Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0000861-54.2012.4.03.6140
Relator(a) para Acórdão
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
02/12/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 09/12/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - PROCESSO CIVIL - RECEBIMENTO CONCOMITANTE DE BENEFÍCIOS -
ERRO ADMINISTRATIVO - MÁ-FÉ DO SEGURADO NÃO CONFIGURADA - DEVOLUÇÃO DE
VALORES: IMPOSSIBILIDADE - TEMA 979 DO STJ - APELAÇÃO DESPROVIDA - JUROS DE
MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS DE OFÍCIO
- A E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a
julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: Com relação aos
pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou
operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração,
são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do
benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do
caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido. REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- O aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática: - os valores
recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são
passíveis de devolução pelo segurado; - os valores recebidos indevidamente em razão de erro
material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da
boa-fé do segurado; - a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de
23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); - a repetição, quando admitida, permite o
desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
- O C. STJ distingui as situações em que o pagamento indevido decorre de interpretação errônea
e/ou má aplicação da lei daquelas em que o pagamento equivocado deflui de erro (material ou
operacional) da autarquia, merecendo destaque o seguinte trecho do voto da lavra do e. Ministro
Benedito Gonçalves: Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má
aplicação da lei), onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o
segurado recebeu o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor
recebido indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a
caso, de modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito
do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso,
diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária.
- Em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição. Já
nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional autárquico, é
preciso verificar se tal equívoco era capaz de “despertar no beneficiário inequívoca compreensão
da irregularidade do pagamento”,conditio sine qua non para que a restituição seja devida.
- A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo
com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança
jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
- No aludido precedente, o e. Ministro Benedito Gonçalves explica e exemplifica o que vem a ser
um caso de erro administrativo que dá ensejo à repetição do indébito: "Nesse contexto, é possível
afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a
indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito, situação que foi muito
bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe 3/9/2014, ao
exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui filhos e recebeu, por erro da
Administração, auxílio natalidade."
- Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com
esteio no artigo 927, §3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada,
estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado
julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
- A simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não
autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício
previdenciário,que, em tese, foram recebidos deboa-fépelos segurados/beneficiários.
- Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida
aboa-féda pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o
ressarcimento ao erário.
- No caso em comento, embora tenham sido pagas, concomitantemente, duas aposentadorias ao
autor, não restou demonstrado nexo de causalidade entre tal fato e uma conduta do segurado
contrária ao princípio da boa-fé.
- A aposentadoria por invalidez acidentária foi concedida por força de sentença exarada em
28/05/1997 no bojo de ação judicial, proposta em razão do indeferimento administrativo da
autarquia em 01/1994, não reconhecendo a incapacidade laborativa. O segurado continuou a
verter contribuições no curso daquela ação, vindo a obter, administrativamente, aposentadoria por
idade NB 103.477.509-7 em 14/08/1996.
- E, considerando a natureza diversa das aposentadorias em questão, bem como a forma com
que foram concedidas, plausível considerar a existência da boa-fé do segurado no recebimento
de ambos os benefícios.
- De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e
pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades que
causem prejuízo ao Erário Público.
- In casu, o INSS alegou, tanto em contestação como em razões de apelação, apenas a
existência de vedação legal à percepção de duas aposentadorias concomitantemente a justificar
o pleito de devolução dos valores recebidos indevidamente, sem qualquer menção ou
demonstração de que o segurado tenha agido de má-fé, sendo que, na seara administrativa, a
autarquia reconheceu que a acumulação indevida de benefícios se deu por erro administrativo.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em testilha, de
“situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos
termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário.
- Em que pese a demonstração do pagamento indevido, (i) sem que a autarquia, em nenhum
momento, apresentasse nos autos elementos a evidenciar nexo de causalidade entre tal fato e
uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé, e (ii) considerando que a presente
ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior Tribunal de
Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes
mencionada, devendo ser mantida a sentença, inclusive no que tange à tutela de urgência
deferida na origem.
- Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho de
2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração
opostos pelo INSS.
- Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte
alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos
Tribunais Superiores.
- Apelação do INSS desprovida. Juros de mora e correção monetária alterados de ofício.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000861-54.2012.4.03.6140
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FABIANO CHEKER BURIHAN - SP131523-N
APELADO: MANOEL JOSE DE PONTE
Advogado do(a) APELADO: ALINE SANTOS GAMA - SP308369-A
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000861-54.2012.4.03.6140
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FABIANO CHEKER BURIHAN - SP131523-N
APELADO: MANOEL JOSE DE PONTE
Advogado do(a) APELADO: ALINE SANTOS GAMA - SP308369-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Vistos em Autoinspeção.
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por MANOEL JOSÉ DE PONTE, objetivando a declaração de inexigibilidade de
crédito administrativo.
A r. sentença (ID 107350055 – Pág. 216/217) julgou procedente o pedido, para “condenar o
INSS a desconstituir o crédito de R$33.505,06, atualizado até 02/04/2010 (fls. 20), relativo ao
recebimento indevido do benefício de aposentadoria por idade com NB: 41/103.477.509-7, no
período compreendido entre 01/12/1999 e 30/11/2003, devolvendo-se os valores porventura já
pagos pelo segurado”, acrescidos de correção monetária e juros de mora. Honorários
advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa. Concedida a antecipação
dos efeitos da tutela.
