Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5009187-70.2018.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 22/10/2019
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. CASAMENTO E POSTERIOR
DIVÓRCIO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA.NATUREZA DO RELACIONAMENTO.
CUIDADOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO PROVIDA.
- Fundado no artigo 201, inciso V, da Constituição Federal, o artigo 74, da Lei 8.213/91, prevê que
a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não.
- Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos:
condição de dependente e qualidade de segurado do falecido.
- A qualidade de segurado da de cujus não é matéria controvertida nestes autos.
- Ausência de comprovação bastante da condição de companheira do falecido, embora o de cujus
tenha voltado a viver na mesma casa da autora, após muitos anos de divórcio, para que ela
cuidasse de sua saúde debilitada.
- Invertida a sucumbência, condena-se a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada na
sentença, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 4º, III, do CPC, suspensa, poréma exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto
processual, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação conhecida e provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5009187-70.2018.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACI LIMA DO AMARAL
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO TADEU GARCIA BARRETO - SP140858-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009187-70.2018.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACI LIMA DO AMARAL
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO TADEU GARCIA BARRETO - SP140858-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA: Trata-se de apelação interposta em
face da r. sentença, proferida em ação previdenciária, que julgou procedente o pedido, para
conceder à autora o benefício previdenciário de pensão por morte, discriminados os consectários,
antecipados os efeitos da tutela, dispensado o reexame necessário.
Requer, o INSS, a reforma do julgado, alegando ausência de comprovação da dependência
efetiva da autora em relação ao de cujus, por ausência de prova material bastante.
Subsidiariamente pretende aplicação da TR à correção monetária dos atrasados.
Contrarrazões apresentadas.
Os autos subiram a este Egrégio Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5009187-70.2018.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: IRACI LIMA DO AMARAL
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO TADEU GARCIA BARRETO - SP140858-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal DALDICE SANTANA:Conheço da apelação porque
presentes os requisitos.
Quanto ao mérito, em atenção ao princípio tempus regit actum, aplica-se, no tocante à concessão
de benefícios previdenciários, a lei vigente à época do fato que o originou, consoante súmula 340
do STJ.
Desse modo, cumpre apreciar a demanda à luz do artigo 74 da Lei n. 8.213/91, com a redação
vigente na data do óbito do de cujus.
"Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não, a contar da data:
I - do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste;
II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;
III - da decisão judicial, no caso de morte presumida."
Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos:
condição de dependente e qualidade de segurado do falecido.
Importantes alterações se deram com o advento da Medida Provisória 664, de 30/9/2014,
convertida na Lei nº 13.135/2015, mas não se aplicam ao presente caso porque o óbito do
instituidor ocorreu antes da sua vigência.
O falecimento do (a) segurado (a) Albertino Batista do Amaral, em 02/12/2013, foi comprovado
pela juntada de cópia da certidão de óbito aos autos.
A qualidade de segurado do de cujus não é matéria controvertida nestes autos.
Quanto à condição de dependente, fixa o art. 16 da Lei n. 8.213/91, com a redação da Lei n.
9.032/95 (g. n.):
"Art. 16 - São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes
do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
(...)
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais
deve ser comprovada.”
No caso em foco, não restou comprovada a existência de união estável entre a autora e o de
cujus.
Como se verá, exsurgem dúvidas sobre os fatos constitutivos do direito da autora, por não se
identificar no caso um reatamento da vida conjugal, mas um relacionamento de natureza diversa.
A petição inicial foi instruída com os seguintes documentos, entre outros: certidão de óbito do de
cujus, constando, como declarante, Marlene Lima do Amaral Donini, e, como endereço, Rua
Prefeito Rinaldo Poli, 122, Jardim City, Guarulhos; documentos médicos do falecido no endereço
Rua dos Imigrantes, 16, Jardim Las Vegas, Guarulhos; documentos do INSS em nome da autora
no endereço Rua dos Imigrantes, 16, Jardim Las Vegas; carnê de IPVA em nome da autora, com
endereço na Rua dos Imigrantes, 16, Jardim Las Vegas, todos próximos à data do óbito.
A autora separou-se do de cujus em 2001 (certidão de casamento com averbação de divórcio à f.
8/9), mas alega que depois voltou a viver com ele em união estável.
Na certidão de óbito, consta que a autora era divorciada do de cujus.
A autora não estava inscrita como dependente do instituidor no INSS.
O endereço constante da certidão de óbito é diferente do da autora, tratando-se do da filha da
autora, Marlene Lima do Amral Donini, declarante da certidão de óbito.
E as três testemunhas deixaram claro que a autora voltou a viver no mesmo teto que instituidor
somente quando ele ficou doente, para que ela cuidasse da saúde do de cujus.
A testemunha Elenita deixou claro que a autora se separou do de cujus e só voltou a viver com
ele para cuidar de sua saúde, a partir de quando ele ficou doente. Não foi ao velório do falecido.
