
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003241-42.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALMERINDA DA SILVA ARAUJO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LARISSA VENIALGO ESCOBAR - MS23746-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003241-42.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALMERINDA DA SILVA ARAUJO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LARISSA VENIALGO ESCOBAR - MS23746-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade rural.
Ao apreciar a questão, esta Nona Turma decidiu anular, de ofício, a sentença e, ex vi o artigo 1.013, § 3º, II, do Código de Processo Civil (CPC), julgar improcedente pedido de aposentadoria por idade rural, prejudicada a apelação, revogando a tutela ora deferida.
Em razão de recurso especial interposto pela parte autora nestes autos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a ocorrência de julgamento extra petita pela concessão do benefício da aposentadoria híbrida, apesar de a inicial ter veiculado pedido de aposentadoria rural, e determinou o retorno dos autos a esta Corte para julgamento do feito.
Transitada em julgado a decisão do STJ, os autos retornaram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003241-42.2023.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALMERINDA DA SILVA ARAUJO DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LARISSA VENIALGO ESCOBAR - MS23746-A
V O T O
Em cumprimento ao deliberado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de em recurso especial, prossigo no julgamento da apelação, a fim de analisar os pleitos de concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida e de restauração da tutela jurídica antecipada.
A aposentadoria por idade híbrida foi concedida desde 23/4/2022 (data em que a autora completou 60 anos de idade), com acréscimo dos consectários legais.
A aposentadoria por idade híbrida é prevista no artigo 48, §§ 2º e 3º, da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n. 11.718/2008, que tem o seguinte teor:
“Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (Redação dada pela Lei nº 9.032/95)
(...)
§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)”
Consoante dispositivos citados, a Lei n. 11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao segurado somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à carência exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
Com a entrada em vigor da Emenda Constitucional (EC) n. 103, em 13/11/2019, a aposentadoria por idade foi substituída pela denominada aposentadoria programada, prevista no artigo 201, § 7º, I, da Constituição Federal (CF):
“§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição;”
Como se nota, houve aumento da idade mínima para as mulheres, porém para as seguradas filiadas ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) até a data de entrada em vigor dessa Emenda Constitucional, seu artigo 18 estabeleceu regra de transição, nos seguintes termos:
“Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e
II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de 60 (sessenta) anos da mulher, prevista no inciso I do caput, será acrescida em 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade.”
Vale dizer: para obter o benefício, a mulher precisa contar: (i) 60 (sessenta) anos e 6 (seis) de idade em 2020; (ii) 61 (sessenta e um) anos de idade em 2021; (iii) 61 (sessenta e um) anos e 6 (seis) de idade em 2022; e (iv) 62 (sessenta e dois) anos a partir de 2023.
Além da elevação da idade mínima para mulheres, a EC n. 103/2019 também aumentou a carência (tempo de contribuição) exigida dos homens que se filiarem ao RGPS depois de sua entrada em vigor, consoante regra inserta em seu artigo 19:
"Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20 (vinte) anos de tempo de contribuição, se homem."
Quanto à qualidade de segurado, desde a vigência da Lei n. 10.666/2003 (art. 3º, § 1º) sua perda não será considerada para a concessão da aposentadoria em debate, ou seja, os requisitos legais (carência e idade) não precisam ser preenchidos simultaneamente.
Em relação ao tempo rural passível de ser utilizado para completar a carência exigida para a concessão desse benefício, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar o Tema Repetitivo n. 1.007, fixou a seguinte tese:
“O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo.”
Por sua vez, a comprovação dessa atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
Neste caso, a parte autora completou 60 (sessenta) anos de idade em 23/4/2022, data posterior à DER (22/9/2021), bem assim após a propositura da ação (4/3/2022).
A autora narra que desde 1980 exerce atividades rurais, inicialmente em regime de economia familiar, na Chácara Boqueirão, no município de Paratinga, estado da Bahia e, a partir de 1995, no município de Paranhos, em Mato Grosso do Sul, sem registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), na Fazenda Itapoã, pertencente a Heliomar Klabunde.
Posteriormente, veio a ser registrada na Fazenda Boa Vista, como caseira (de 12/1/2006 a 15/5/2011) e “serviços gerais” (de 2/5/2012 a 31/7/2014).