Em suas razões recursais (ID 107350055 – Pág. 234/236), o INSS pugna pela reforma do
r.decisum, sustentando, em síntese, ser possível a cobrança dos valores recebidos
indevidamente pelo segurado, nos termos do artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91. No mais, afirma
que a boa-fé objetiva do segurado perante o INSS ou mesmo o caráter alimentar dos benefícios
previdenciários, por si só, não tornam tais verbas irrepetíveis, aduzindo, ainda, que, no caso dos
autos, a boa-fé não restou configurada, “em virtude de se tratar de fato que contraria
expressamente disposição legal”. Subsidiariamente, requer a aplicação da Lei nº 11.960/2009
na fixação dos critérios de incidência da correção monetária e dos juros de mora e a redução da
verba honorária de sucumbência.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões (ID 107350055 – Pág. 238/242), foram
os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
D E C L A R A Ç Ã O D E V O T O
A EXMA SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGINIA: O e. Desembargador Federal
CARLOS DELGADO apresentou judicioso voto, no qual dá provimento ao apelo do INSS para
reformar a r. sentença e julgar improcedente o pedido de declaração de inexigibilidade de
débito, revogando a tutela anteriormente concedida, condenando o autor nas verbas de
sucumbência.
Segundo Sua Excelência, “não constitui erro escusável o recebimento de prestação
previdenciária sabidamente indevida, ao mesmo tempo em que já usufruía de outro benefício,
razão pela qual não pode ser acolhida a alegação de boa-fé.”.
Entendo, com a devida vênia, que o recurso do INSS deve ser desprovido.
Com efeito, a E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se
submeteu a julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé,
a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou
erro da Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
O acórdão ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART.
115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE
INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO.
ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA
HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM
CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada
ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à
hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio
também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte
tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por
força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência
Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má
aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má
aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque
também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser
aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a
sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução
dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível
que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a
presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum
compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração
previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos
objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale
dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro,
necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n.
3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou
indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de
erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o
devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com
desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o
seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal,
ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé
objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento
indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste
representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável
interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a
centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os
processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste
acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a
cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se
estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de
simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na
exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos
benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da
vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos
dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Depreende-se, em resumo, que o aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução
da temática:
- os valores recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da
leinão são passíveis de devolução pelo segurado;
- os valores recebidos indevidamente em razão de erro material ou operacional da
Administraçãosão passíveis de devolução, salvo comprovação da boa-fé do segurado;
- a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de 23/04/2021
(publicação do acórdão paradigma);
- a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do
benefício do segurado.
Cumpre destacar que o C. STJ andou bem ao distinguir as situações em que o pagamento
indevido decorre de interpretação errônea e/ou má aplicação da lei daquelas em que o
pagamento equivocado deflui de erro (material ou operacional) da autarquia. No particular,
merece especial destaque o seguinte trecho do voto da lavra do e. Ministro Benedito
Gonçalves:
Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei), onde o
elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu o
benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido
indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de
modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não
pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do
seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária.
Ou seja, em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a
restituição. Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou
operacional autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de “despertar no
beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento”,conditio sine qua non
para que a restituição seja devida.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo
com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança
jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima. Como ensina
Almiro do Couto e Silva:
“Asegurançajurídicaéentendidacomosendoumconceitoouumprincípiojurídicoqueseramificaemdu
aspartes,umadenaturezaobjetivaeoutradenaturezasubjetiva.Aprimeira,denaturezaobjetiva,éaque
laqueenvolveaquestãodoslimitesàretroatividadedosatosdoEstadoatémesmoquandoestessequalif
iquemcomoatoslegislativos.Dizrespeito,portanto,àproteçãoaodireitoadquirido,aoatojurídicoperfeit
oeàcoisajulgada(...).Aoutra,denaturezasubjetiva,concerneàproteçãodaspessoasnopertinenteaos
atos,procedimentosecondutasdoEstado,nosmaisdiferentesaspectosdesuaatuação”
(COUTOESILVA,Almiro.OPrincípiodaSegurançaJurídica(ProteçãoàConfiança)noDireitoPúblicoB
rasileiroeoDireitodaAdministraçãoPúblicadeAnularseusPrópriosAtosAdministrativos:oprazodeca
dencialdoart.54daleidoprocessoadministrativodaUnião(Leinº9784/99).RevistaEletrônicadeDireito
doEstado,Salvador,InstitutodeDireitoPúblicodaBahia,nº2,abril/maio/junho,2005,p.3/4.Disponível
emhttp://www.direitodoestado.com.br/artigo/almiro-do-couto-e-silva/o-principio-da-seguranca-
juridica-protecao-a-confianca-no-direito-publico-brasileiro-e-o-direito-da-administracao-publica-
de-anular-seus-proprios-at)
Convém mais uma vez citar o voto do e. Ministro Benedito Gonçalves, no qual Sua Excelência
bem explica e exemplifica o que vem a ser um caso de erro administrativo que dá ensejo à
repetição do indébito:
Nesse contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram
incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito,
situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman
Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui
filhos e recebeu, por erro da Administração, auxílio natalidade.
Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com
esteio no artigo 927, §3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada,
estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado
julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
Assim, a simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração
não autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício
previdenciário,que, em tese, foram recebidos deboa-fépelos segurados/beneficiários.
Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida
aboa-féda pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o
ressarcimento ao erário.
No caso em comento, embora tenham sido pagas, concomitantemente, duas aposentadorias ao
autor, não diviso nos autos elementos a evidenciar nexo de causalidade entre tal fato e uma
conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé.
Pondero que, na singularidade, a aposentadoria por invalidez acidentária foi concedida por
força de sentença exarada em 28/05/1997 no bojo de ação judicial, proposta em razão do
indeferimento administrativo da autarquia em 01/1994, não reconhecendo a incapacidade
laborativa.