Não sabe se algum filho morava junto com a autora e o falecido. A autora separou-se do de cujus,
mas ele voltou quando ficou doente. Não lembra quanto tempo antes de falecer voltaram a viver
juntos. Não sabe o nome dos filhos, mas são 2 homens e 2 mulheres. A autora trabalhava até um
tempo atrás. Pelo que sabe era o de cujus quem pagava as contas e a autora passou por
dificuldades financeiras depois do falecimento do de cujus. A testemunha relutou ao dizer que a
autora passeava na rua com o de cujus. Visitou a casa da autora quando o de cujus estava muito
doente e a autora cuidava dele muito bem. Quando voltaram a viver juntos o de cujus estava
muito doente. Disse que voltaram a morar juntos “por um período bom”, antes do falecimento.
A testemunha Maria, que trabalha em enfermagem, também deixou claro que a autora era casada
com o de cujus e só voltaram a viver juntos quando ele ficou doente. Declarou que o casal vivia
em Jaçanã e depois se mudaram para Guarulhos. “Ela teve que cuidar dele”, ela disse. A
depoente ajudava a autora a levar o de cujus, que tinha câncer no esôfago, a um hospital do
Jaçanã, onde ele faleceu. Ele foi enterrado no Vila Rio, em Guarulhos. Não lembra o “detalhe” de
quanto tempo antes de falecer o instituidor voltou a viver com a autora. Os filhos aconselharam o
de cujus a viver com a autora, quando já estava bem doente. Ele voltou “pela necessidade”. Ele já
estava em estágio final, o hospital nada mais tinha a fazer, e por isso ele voltou para a casa da
autora, que cuidou do de cujus por período superior a um ano. Viveram então como marido e
mulher. Quem cuidou dos procedimentos do velório foram os filhos, porque a autora não entende
bem dos procedimentos. A autora e o de cujus não conviviam em público, mesmo porque pouco
saía por estar doente.
A testemunha Magaly declarou que o de cujus trabalhou até ficar doente, com câncer. Era a
autora quem cuidava dele. Conheceu a autora em Guarulhos. Não tinha muito contato com a
autora, não sabendo quem se mudou ao local antes. Conheceu o de cujus só porque ele ficou
doente e voltou a viver com a autora. Tinham quatro filhos, já adultos. Ficou sabendo que o
marido da autora ficou doente, mas não sabe qual doença. Já faz um tempinho que ele morreu. A
depoente não foi ao enterro. “Eles eram separados, depois ele ficou doente e ela foi buscar ele,
porque ele era o pai dos filhos dela e ela tinha obrigação de cuidar”. Ela cuidou dele até ele
morrer, como marido e mulher, porque ele ficava dentro da casa dela. A autora colocava o de
cujus numa cadeira de rodas para pegar sol e via isso através do portão.
O direito, desde a Constituição, protege a instituição da família, inclusive quando há união
estável, ou seja, sem celebração de casamento.
Neste aspecto, o Código Civil, em seu artigo 1.723, dispõe que é reconhecida como “entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Identifica-se, entretanto, no caso, uma reaproximação dos divorciados por razões humanitárias,
sendo a conduta da autora, de cuidar do ex-marido, digna de todos os aplausos sob os aspectos
ético e religioso.
A autora dispôs-se a cuidar do pai de seus filhos, porque ele estava doente, conclusão que se tira
pela própria oitiva das testemunhas.
Daí que a ação da autora aproxima-se de uma relação doméstica como cuidadora, muito mais
que uma esposa.
O de cujus não agia como marido, prestador de carinho e cuidado mútuos, mas como recebedor
de cuidados.
Nada os impedia a se casarem novamente.
Por um lado, descabe ao Judiciário tecer juízo de valor a respeito das naturezas das relações
familiares. Por outro, no caso faz-se necessário identificar suas características, dados os efeitos
jurídicos de tal relacionamento.
Há, assim, sérias dúvidas se esse proceder configura reatamento de uma vida como marido e
mulher, em união estável nos termos da lei civil, razão por que considero não comprovados os
fatos constitutivos do direito da autora.
Registro, por fim, que a autora recebe aposentadoria por idade desde 05/6/2016 (extrato
INFBEN), ou seja, tem renda própria (renda mensal de R$ 1.549,06).
Diante do exposto, conheço da apelação e lhe dou provimento, para julgar improcedente o
pedido.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada na
sentença, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo
estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PENSÃO POR MORTE. CASAMENTO E POSTERIOR
DIVÓRCIO. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA.NATUREZA DO RELACIONAMENTO.
CUIDADOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. APELAÇÃO PROVIDA.
- Fundado no artigo 201, inciso V, da Constituição Federal, o artigo 74, da Lei 8.213/91, prevê que
a pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer,
aposentado ou não.
- Para a obtenção da pensão por morte, portanto, são necessários os seguintes requisitos:
condição de dependente e qualidade de segurado do falecido.
- A qualidade de segurado da de cujus não é matéria controvertida nestes autos.
- Ausência de comprovação bastante da condição de companheira do falecido, embora o de cujus
tenha voltado a viver na mesma casa da autora, após muitos anos de divórcio, para que ela
cuidasse de sua saúde debilitada.
- Invertida a sucumbência, condena-se a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre a mesma base de cálculo fixada na
sentença, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I,
e 4º, III, do CPC, suspensa, poréma exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto
processual, por ser beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação conhecida e provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer da apelação e lhe dar provimento, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