Para comprovação da alegada atividade rural, consta nos autos a seguinte documentação: (i) certidão de casamento, celebrado em 20/11/1987, na qual a autora e o cônjuge foram qualificados como lavradores; (ii) CTPS da autora com registros de trabalho nos períodos de 12/1/2006 a 15/5/2011 (caseira) e de 2/5/2012 a 31/7/2014 (serviços gerais), ambos na Fazenda Boa Vista; e (iii) CTPS do cônjuge com anotações rurais entre 2000 e 2017; e (iv) documentos referentes à propriedade rural do cônjuge, localizada no Estado da Bahia, local em que a autora alega ter trabalhado até 1994.
Referidos períodos anotados em CTPS correspondem a 92 (noventa e dois) meses de carência, totalizando 7 (sete) anos, 7 (sete) meses e 3 (três) dias.
Em relação ao período anterior a 1995, as provas materiais são os contratos de empréstimos firmado pelo cônjuge com o Banco do Brasil para custeio das lavouras de mandioca e milho nos anos de 1981 e 1988. Ademais, na certidão de casamento da requerente, consta sua condição de lavradora em 1987. Ainda, há o comprovante de pagamento do sindicato rural em 1984 e guia de recolhimento de tributo rural em nome do esposo no dia 4/9/1989.
Não obstante a pletora de documentos, ausente nos autos prova testemunhal que corroborasse o exercício de atividade rural pela autora no estado da Bahia. A testemunha e os informantes ouvidos em audiência conheceram a autora já em Mato Grosso do Sul, na Fazenda Itapoã, não sabendo sobre suas atividades anteriores.
Ainda que o Juízo a quo tenha constatado outros documentos indicativos do labor da família da autora em Paratinga/BA nos autos n. 0801656-78.2016.8.12.0004 – ação previdenciária de aposentadoria por idade rural, proposta por seu esposo Evangelista Pereira de Souza –, esses não têm o condão de favorecer a apelada.
Não houve naqueles autos qualquer determinação de averbação de tempo de atividade rural antes de 1995, mormente quando o pedido foi de aposentadoria por idade rural, a qual prevê apenas o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido (15 anos).
No mesmo sentido destes autos, as testemunhas ouvidas no processo judicial do cônjuge possuem conhecimento apenas do trabalho no município de Paranhos, estado de Mato Grosso do Sul.
Por sua vez, no que tange ao período que passou a morar no estado de Mato Grosso do Sul, entre 1995 e 2006, cumpre destacar que embora a autora não ostente registro em CTPS, sempre exerceu a mesma atividade (doméstica em fazendas), conforme se denota do depoimento dos informantes, os quais revelaram que a demandante limpava a casa e cozinhava para os patrões e funcionários.
Cumpre salientar que tal atividade, ainda que tenha se dado em estabelecimento rural, não constitui trabalho rural e sim urbano.
É impossível ignorar que o cônjuge da autora foi devidamente registrado pela Fazenda Itapoã, entre 1º/7/2000 e 18/5/2004, não sendo crível que somente a autora fosse preterida do registro na mesma propriedade rural.
Deste modo, é indevida a averbação de qualquer interstício, porque não comprovado o trabalho exclusivamente rural.
Assim, porque não cumprido o requisito da carência do artigo 25, II, da LBPS, é inviável a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, à luz do determinado pelo STJ, dou provimento à apelação para, nos termos da fundamentação, julgar improcedente o pedido de aposentadoria por idade híbrida.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan:
Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, que, conforme relatório, foi convertida para análise dos requisitos da aposentadoria por idade híbrida.
A e. Relatora proferiu voto em que deu provimento à apelação do INSS, reformando a sentença de piso de procedência do pedido formulado na exordial.
Com a máxima vênia, divirjo da e. Relatora no tocante ao tipo de julgamento, que entendo ser caso de extinção sem mérito, nos termos do Tema 629 do STJ, conforme passo a explicitar.
DO CASO DOS AUTOS
No presente caso, a Autora completou o requisito de idade mínima de 60 anos em 2022, portanto, após a data do requerimento administrativo (22/09/2021) e também após a distribuição da ação (04/03/2022), devendo demonstrar o efetivo exercício da atividade laborativa (urbana e rural) por, no mínimo, 180 meses.
São incontroversos os períodos urbanos de 12/01/2006 a 15/05/2011 (Cleia Carvalho Peres Verdi) e de 02/05/2012 a 24/01/2013 (Cleia Carvalho Peres Verdi).