O segurado continuou a verter contribuições no curso daquela ação, vindo a obter,
administrativamente, aposentadoria por idade NB 103.477.509-7 em 14/08/1996.
E, considerando a natureza diversa das aposentadorias em questão, bem como a forma com
que foram concedidas, entendo ser plausível considerar a existência da boa-fé do segurado no
recebimento de ambos os benefícios.
De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e
pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades
que causem prejuízo ao Erário Público.
Frise-se que, in casu, o INSS alegou, tanto em contestação como em razões de apelação,
apenas a existência de vedação legal à percepção de duas aposentadorias concomitantemente
a justificar o pleito de devolução dos valores recebidos indevidamente, sem qualquer menção
ou demonstração de que o segurado tenha agido de má-fé.
Inclusive, na seara administrativa, a autarquia reconheceu que a acumulação indevida de
benefícios se deu por erro administrativo, conforme se depreende do documento de cobrança
administrativa constante do ID 107350055, p. 203.
Vê-se, pois, que a narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso
em testilha, de “situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a
autorizar, nos termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário.
No particular, destaco o seguinte trecho da sentença apelada:
No caso dos autos, verifico que o recebimento cumulado dos benefícios de aposentadoria por
idade (NB: 41/103.477.509-7) e aposentadoria por invalidez (NB: 42/105.257.928-8) no intervalo
compreendido entre 01/12/1999 e 30/11/2003 decorreu de falha de procedimento da autarquia
previdenciária, vez que é de competência deste órgão a administração das informações acerca
da concessão e manutenção dos benefícios, diligenciando, portanto, para cessá-los nas
hipóteses em que o recebimento conjunto de benefício encontra vedação legal, o que não foi
feito nos autos. Neste panorama, entendo demonstrada a falha da autarquia previdenciária na
manutenção do benefício em debate, vez que de diligenciar, conforme era de sua
responsabilidade.
Não obstante, vejo que a própria autarquia reconheceu que não houve contribuição fraudulenta
ou de má-fé por parte do beneficiário, haja vista o recebimento dos benefícios em dobro ter se
baseado no desconhecimento da lei (fls. 13/14). Logo, considerado o caráter alimentar do
benefício e, portanto, irrepetível, somado a sua evidente boa-fé, a parte autora não pode ser
obrigada a restituir os valores cobrados, em razão de falha administrativa para a qual não
contribuiu, nem deu causa.(...)”
Assim sendo, em que pese a demonstração do pagamento indevido, (i) sem que a autarquia,
em nenhum momento, apresentasse nos autos elementos a evidenciar nexo de causalidade
entre tal fato e uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé, e (ii) considerando
que a presente ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo
Superior Tribunal de Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação
de efeitos antes mencionada, devendo ser mantida a sentença, inclusive no que tange à tutela
de urgência deferida na origem.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta
Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento
pacificado nos Tribunais Superiores.
Por tais fundamentos, divirjo do i. Relator, para negar provimento ao recurso do INSS,
alterando, de ofício, os critérios de juros de mora e correção monetária, mantida, no mais, a r.
sentença monocrática.
É como voto. PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0000861-54.2012.4.03.6140
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FABIANO CHEKER BURIHAN - SP131523-N
APELADO: MANOEL JOSE DE PONTE
Advogado do(a) APELADO: ALINE SANTOS GAMA - SP308369-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente à parte autora, a título de benefício
previdenciário, na seara administrativa. Cumpre ressaltar, de início, que não há que se falar em
ação declaratória de inexigibilidade de crédito, tal como pretende o autor. A ação, existindo a
dívida, deveria ser desconstitutiva (anulação) do procedimento que culminou no
reconhecimento do crédito ou, se já inscrito este, desconstitutiva da CDI (certidão de dívida
inscrita).
O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na equidade, constitui alicerce
do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo
artigo 884 do Código Civil de 2002,in verbis:
"Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a
restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados açõesin rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito.
A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores
pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II,
da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99,in verbis:
"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)"
Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
Neste sentido, deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e
o enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de
benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o
equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os
demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
A possibilidade da Administração Pública rever os atos eivados de ilegalidade por ela praticados
é reconhecida há muito pela jurisprudência da Suprema Corte. Todavia, ainda remanesce a
controvérsia acerca das consequências jurídicas de tal anulação para os segurados e
pensionistas, mormente no que se refere ao dever de restituição de valores.
Na relação entre particulares, o próprio estatuto da propriedade estabelece as balizas para
dirimir conflitos de ressarcimento, pautando-se, sobretudo, no primado de que todo
enriquecimento individual deve ter uma justificativa jurídica aceitável, sob pena de ser
considerado indevido.
A mesma diretriz é utilizada nos casos em que fica demonstrado que o segurado usou de meios
fraudulentos para obter proveito econômico indevido, sendo o entendimento jurisprudencial
dominante de que, em tais circunstâncias, os valores são passíveis de restituição. O
fundamento, contudo, não é mais o direito de propriedade, como ocorre no âmbito privado, mas
sim o princípio geral de direito de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.
A questão se torna mais discutível quando se trata de valores recebidos pelo segurado de boa-
fé.
Isso ocorre porque os benefícios pagos pelo INSS constituem verbas de caráter alimentar e,
portanto, presume-se que seus titulares as utilizaram para suprir suas necessidades básicas de
subsistência, razão pela qual o retorno das partes ao status quo ante se torna improvável na
maioria das vezes.
