
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5374517-65.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIO ROGERIO GODOY, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: PRISCILA FERNANDES RELA - SP247831-A, AGNALDO LUIS FERNANDES - SP112438-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIO ROGERIO GODOY
Advogados do(a) APELADO: AGNALDO LUIS FERNANDES - SP112438-A, PRISCILA FERNANDES RELA - SP247831-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5374517-65.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: MARCIO ROGERIO GODOY, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: PRISCILA FERNANDES RELA - SP247831-A, AGNALDO LUIS FERNANDES - SP112438-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARCIO ROGERIO GODOY
Advogados do(a) APELADO: AGNALDO LUIS FERNANDES - SP112438-A, PRISCILA FERNANDES RELA - SP247831-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997, regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial, independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n. 2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art. 543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do tempo.
Neste caso, em relação ao período de 1º/7/1981 a 30/12/1983, consta anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) da função de frentista em posto de combustíveis, passível de ser enquadrada como atividade especial em razão do ofício (até 28/4/1995), consoante jurisprudência firmada nesta Corte.
Com efeito, essa atividade é considerada perigosa nos termos da Portaria n. 3.214/1978, NR-16, Anexo 2 ("Atividades e Operações Perigosas com Inflamáveis"), item 1, letra "m" ("nas operações em postos de serviço e bombas de abastecimento de inflamáveis líquidos") e item 3, letras "q" ("abastecimento de inflamáveis") e "s" ("armazenamento de vasilhames que contenham inflamáveis líquidos ou vazios não desgaseificados ou decantados, em locais abertos"); e o Supremo Tribunal Federal, por força da Súmula 212, também reconhece a periculosidade do trabalho do empregado de posto de revenda de combustível líquido.
Nesse sentido: TRF3, APELREEX 00060038320134036114, Nona Turma, Rel. Desembargador Federal Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial Data: 29/11/2016; TRF3, APELREEX 00098069520124036183, Décima Turma, Rel. Desembargador Federal Sergio Nascimento, e-DJF3 Judicial 1 Data: 28/9/2017; e TRF3, REO 00081409820084036183, Sétima Turma, Rel. Desembargador Federal Paulo Domingues, e-DJF3 Judicial Data: 19/9/2017.
Ademais, no tocante a esse intervalo, cumpre acrescentar que a parte autora logrou demonstrar, via formulário, exposição habitual e permanente a agentes químicos deletérios (hidrocarbonetos aromáticos, tais como: combustíveis e óleos lubrificantes), situação que se amolda aos códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 1.0.17 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Especificamente ao interregno enquadrado como especial, de 1º/1/2004 a 27/8/2009, a parte autora logrou demonstrar, via Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites previstos nas normas regulamentares, situação que possibilita a contagem diferenciada em conformidade com os códigos 2.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999.
Cumpre ressaltar que a utilização de metodologia diversa para a aferição do nível de agente nocivo, não descaracteriza a especialidade, uma vez que demonstrada a exposição a ruído superior ao limite considerado salubre, por meio do PPP apresentado, documento que reúne as informações laborais do trabalhador, sua exposição a agentes nocivos conforme indicação do laudo ambiental da empresa empregadora, com o nome do profissional legalmente habilitado, responsável pela elaboração dessa perícia e a assinatura da empresa ou do preposto respectivo.
Nesse sentido já decidiu este Tribunal: Ap – Apelação Cível - 2306086 0015578-27.2018.4.03.9999, Desembargadora Federal Inês Virgínia – 7ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 7/12/2018; Ap – Apelação Cível - 3652270007103-66.2015.4.03.6126, Desembargador Federal Baptista Pereira – 10ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 19/7/2017.
Contudo, não prospera a contagem diferenciada para os interregnos de 6/3/1997 a 8/10/1998, de 1º/4/1999 a 18/11/2003 e de 28/8/2009 a 31/10/2009.
Nessa toada, no tocante a esses períodos, constata-se que os Perfis Profissiográficos Previdenciários (em nome do autor) coligidos aos autos indicam níveis de ruído inferiores aos limites legais previstos nos decretos, de modo que o trabalho não pode ser considerado como especial.
Além disso, não é possível presumir que houve a exposição habitual e permanente a agentes químicos (conforme alegado pela parte autora), quando não indicada em Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) regularmente emitido em nome do autor.
Da mesma forma, não é possível o enquadramento do período de 28/8/2009 a 31/10/2009 por não estar respaldado em PPP.
O Perfil Profissiográfico Previdenciário (Id. 149136578 - Pág. 23/24) referente ao lapso de 6/4/1999 a 27/8/2009, não indica exposição a agentes nocivos no intervalo posterior a essa última data.
De fato, não foram juntados documentos hábeis a demonstrar a pretendida especialidade ou o alegado trabalho nos moldes previstos nos instrumentos normativos supramencionados no tocante ao interstício supracitado.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas nos intervalos de 1º/7/1981 a 30/12/1983 e 1º/1/2004 a 27/8/2009, em acréscimo aos lapsos especiais incontroversos, de 2/2/1987 a 5/3/1997 e 19/11/2003 a 31/12/2003, reconhecidos administrativamente.
Nessas circunstâncias, a parte autora faz jus à revisão da RMI do benefício em contenda, para computar o acréscimo resultante da conversão dos intervalos enquadrados, vedado o cômputo em duplicidade de eventuais períodos já enquadrados administrativamente.
Portanto, irretorquível a decisão a quo que acolheu o pleito revisional da parte autora.
Fica mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto,
nego provimento
à apelação do INSS edou parcial provimento
à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação, também enquadrar como atividade especial o intervalo de 1º/7/1981 a 30/12/1983.É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. FRENTISTA. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. ENQUADRAMENTO PARCIAL. REVISÃO DA RMI.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC).
- Sobre a questão da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), entretanto, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de descaracterizar a nocividade do agente.
- Atividade de frentista é considerada perigosa nos termos da Portaria n. 3.214/78, NR-16, Anexo 2, item 1, letra "m" e item 3, letras "q" e "s"; e o Supremo Tribunal Federal, por força da Súmula 212, também reconhece a periculosidade do trabalho do empregado de posto de revenda de combustível líquido. Precedentes.
- Comprovada a exposição habitual e permanente a agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos), situação que se amolda aos códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
- Para parte dos períodos requeridos, restou demonstrada a exposição habitual e permanente a ruído em níveis superiores aos limites previstos nas normas regulamentares (códigos 2.0.1 dos anexos dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999).
- Não há que se falar em inviabilidade do reconhecimento da especialidade com fundamento na utilização de metodologia diversa da determinada pela legislação. Precedentes.
- Incabível o enquadramento dos intervalos nos quais os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPP) evidenciam a exposição ao agente nocivo ruído em níveis inferiores aos limites legais previstos nos decretos.
- Devida a revisão da RMI da aposentadoria por tempo de contribuição, para computar o acréscimo resultante dos lapsos ora enquadrados.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação do INSS desprovida.
- Apelação da parte autora parcialmente provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