Tais intervalos laborativos foram reconhecidos administrativamente, representando, para fins de carência, apenas 74 (setenta e quatro) meses de contribuições, razão pela qual a Autarquia indeferiu o requerimento de concessão do benefício de aposentadoria por idade.
Cinge-se a controvérsia recursal sobre o reconhecimento e cômputo, como efetivamente trabalhado no campo, na condição de trabalhadora rural, de 17/06/1981 até 04/09/1989 e de 01/01/1995 até 11/01/2006.
Objetivando constituir início de prova material do labor campesino, trouxe aos autos:
a) nota do Banco do Brasil datada de 27/10/1980, em nome do marido da Autora, nessa época companheiro, participante do PROAGRO (Id. 276118085, pág. 15);
b) Nota de Crédito Rural em nome do marido da Autora, nessa época companheiro, visando custeio das lavouras de mandioca e milho em propriedade própria Fazenda Conceição, em Paratinga-BA, com data de 17/06/1981 (Id. 276118082, págs. 18/19);
c) nota do Banco do Brasil datada de 27/09/1981, em nome do marido da Autora, nessa época companheiro, participante do PROAGRO (Id. 276118085, págs. 11 e 22);
d) nota do Banco do Brasil datada de 17/05/1982, em nome do marido da Autora, ainda companheiro, participante do PROAGRO (Id. 276118085, pág. 19);
e) certidão de nascimento de Ednaide, filha da Autora Almerinda com seu então companheiro Evangelista, em 14/08/1982, em Paratinga-BA (Id. 276118082, pág. 34);
f) Nota de Crédito Rural em nome do companheiro da Autora, que se declarou já “casado”, agricultor, visando custeio das lavouras de mandioca e milho em propriedade própria Fazenda Conceição, em Paratinga-BA, com data de 17/09/1982 (Id. 276118085, págs. 20/21)
g) ITR de 1983 em nome do companheiro da Autora, Paratinga-BA (Id. 276118085, pág. 24)
h) certidão de nascimento de Acácio, filho da Autora Almerinda com seu então companheiro Evangelista (consta “casados eclesiasticamente”), nascido em 03/07/1984, em Paratinga-BA (Id. 276118082, pág. 37);
i) recibo de pagamento ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paratinga-BA, com data de 25/05/1984, em nome do marido da Autora, nessa época companheiro (Id. 276118082, pág. 20);
j) nota do Banco do Brasil datada de 26/09/1984, em nome do marido da Autora, ainda companheiro, participante do PROAGRO (Id. 276118085, pág. 18);
k) ITR de 1985 em nome do companheiro da Autora, Paratinga-BA (Id. 276118085, pág. 24)
l) documento de identidade de Miguel, filho da Autora Almerinda com seu então companheiro Evangelista, nascido em Paratinga-BA no dia 29/09/1985 (Id. 276118082, pág. 35);
m) Nota de Crédito Rural em nome do companheiro da Autora, que se declarou já “casado”, agricultor e residente em Paratinga-BA, com data de 30/08/1986 (Id. 276118085, págs. 25/27)
n) notas do Banco do Brasil datadas de 28/09/1987, em nome do marido da Autora, ainda companheiro, participante do PROAGRO (Id. 276118085, pág. 16);
o) certidão de casamento realizado em 20/11/1987, constando a Autora Almerinda e seu esposo Evangelista como lavradores (Id. 276118080, pág. 16);
p) nota do Banco do Brasil datada de 30/12/1987, em nome do marido da Autora, ainda companheiro, participante do PROAGRO (Id. 276118085, pág. 17);
q) guia de recolhimento tributário ao INCRA em nome do esposo da Autora e data 04/09/1989 (Id. 276118085, pág. 13);
r) certificado de cadastro no INCRA de imóvel indicado como Boqueirão, em Paratinga-BA, em nome do esposo da Autora e data de vencimento 07/08/1989 (Id. 276118089, pág. 94);
s) comprovante de pagamento de ITR de imóvel indicado como Boqueirão, em Paratinga-BA, em nome do esposo da Autora e data de vencimento 25/11/1991 (Id. 276118089, pág. 95);
t) comprovante de pagamento de ITR de imóvel indicado como Boqueirão, em Paratinga-BA, em nome do esposo da Autora e data de vencimento 25/05/1995 (Id. 276118089, pág. 96);
u) certidão de nascimento do filho da Autora, Allan, em 26/12/2000, em Paranhos-MS (Id. 276118082, pág. 33);
v) Instrumento particular de procuração outorgada pela Autora e seu esposo para venda de propriedade rural, constando ambos como lavradores e domiciliados em Paranhos-MS, referente a venda de parte de imóvel rural localizado em Paratinga-BA, com data de 27/12/2007 e firma reconhecida (Id. 276118087, pág. 03);
w) CTPS da autora com registros de trabalho nos períodos de 12/01/2006 a 15/05/2011 como caseira em estabelecimento rural (pecuário) e de 02/05/2012 a 31/07/2014 serviços gerais no mesmo estabelecimento rural (pecuário), Fazenda Boa Vista, em Tacuru-MS (Id. 276118080, pág. 19);
x) CTPS do cônjuge com registros rurais de 01/07/2000 a 18/05/2004, de 12/01/2006 a 15/05/2011, de 02/05/2012 a 12/01/2013 e de 01/11/2013 a 01/10/2017 (Id. 276118081, págs. 35/36).