Além disso, o segurado que age de boa-fé, fornecendo as informações solicitadas pela
Autarquia Previdenciária, sem adulterar ou ocultar nada, bem como submetendo-se a todos os
procedimentos administrativos, nutre a expectativa de que os valores por ele recebidos estão de
acordo com a lei, uma vez que a concessão de seu benefício foi precedida de análise por
agentes públicos ou alicerçada em pareceres técnicos especializados, que são muitas vezes
incompreensíveis para o homem comum, leigo em questões jurídicas ou contábeis.
A fim de dirimir a controvérsia acerca da restituição de valores em tais casos, a jurisprudência
distinguiu as falhas praticadas pela Administração Pública em três categorias, de acordo com a
natureza do ato que resultou no pagamento da vantagem indevida: interpretação errônea, má
aplicação da lei ou erro da administração latu sensu, entendido este último como aquele
operacional ou material.
Interpretação errônea consistiria no ato de atribuir ao preceito normativo um sentido que não
corresponde ao seu verdadeiro conteúdo, seja descaracterizando seus elementos materiais
objetivos, - como, por exemplo, a natureza ou a dimensão quantitativa da prestação -, mediante
a supressão, a alteração ou a adição de elementos, sob a justificativa de que eles estariam
"implícitos" no texto legal, seja ampliando seu alcance subjetivo, pela via hermenêutica, para
incluir em seu rol destinatários que, de outra forma, não seriam atingidos pelo preceito legal.
Já a má aplicação da lei ocorre quando se subsume uma determinada situação fática a norma
geral positivada que não se amolda ao caso concreto, muitas vezes olvidando que já existe
outro preceito legal, mais específico, que disciplina exatamente aquele fato gerador.
O erro material, por sua vez, é caracterizado pelas inexatidões puramente aritméticas ou de
digitação, não tendo origem na ignorância do agente público quanto ao sentido e alcance da
norma, tampouco na dificuldade por ele encontrada de identificar se o fato se enquadra na
hipótese de incidência positivada. Trata-se de mera falha humana decorrente de desatenção
que, em circunstâncias normais, seriam perceptíveis imediatamente pelos próprios agentes
públicos, caso tivessem feito a mera conferência dos atos após sua produção.
Por fim, o erro operacional decorre de negligência nas práticas administrativas puramente
burocráticas e está relacionado com a gestão ineficaz dos sistemas de informação, dos
documentos ou das rotinas próprias da repartição pública, tais como: a conferência das datas
de vencimento de benefícios, agendamento de revisões periódicas, incompatibilidade
inequívoca entre a prestação recebida e o segurado ou pensionista, perceptível imediatamente
até para o homem leigo.
Nas hipóteses de erros administrativos oriundos de interpretação errônea ou má aplicação da
lei, o entendimento jurisprudencial amplamente dominante sempre entendeu pela
impossibilidade de repetição dos valores recebidos indevidamente.
Isso porque à Administração Pública não é dado o direito de equivocar-se quanto à
interpretação ou à aplicação da lei. Justamente por considerar que os atos praticados por seus
agentes estão em conformidade com a legislação é que se atribui a eles a presunção de
veracidade, derivada de sua condição de terem sido produzidos por detentores de fé pública.
Ademais, conquanto ninguém possa invocar a ignorância como justificativa para se escusar de
cumprir a lei, não é razoável exigir dos segurados e pensionista que possuam conhecimento
técnico especializado suficiente para compreender a ilegalidade dos valores por ele recebidos.
Neste sentido, cito os seguintes precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI.
DEVOLUÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
ANÁLISE. SÚMULA 7 DO STJ.
1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, "aos recursos interpostos com fundamento no
CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os
requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então
pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2).
2. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que é incabível a devolução de valores
percebidos por servidor público de boa-fé, decorrente de interpretação equivocada ou má
aplicação da lei pela Administração.
3. A análise da tese recursal, a fim de derrogar o entendimento da Corte de origem, encontra
óbice na Súmula 7 do STJ.
4. Agravo interno desprovido."
(AgInt no AREsp 1528427/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 18/11/2019, DJe 02/12/2019)
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURADO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE POR ERRO OPERACIONAL
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DESCABIMENTO DA
PRETENSÃO ADMINISTRATIVA DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES. AGRAVO INTERNO DO
INSS DESPROVIDO.
1. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do Recurso Especial Representativo da
Controvérsia 1.244.182/PB, firmou o entendimento de que não é devida a restituição de valores
pagos de boa-fé, por força de interpretação errônea ou má aplicação da lei por parte da
Administração.
2. O mesmo entendimento tem sido aplicado por esta Corte nos casos de mero equívoco
operacional da Administração Pública, como na hipótese dos autos.
3. O requisito estabelecido para a não devolução de valores pecuniários indevidamente pagos é
a boa-fé do benefíciário que, ao recebê-los na aparência de serem corretos, firma
compromissos com respaldo na pecúnia; a escusabilidade do erro cometido pelo agente
autoriza a atribuição de legitimidade ao recebimento da vantagem.
4. Agravo Interno do INSS desprovido."
(AgInt no REsp 1606811/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 03/02/2017)
Tal posicionamento foi construído a partir da análise das hipóteses de restituição de valores
recebidos indevidamente pelos servidores públicos, em virtude de interpretação errônea e má
aplicação da lei. Assim, considerando o fato de que os Regimes Geral e Próprio de Previdência
Social, ao menos no âmbito federal, passaram a ter disciplina normativa muito similar após a
edição da Lei Complementar n. 12.618/2012, inclusive com teto remuneratório equivalente, o
Tribunal da Cidadania entendeu por aplicar a mesma ratio juris e reconhecer a inexigibilidade
do débito previdenciário em tais casos aos segurados e pensionistas do INSS.
