 do Código Civil.
- O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento submetido à sistemática de recurso repetitivo,
consolidou o entendimento de que, em casos de cassação de tutela antecipada, a lei determina a
devolução dos valores recebidos, ainda que se trate de verba alimentar e ainda que o beneficiário
aja de boa-fé: REsp 995852 / RS, RECURSO ESPECIAL, 2007/0242527-4, Relator(a) Ministro
GURGEL DE FARIA, Órgão Julgador, T5 - QUINTA TURMA, Data do Julgamento, 25/08/2015,
Data da Publicação/Fonte, DJe 11/09/2015.
- No caso, não há controvérsia sobre a irregularidade da concessão do benefício. A autora busca
eximir-se da responsabilidade do ato alegando que o vínculo existiu e que contratou terceiro,
mediante pagamento de numerário para regularização das contribuições pretéritas. Todavia
essas tradicionais alegações de recebimento de boa-fé caem no vazio, enquanto inverossímeis.
Via de regra, sequer se identificam quem seriam esses “terceiros”. Evidentemente que houve
fraude e a ré é a principal beneficiária, de modo que se mostra implausível a alegação de boa-fé.
- O prazo prescricional fica suspenso durante o trâmite do processo administrativo (Superior
Tribunal de Justiça - REsp 294032/PR).
- O presente caso não se amolda exclusivamente na hipótese de erro administrativo cadastrada
pelo STJ como “TEMA REPETITIVO N. 979” – (Ofício n. 479/2017- NUGEP, de 17/8/2017),
porque o INSS busca o ressarcimento de benefício mantido com base em dolo.
- O acórdão da Junta de Recursos da Previdência Social tornou-se definitivo (f. 59 dos autos
originais) em 26/01/2009. O crédito foi inscrito em dívida ativa em 28/9/2012. A seguir a ré propor
ação ordinária (autos nº 0000280-16.2013.403.6104) objetivando obstar o ajuizamento de
execução fiscal, tendo neste feito sido deferida medida cautelar em 16/01/2013. Ao final o pedido
foi julgado procedente para afastar a propositura de medica judicial pelo INSS (f. 161/162),
posteriormente confirmada pelo Egrégio TRF3, com trânsito em julgado em 04/7/2016. Nos
termos do artigo 199, III, do Código Civil, o prazo prescricional esteve suspenso entre 01/2013 e
07/2016, pois o decisum proferido nos autos da ação nº 0000280-16.2013.403.6104 inviabilizou o
exercício do direito de ação executiva pela União. Como o INSS propôs a presenta ação em
05/12/2016, poucos meses após a definição da impossibilidade de propositura de execução fiscal,
não há falar-se em prescrição.
- Condenada a ré a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12%
(doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 4º, III, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do
referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação improvida. ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu conhecer da apelação e lhe negar
provimento. A Desembargadora Federal Marisa Santos acompanhou o Relator pela conclusão ,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