Ainda, apresenta prova oral com depoimento de duas testemunhas.
Com efeito, conforme se depreende das provas carreadas, é possível reconhecer o labor campesino da Autora no período de 17/06/1981 até 25/05/1995. As datas foram assim delimitadas considerando-se a data de início requerida na petição inicial, aliada ao documento do Id. 276118082, págs. 18/19, bem como todos os documentos existentes até 25/05/1995, no Id. 276118089, pág. 96 e prova oral.
A prova do labor campesino das mulheres é objeto de menção no documento do Grupo de Trabalho instituído pelo Conselho Nacional de Justiça, Portaria CNJ nº 27, de 02 de fevereiro de 2021, que divulga o “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero 2021” e salienta a dificuldade das mulheres que trabalham em atividades rurais na obtenção de prova documental, porquanto as tarefas campesinas são usualmente somadas às atividades domésticas.
Destaco o trecho: “A constituição de prova quanto ao período de atividade rural. Deve-se ressaltar, ainda, outra singularidade que caracteriza a mulher do campo e que atua para tornar mais difícil a constituição da prova do labor rural: a indistinção entre o trabalho doméstico e o trabalho rural produtivo. No caso da mulher que exerce atividades no mercado de trabalho urbano, embora cumule historicamente duas funções – a doméstica, do cuidado do lar e dos filhos, e o trabalho economicamente relevante –, há uma evidente, ou pelo menos, suficiente, distinção entre ambos os espaços. Contribuem para essa diferenciação a separação física entre a casa e o trabalho ou a delimitação concreta do tempo despendido em cada uma dessas atividades. A trabalhadora do campo, por outro lado, não distingue trabalho doméstico de trabalho da terra, salvo, talvez, porque no primeiro caso não pode contar com a ajuda do marido ou companheiro. Por fim, colabora para a dificuldade de delimitação o fato de que parte da produção era (e ainda é) utilizada na própria subsistência, e que eventuais excedentes de produção poderiam ser trocados na comunidade por outros víveres, sendo a remuneração em espécie uma exceção. (...) A constituição de prova quanto à atividade rurícola para a mulher que vindica aposentadoria rural deve ser sensível a essas circunstâncias caracterizadas tanto pela proeminência do arcabouço probatório documental em nome e em posse do companheiro quanto pelo trabalho por ela majoritariamente desempenhado não ser comumente documentado. Assim, a qualificação do companheiro precisa prestigiar essa mulher. Neste ponto cabe uma consideração adicional, que envolve as mulheres que não têm companheiro – sejam aquelas que já o tiveram, mas não formalizaram a união pretérita, seja aquelas que sempre assim o foram. Para essas mulheres, não há sequer certidão de casamento ou outros documentos com a qualificação do companheiro capaz de lhe aprouver em seu intento de atestar a atividade rural. Assim, reconhecendo a condição dessas mulheres, há a necessidade de expandir-se um pouco mais o conceito do que se entende por início de prova material. Consequentemente, pode-se abarcar como tais documentos em que a condição de lavrador seja reconhecida a outros membros de sua família, como o genitor, o irmão ou o filho (por exemplo, com certidão de casamento, certidão de óbito, carteira de trabalho destes familiares).”