A similitude no tratamento jurídico dispensado pelos Tribunais a servidores públicos, civis e
militares, e a aposentados e pensionistas do RGPS quanto a esta questão é evidente, conforme
se depreende das Súmulas 106 e 249 do C. Tribunal de Contas da União - TCU, in verbis:
"SÚMULA TCU 106: O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria
e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposição das importâncias já recebidas de
boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente."
"SÚMULA TCU 249: É dispensada a reposição de importâncias indevidamente percebidas, de
boa-fé, por servidores ativos e inativos, e pensionistas, em virtude de erro escusável de
interpretação de lei por parte do órgão/entidade, ou por parte de autoridade legalmente
investida em função de orientação e supervisão, à vista da presunção de legalidade do ato
administrativo e do caráter alimentar das parcelas salariais."
No que se refere ao pagamento de valores indevidos em razão de erros materiais e
operacionais imputáveis exclusivamente ao INSS, a jurisprudência vinha dando o mesmo
tratamento jurídico dispensados às outras duas categorias - interpretação errônea e má
aplicação da lei.
Entretanto, por ocasião do julgamento do recurso especial nº 1.381.734/RN, submetido ao rito
dos recursos repetitivos, o C. Superior Tribunal de Justiça modificou o seu entendimento,
exigindo apenas nos casos de erros operacionais ou materiais do INSS a demonstração da
boa-fé objetiva na conduta do segurado para reconhecer a inexigibilidade do débito
previdenciário. Eis a tese firmada pelo Tribunal da Cidadania sobre esta questão:
“Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo
(material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela
Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o
segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.” (Tema nº 979)
Os efeitos definidos no mencionado representativo da controvérsia foram modulados com base
na segurança jurídica e no interesse social envolvido, de modo a atingir somente os processos
distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação do v. acórdão (23/04/2021).
Ao esclarecer a questões, o Eminente Ministro Relator do voto condutor consignou o seguinte:
"(...) Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei),
onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu
o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor indevidamente, a
hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de modo a averiguar
se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento
dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de
lealdade para com a Administração Previdenciária.
Neste contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram
incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do débito,
situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman
Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui
filhos, e recebeu, por erro a Administração, auxílio natalidade.
Conforme fixado no precedente precitado, "descabe ao receptor da verba alegar que presumiu
o caráter legal do pagamento em hipótese de patente cunho indevido"(grifo nosso).
Assim, o pagamento indevido de valores em razão de falha imputável exclusivamente ao INSS
não seriam passíveis de restituição em nenhuma hipótese até 23/04/2021 e, partir da referida
data, em razão da modulação de efeitos, seria exigido, como condição para o reconhecimento
da inexigibilidade do débito previdenciário, a demonstração da boa-fé objetiva do segurado ou
pensionista nas hipóteses de erro operacional ou material.
Tal entendimento não destoa daquele firmado por esta Corte, conforme se infere dos seguintes
precedentes:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PREENCHIDOS OS REQUISITOS.
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFICIO CONCEDIDO.
1. Da análise dos autos, verifico que o benefício de amparo social foi concedido pelo INSS após
a avaliação do preenchimento dos requisitos legais para sua concessão. Assim, os valores
pagos a esse título foram recebidos de boa-fé pela autora, não se restando configurada, in
casu, qualquer tipo de fraude.
2. Nesse passo observo que, em observância ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, da
boa-fé da autora e da natureza alimentar do benefício previdenciário, não há que se falar em
devolução dos valores pagos indevidamente.
3. Portanto, indevida a cobrança pleiteada pelo INSS, devendo ser cessado qualquer desconto
e devolvido valores eventualmente pago pela parte autora.
4. Apelação parcialmente provida."
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5907619-55.2019.4.03.9999, Rel.
Desembargador Federal FERNANDO MARCELO MENDES, julgado em 08/01/2021, Intimação
via sistema DATA: 12/02/2021)
"PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO
ADMINISTRATIVAMENTE. POSTERIOR CESSAÇÃO. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS.
DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER
ALIMENTAR
1. Para comprovar o labor rural em regime de economia familiar no período compreendido entre
07/07/1962 até a 02/04/1998, a autora apresentou os seguintes documentos: a) Matrícula do
Sítio Tanquinho, onde a Autora declarou a profissão de “lavradora”, b) Comprovante de
recolhimento de INCRA referentes aos anos de 1988/1996, onde se verifica que a profissão
declarada do esposo, nos INCRA's de 1992/1996 é trabalhador rural e com a informação de
que nunca houve trabalhadores assalariados; c) Notas Fiscais de entrada, referentes à venda
de produtos agrícolas, confeccionadas em 1993, 1995 e 1997 1997 (ID 73539694 - Pág. 102 ,
ID 73539694 - Pág. 32/46); d) Notas Fiscais de compra de insumos agrícolas, confeccionadas
em 1994/1996; e) Comprovante de cadastro de trabalhador/contribuinte individual da Autora,
referente ao NIT 114.369.193- 33, onde a Autora declarou a atividade de segurada especial; e)
declaração do Sindicato Rural..
2. A declaração de sindicato rural não pode ser considerada início de prova material, uma vez
que não foi homologada pelo Instituto. Ela equivale a declaração particular subscrita por
terceiro, colhida sem o crivo do contraditório e, portanto, não se enquadra no conceito de prova
material (ID 73539694 - Pág. 4).-.
