Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1881760 / SP
0026330-34.2013.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
12/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/08/2019
Ementa
PROCESSO CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA TIDA POR INTERPOSTA. PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DECISÃO MONOCRÁTICA TRANSITADA EM
JULGADO. ALTERAÇÃO DO PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO. DEVOLUÇÃO DOS
VALORES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM
CAUSA. PRESERVAÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL DA PREVIDÊNCIA.
LIMITE DO DESCONTO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. REMESSA NECESSÁRIA E
APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDAS. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO
JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. INVERSÃO DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA.
DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
1 - No caso, o INSS foi condenado a se abster de efetuar descontos no benefício recebido pela
parte autora e a restituir os valores já cobrados, acrescidos de correção monetária e juros
moratórios. Assim, não havendo como se apurar o valor da condenação, trata-se de sentença
ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e
da Súmula 490 do STJ.
2 - O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui
alicerce do sistema jurídico desde a época do direito romano e encontra-se atualmente
disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial
obtido por um sujeito de direito que acarrete necessariamente o empobrecimento de outro, deve
possuir um motivo juridicamente legítimo, sob pena de ser considerado inválido e seus valores
serem restituídos ao anterior proprietário. Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
o ordenamento jurídico disponibiliza à parte lesada os instrumentos processuais denominados
ações in rem verso, a fim de assegurar o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação
de repetição de indébito.
3 - A propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal.
4 - Ademais, na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos
valores pagos indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo
115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99.
5 - Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador
reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas
alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias.
6 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o
enriquecimento sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício
ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio
financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais
segurados e em risco à continuidade dessa rede de proteção.
7 - No caso concreto, a parte autora ajuizou demanda perante a 1ª Vara Cível da Comarca de
Cândido Mota, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença ou a concessão de
aposentadoria por invalidez. Na sentença prolatada naquele processo, a ação foi julgada
procedente, a fim de condenar o INSS a implantar, em favor da parte autora, o benefício de
aposentadoria por invalidez e a pagar as prestações atrasadas "a partir da propositura da
ação", acrescidas de correção monetária, juros moratórios e honorários advocatícios. Na
mesma ocasião, foi determinada a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, a fim de
permitir a imediata implantação do benefício. A Autarquia Previdenciária comunicou o
cumprimento desta ordem judicial em 13/01/2009.
8 - Entretanto, ao apreciar os recursos interpostos contra a sentença supramencionada, este
Egrégio Tribunal deu provimento à apelação adesiva da parte autora, a fim de estabelecer que
o termo inicial do benefício "deve ser fixado conforme requerido pela parte autora, isto é, desde
a data da cessação do auxílio-doença (24/04/02), sendo devida a cobertura previdenciária
desde que o INSS cessou sua prestação, pois as lesões constatadas pelo perito judicial, além
de totalmente incapacitantes, são as mesmas que motivaram a concessão administrativa, não
rendendo ensejo a eventual descontinuidade do benefício".
9 - Assim, o termo inicial do benefício, que tinha originalmente sido estabelecido na data da
propositura da demanda por sentença provisória, foi posteriormente alterado pela decisão
monocrática transitada em julgado, a fim de satisfazer plenamente a pretensão da parte autora.
Como corolário desta modificação, houve a retificação do período básico de cálculo a ser
considerado, para fins de cálculo da RMI.
10 - O cálculo da renda mensal inicial do benefício deve ser regulado pela legislação vigente à
época da concessão, em respeito ao princípio tempus regit actum. Precedente.
11 - O salário-de-benefício adotado no cálculo da renda mensal inicial da aposentadoria,
portanto, deveria ser apurado conforme o disposto no artigo 29, II, da Lei 8.213/91, com a
redação dada pela Lei 9.876/99, norma vigente à época do termo inicial do benefício
(24/4/2002).
12 - Desse modo, com a exclusão do período de 24/04/2002 a 05/4/2005, adotado no cálculo da
RMI por ocasião da implantação do benefício em razão da tutela antecipada, houve uma
redução da média aritmética que determina o salário-de-benefício e, por conseguinte, da renda
mensal do benefício e um crédito a receber em favor da Autarquia Previdenciária, o qual vem
sendo cobrado mediante consignação, nos termos do artigo 115, II, da Lei n. 8.213/91.
13 - Ora, constitui pressuposto para a configuração da boa-fé no recebimento de benefício
previdenciário, não apenas a legalidade, mas também o carácter definitivo do pagamento, o que
não ocorreu na hipótese. A implantação antecipada da aposentadoria decorreu de provimento
jurisdicional provisório, que foi parcialmente revisto na Instância 'ad quem', de modo que
incabível a alegação de inexigibilidade dos valores, em razão da boa-fé. Precedente.
14 - Nem se alegue ignorância quanto às consequências financeiras da referida modificação,
uma vez que a parte autora estava regularmente representada por advogado apto a esclarecer
as repercussões jurídicas da decisão. Ademais, ninguém se escusa de cumprir a lei sob o
pretexto de desconhecer a sua existência ou significado, nos termos do artigo do 3º da Lei de
introdução às normas do Direito Brasileiro.
15 - É importante destacar que o caso não se trata de cobrança de valores pagos
indevidamente, em virtude de revogação dos efeitos da antecipação da tutela, tema afetado
pelo C. Superior Tribunal de Justiça ao julgamento de representativo de controvérsia, mas sim
de modificação do período básico de cálculo em razão de alteração do termo inicial do benefício
na via recursal.
16 - Afigura-se legítima a condenação da parte autora na devolução dos valores indevidamente
recebidos, limitando-se, entretanto, o desconto do ressarcimento a 10% (dez por cento) do valor
mensal do benefício previdenciário que recebe atualmente, nos termos do artigo 115, II e §1º da
Lei n. 8.213/91 e artigo 154, II, § 3º do Decreto n. 3.048/99.
17 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenada a parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da
causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo
§3º do art. 98 do CPC.
18 - Remessa necessária, tida por interposta, e apelação do INSS parcialmente providas.
Sentença reformada. Ação julgada parcialmente procedente. Inversão dos ônus sucumbenciais,
com suspensão de efeitos.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
remessa necessária, tida por interposta, e à apelação do INSS, para reconhecer a legalidade da
cobrança dos valores pagos indevidamente, em virtude da modificação do período básico de
cálculo da RMI, contudo, limitando o desconto do ressarcimento a 10% (dez por cento) do valor
mensal do benefício previdenciário recebido pelo autor, condenando este no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais devem ser arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da
causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo
§3º do art. 98 do CPC, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