No caso concreto, a Autora constou expressamente qualificada como lavradora em documentos contemporâneos ao labor rural, sendo possível reconhecer, no mínimo, o intervalo de 17/06/1981 até 25/05/1995.
DO DIREITO À APOSENTADORIA
Como dito, o implemento do requisito etário se deu no curso do processo, sendo, assim, caso de reafirmação da DER.
Com a somatória dos períodos urbanos incontroversos constantes no CNIS e na CTPS (12/01/2006 a 15/05/2011 e de 02/05/2012 a 24/01/2013), e o labor rural ora reconhecido, a parte autora totalizou, até data do requerimento administrativo, a soma de 242 meses de carência, portanto, superando o tempo de 180 meses necessários para a concessão do benefício vindicado, sendo de rigor a concessão da benesse.
TERMO INICIAL
O termo inicial deve ser alterado para a data em que foi implementado o requisito etário, qual seja, 23/04/2022, não havendo parcelas prescritas (demanda ajuizada em 04/03/2022). Trata-se de caso de reafirmação da DER.
CONSECTÁRIOS
JUROS DE MORA
Conforme disposição inserta no art. 219 do Código de Processo Civil 1973 (atual art. 240 Código de Processo Civil - Lei nº 13.105/2015), os juros de mora são devidos a partir da citação na ordem de 6% (seis por cento) ao ano, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/02, após, à razão de 1% ao mês, consonante com o art. 406 do Código Civil e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/2009 (art. 1º-F da Lei 9.494/1997), calculados nos termos deste diploma legal.
Neste ponto, insta ressaltar que, nos termos do julgado do C. STJ, apenas quarenta e cinco dias após o INSS não efetivar a implantação do benefício é que deve ter início a incidência dos juros de mora, na forma acima disposta
CORREÇÃO MONETÁRIA
A correção monetária deve ser aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente (conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal), observados os termos da decisão final no julgamento do RE n. 870.947, Rel. Min. Luiz Fux.
DA APLICAÇÃO ÚNICA DA SELIC A PARTIR DA EC 113, de 08/12/2021
Desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n.º 113, de 08/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
A teor do disposto no art. 4º, I, da Lei Federal nº 9.289/96, as Autarquias são isentas do pagamento de custas na Justiça Federal.
De outro lado, o art. 1º, §1º, deste diploma legal, delega à legislação estadual normatizar sobre a respectiva cobrança nas causas ajuizadas perante a Justiça Estadual no exercício da competência delegada.
Assim, o INSS está isento do pagamento de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal e naquelas aforadas na Justiça do Estado de São Paulo, por força da Lei Estadual/SP nº 11.608/03 (art. 6º).
Contudo, a legislação do Estado de Mato Grosso do Sul que dispunha sobre a isenção referida (Leis nº 1.135/91 e 1.936/98) fora revogada a partir da edição da Lei nº 3.779/09 (art. 24, §§1º e 2º), razão pela qual é de se atribuir ao INSS o ônus do pagamento das custas processuais nos feitos que tramitam naquela unidade da Federação.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Da mesma forma, tendo em vista a reafirmação da DER e com base no julgado do C. STJ, inviável a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios no caso dos autos.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, observado o exposto acerca dos consectários e honorários advocatícios.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
- Em cumprimento ao deliberado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de agravo em recurso especial, prossigo no julgamento da apelação, a fim de analisar os pleitos de concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida e de restauração da tutela jurídica antecipada.
- Os períodos de trabalho rural e urbano podem ser somados para obtenção da carência exigida para fins de aposentadoria por idade híbrida, desde que alcançado o requisito etário, nos termos do art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n. 11.718/2008.
- O implemento da idade depois da perda da qualidade de segurado não obsta o deferimento do benefício, desde que satisfeita a carência exigida a qualquer momento. Incidência do § 1º do artigo 3º da Lei n. 10.666/2003.
- No cômputo da carência do benefício híbrido é possível contar o tempo de atividade rural exercida em período remoto e descontínuo, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento de contribuições (Tema Repetitivo n. 1.007 do STJ).
- A comprovação do exercício da atividade rural deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à sua data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).
- Conjunto probatório insuficiente à comprovação de atividade rural nos períodos debatidos. Benefício indevido.
- Inversão da sucumbência. Condenação da parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
- Apelação provida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADORA FEDERAL