3. Por sua vez, a qualificação da autora na Certidão do Livro 3-O de Transcrições das
Transmissões (termo n. 15.122), expedida pelo Serviço de Registro de Imóveis e Anexos da
Comarca de Pederneiras-SP, não pode se estender após o seu casamento em 26/10/63, já que
na certidão de casamento ela está qualificada como “do lar” e seu marido como “motorista” . Por
outro lado, as demais provas acostadas aos autos (documentos fiscais), apenas identificam o
marido da autora.
4. Dúvidas não subsistem sobre a possibilidade de extensão da qualificação de lavrador de um
cônjuge ao outro constante de documento apresentado, para fins de comprovação da atividade
campesina, que indique, por exemplo, o marido como trabalhador rural (STJ, 3ª Seção, EREsp
1171565, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe 05.03.2015), especialmente quando houver
documentos em seu nome que atestem sua condição de rurícola, o que só é possível quando
se tratar de hipótese de agricultura de subsistência em que o labor é exercido em regime de
economia familiar.
5. Todavia, o seu marido era trabalhador urbano, pois qualificado como motorista (Certidão de
casamento 26/10/1963 onde ele está qualificado como motorista e ela do lar - ID 73539694 -
Pág. 143), além de aposentar-se por tempo de contribuição na condição de industriário, de
modo que a jurisprudência não autoriza a extensão da prova em nome do marido nestas
situações.
6. Ainda que se reconheça que a função de tratorista agrícola é essencialmente de natureza
rural, porque lida com a terra, o plantio, a colheita, de sorte que o trator deve ser considerado
instrumento de trabalho de qualidade rural, diverso do motorista, que labora no transporte em
função tipicamente urbana, fato é que, em 1998, o marido da autora se aposentou por tempo de
contribuição na condição de industriário, conforme INFBEN juntado aos autos com DIB em
21/10/98 e cujo valor, em 2009, era R$ 758,67 (ID 73539694 - Pág. 64) superior ao salário
mínimo da época que era R$ 465,00.
7. No caso concreto, embora a autora tenha demonstrado a existência de imóvel rural em seu
nome, isto não é suficiente para demonstrar o alegado trabalho nas lides campesinas em
regime de economia familiar, que pressupõe uma forma rudimentar de trabalho rural em que os
membros da família realizam trabalho indispensável à própria subsistência e mútua
colaboração.
8. Insta dizer que a simples existência de imóvel rural em nome da autora, por si só, não a
equipara a trabalhadora rural, principalmente em regime de economia familiar, devendo
demonstrar o efetivo exercício do seu trabalho na referida propriedade por um período mínimo,
contínuo e duradouro, o que não restou demonstrado.
9. Não comprovado o labor rural em regime de economia familiar, correta a cessação do
benefício.
10. O benefício foi concedido administrativamente após a avaliação do preenchimento dos
requisitos legais para sua concessão.
11. Os valores pagos a esse título foram recebidos de boa-fé pela autora, não se restando
configurada, in casu, qualquer tipo de fraude.
12. Conforme jurisprudência, é incabível a devolução de valores percebidos pelo beneficiário de
boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração.
13. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT,
julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores
recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada.
14. Recursos desprovidos."
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5790971-89.2019.4.03.9999, Rel.
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 11/09/2020, e - DJF3
Judicial 1 DATA: 17/09/2020)
"AGRAVO LEGAL. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-
DOENÇA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS POR TEMPO MÍNIMO. ERRO DA AUTARQUIA.
RESTITUIÇÃO DE VALORES. INVIÁVEL. CARÁTER ALIMENTAR DAS VERBAS E BOA-FÉ
DO SEGURADO.
1. O extrato do Sistema Único de Benefícios (fls. 61) comprova que a autora desistiu do
benefício de prestação continuada, o que evidencia sua boa-fé. Assim, o desconto é indevido.
2. É necessário observar que a garantia de benefício não inferior ao salário mínimo, no caso,
também impossibilita os descontos na pensão por morte que a autora recebe.
3. Como se vê, a decisão agravada resolveu de maneira fundamentada as questões discutidas
na sede recursal, na esteira da orientação jurisprudencial já consolidada em nossas cortes
superiores acerca da matéria. O recurso ora interposto não tem, em seu conteúdo, razões que
impugnem com suficiência a motivação exposta na decisão monocrática, que merece ser
sustentada.
4. Agravo legal improvido."
(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1401151 - 0006634-
51.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em
24/08/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/08/2015)
Do caso concreto.
Compulsando os autos, verifica-se que o autor obteve provimento jurisdicional que lhe
assegurou a percepção de benefício por incapacidade (aposentadoria por invalidez acidentária
NB 92/105.257.928-8, DIB 01/01/1994, ID 107350055 – Pág. 109). Todavia, enquanto
aguardava a conclusão da demanda judicial, postulou, na esfera administrativa, a concessão de
aposentadoria por idade, a qual foi deferida pelo órgão previdenciário, eis que preenchidos os
requisitos para tanto (NB 41/103.477.509-7, DIB 14/08/1996, ID 107350055 – Pág. 108).
O INSS, ao constatar que os benefícios vinham sendo mantidos de forma concomitante,
notificou o autor para apresentar defesa no bojo de procedimento administrativo e,
posteriormente, em 11/01/2012, para restituir as parcelas do benefício de aposentadoria por
idade por ele recebidas, no valor total de R$ 33.505,06 (trinta e três mil, quinhentos e cinco
reais e seis centavos) (ID 107350055 - p. 22).
Historiados os fatos, deve ser acolhido o pleito autárquico de restituição dos valores recebidos
pela parte autora.
No caso em apreço, conforme mencionado, o autor, após o ajuizamento de ação com o escopo
de obter provimento jurisdicional que lhe assegurasse a percepção de benefício por
incapacidade, pleiteou junto aos balcões da autarquia a concessão de aposentadoria por idade,
com resultado favorável. A conclusão do feito judicial também foi no sentido do dever de
pagamento da aposentadoria por invalidez.
Nessa senda, era dever do segurado - sob o pálio do princípio da boa-fé objetiva, que espraia
efeitos impondo lealdade processual – comunicar, nos autos do processo que culminou no
deferimento do benefício por incapacidade, a existência de benefício “ativo” (aposentadoria por
idade), a fim de possibilitar a compensação financeira por ocasião do cumprimento da sentença
naquela demanda.
O suposto descaso do ente previdenciário no curso do processo administrativo, ao indeferir a
aposentadoria por invalidez mesmo diante dos “graves problemas de saúde” que acometiam o
autor (conforme narrativa constante da exordial - ID 107350055 – p. 5), não autoriza este, por
outro lado, a se eximir do seu dever de proceder de forma leal, omitindo fatos relevantes,
concernentes ao recebimento concomitante de benefícios previdenciários.
A esse propósito, trago à colação os seguintes julgados deste Egrégio Tribunal e do C. Superior
Tribunal de Justiça:
“DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO.
VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. BOA-FÉ OBJETIVA.
CUSTAS PROCESSUAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Trata-se de ação ajuizada contra o INSS objetivando o restabelecimento de aposentadoria por
tempo de contribuição cumulada com declaração de inexigibilidade de débito e restituição de
valores.
- É assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados,
com base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º
346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
- O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), fixou a seguinte
tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro
administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada
da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30%
do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado,
diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que
não lhe era possível constatar o pagamento indevido."
- A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma.
Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, “esta se apresenta
como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe
o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como
agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal” (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em
28/06/2007).
(...)
- Apelação do INSS parcialmente provida.”
(TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0011801-71.2016.4.03.6000, Rel.
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 26/05/2021, Intimação
via sistema DATA: 02/06/2021)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO 2/STJ. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FRAUDE DOCUMENTAL. MÁ-FÉ RECONHECIDA.
DEVOLUÇÃO. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. (...)
4. A Seguridade Social, amplo sistema de proteção social inserido na Constituição Federal,
fundamenta-se no principio contributivo solidário, onde toda a sociedade colabora em prol de
um bem comum. A solidariedade, entretanto, não se resume ao esforço coletivo de manutenção
e custeio da seguridade social, atribuí também aos cidadãos o dever de exercício responsável e
consciente de seus direitos e pleitos, de modo a garantir que os recursos financeiros sejam
distribuídos com igualdade e justiça.
5. A boa-fé objetiva, por sua vez, princípio orientador do Direito contemporâneo, usualmente
empregado na proteção do segurado, também se traduz em alguns deveres dos segurados
para com a Previdência Social. Em observância à boa-fé objetiva, ao requerer um benefício
previdenciário, o segurado deve proceder de forma leal, com absoluta honestidade, não lhe
sendo permitido omitir fatos, adulterar documentos ou de qualquer maneira usar de meios
fraudulentos para a obtenção de benefícios.
6. Não há razão para afastar o dever de devolução dos valores, porquanto, ainda que a
prestação previdenciária tenha natureza alimentar, no caso de fraude contra a previdência
social, a gravidade do caso impõe a devolução do montante pago, a fim de se impedir
enriquecimento ilícito da recorrida em detrimento do interesse público.
7. No mesmo sentido: REsp 1.702.129/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, DJe 2/4/2018;
REsp 1.669.885/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, DJe8/6/2017.
8. Recurso especial provido para determinar a devolução de todos os valores pagos
indevidamente à recorrida.”
(REsp 1595530/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/10/2018, DJe 24/10/2018)
Assim, não constitui erro escusável o recebimento de prestação previdenciária sabidamente
indevida, ao mesmo tempo em que já usufruía de outro benefício, razão pela qual não pode ser
acolhida a alegação de boa-fé.
O fato de o INSS ter concluído, após entrevista realizada com o segurado que este não teria
agido de má-fé, pois “acreditava realmente que tinha direito a receber duas aposentadorias” (ID
107350055 – p. 15/16) não abala o entendimento acima delineado. Isso porque a “conclusão”
autárquica se deu de maneira precária, ao término de uma entrevista, de certa maneira, singela,
na qual não foram amealhados os elementos necessários ao deslinde da controvérsia.
Há que se ressaltar, ainda, que, no caso em testilha, não houve mero recebimento
concomitante no período em que usufruía da aposentadoria por idade até a implantação judicial
da aposentadoria por invalidez, e sim percepção indevida de parcelas de beneficio
previdenciário posterior ao desfecho da demanda judicial.
Em decorrência, não há qualquer equívoco na conduta da autarquia em exigir a restituição dos
valores recebidos indevidamente pelo autor, a título de aposentadoria por idade, no período de
01/12/1999 a 30/11/2003, sendo de rigor a reforma da r. sentença.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando a parte autora no ressarcimento
das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no
pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro no percentual mínimo do §3º do artigo
85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor atribuído à causa, devidamente
atualizado (art. 85, §2º, do CPC).
Havendo a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no §3º
do artigo 98 do CPC, ficará a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a
situação de insuficiência de recursos que a fundamentou.
Ante o exposto, dou provimentoà apelação do INSS, para reformar a r. sentença e julgar
improcedente o pedido, com revogação da tutela anteriormente concedida, inversão do ônus de
sucumbência e suspensão dos efeitos.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - PROCESSO CIVIL - RECEBIMENTO CONCOMITANTE DE BENEFÍCIOS
- ERRO ADMINISTRATIVO - MÁ-FÉ DO SEGURADO NÃO CONFIGURADA - DEVOLUÇÃO
DE VALORES: IMPOSSIBILIDADE - TEMA 979 DO STJ - APELAÇÃO DESPROVIDA - JUROS
DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADOS DE OFÍCIO
- A E. Primeira Seção do C. STJ, ao apreciar o tema repetitivo de n. 979, em que se submeteu a
julgamento a questão acerca da “Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de
benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da
Administração da Previdência Social”, firmou a seguinte tese jurídica: Com relação aos
pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou
operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração,
são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor
do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante
do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe
era possível constatar o pagamento indevido. REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021.
- O aludido precedente firmou as seguintes balizas para solução da temática: - os valores
recebidos indevidamente em razão de má aplicação ou de interpretação errônea da lei não são
passíveis de devolução pelo segurado; - os valores recebidos indevidamente em razão de erro
material ou operacional da Administração são passíveis de devolução, salvo comprovação da
boa-fé do segurado; - a comprovação da boa-fé será exigida para as ações ajuizadas a partir de
23/04/2021 (publicação do acórdão paradigma); - a repetição, quando admitida, permite o
desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.
- O C. STJ distingui as situações em que o pagamento indevido decorre de interpretação
errônea e/ou má aplicação da lei daquelas em que o pagamento equivocado deflui de erro
(material ou operacional) da autarquia, merecendo destaque o seguinte trecho do voto da lavra
do e. Ministro Benedito Gonçalves: Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação
errônea e má aplicação da lei), onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à
conclusão de que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não
devolução do valor recebido indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser
analisado caso a caso, de modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de
compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir
comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração
Previdenciária.
- Em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição.
Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional
autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de “despertar no beneficiário
inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento”,conditio sine qua non para que a
restituição seja devida.
- A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de
acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a
segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
- No aludido precedente, o e. Ministro Benedito Gonçalves explica e exemplifica o que vem a
ser um caso de erro administrativo que dá ensejo à repetição do indébito: "Nesse contexto, é
possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a
indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito, situação que foi
muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe
3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui filhos e
recebeu, por erro da Administração, auxílio natalidade."
- Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com
esteio no artigo 927, §3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada,
estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado
julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
- A simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não
autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício
previdenciário,que, em tese, foram recebidos deboa-fépelos segurados/beneficiários.
- Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja
ilidida aboa-féda pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de
obrigar o ressarcimento ao erário.
- No caso em comento, embora tenham sido pagas, concomitantemente, duas aposentadorias
ao autor, não restou demonstrado nexo de causalidade entre tal fato e uma conduta do
segurado contrária ao princípio da boa-fé.
- A aposentadoria por invalidez acidentária foi concedida por força de sentença exarada em
28/05/1997 no bojo de ação judicial, proposta em razão do indeferimento administrativo da
autarquia em 01/1994, não reconhecendo a incapacidade laborativa. O segurado continuou a
verter contribuições no curso daquela ação, vindo a obter, administrativamente, aposentadoria
por idade NB 103.477.509-7 em 14/08/1996.
- E, considerando a natureza diversa das aposentadorias em questão, bem como a forma com
que foram concedidas, plausível considerar a existência da boa-fé do segurado no recebimento
de ambos os benefícios.
- De outra parte, à autarquia impõe-se o dever de fiscalização e controle na concessão e
pagamento dos benefícios, dispondo de recursos visando constatar eventuais irregularidades
que causem prejuízo ao Erário Público.
- In casu, o INSS alegou, tanto em contestação como em razões de apelação, apenas a
existência de vedação legal à percepção de duas aposentadorias concomitantemente a
justificar o pleito de devolução dos valores recebidos indevidamente, sem qualquer menção ou
demonstração de que o segurado tenha agido de má-fé, sendo que, na seara administrativa, a
autarquia reconheceu que a acumulação indevida de benefícios se deu por erro administrativo.
- A narrativa fática dos autos conduz ao entendimento de não se tratar, no caso em testilha, de
“situação em que o homem médio consegue constatar a existência de erro”, a autorizar, nos
termos delineados pelo C. STJ, a devolução dos valores ao erário.
- Em que pese a demonstração do pagamento indevido, (i) sem que a autarquia, em nenhum
momento, apresentasse nos autos elementos a evidenciar nexo de causalidade entre tal fato e
uma conduta do segurado contrária ao princípio da boa-fé, e (ii) considerando que a presente
ação judicial foi proposta antes do julgamento do precedente vinculante pelo Superior Tribunal
de Justiça, a restituição postulada se mostra indevida, diante da modulação de efeitos antes
mencionada, devendo ser mantida a sentença, inclusive no que tange à tutela de urgência
deferida na origem.
- Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices
previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal,
aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, à exceção da correção monetária a partir de julho
de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal,
quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na
sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos
de declaração opostos pelo INSS.
- Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária
diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta
Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento
pacificado nos Tribunais Superiores.
- Apelação do INSS desprovida. Juros de mora e correção monetária alterados de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO
JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR MAIORIA, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO DO INSS, ALTERANDO, DE OFÍCIO, OS CRITÉRIOS DE JUROS DE MORA E
CORREÇÃO MONETÁRIA, NOS TERMOS DO VOTO DA DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA,
COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO E O DES. FEDERAL LUIZ
STEFANINI, VENCIDOS O RELATOR E O DES. FEDERAL PAULO DOMINGUES QUE
DAVAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
LAVRARÁ O ACÓRDÃO A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
