Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0012110-96.2014.4.03.6183
Relator(a)
Desembargador Federal DALDICE MARIA SANTANA DE ALMEIDA
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
21/02/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 28/02/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. SENTENÇA ULTRA PETITA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO. ATIVIDADE RURAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CALOR. INDÚSTRIA TEXTIL. RUÍDO.
REQUISITOS PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. CONSECTÁRIOS.
- Inclusão, pela r. sentença, de período de tempo de serviço especial não pleiteado à exordial,
caracterizando-se como ultra petita, o que impõe sua adequação aos limites da pretensão
veiculada, na forma dos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural alegado, independentemente do
recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º,
e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Neste caso, depreende-se dos documentos coligidos aos autos o exercício de trabalho em
indústria têxtil como “operador de rama”, com exposição habitual e permanente ao agente nocivo
calor em níveis superiores ao limite de tolerância previsto na Portaria MTB n. 3.214, de 08 de
junho de 1978, NR - 15, anexo 3, quadro 1, atividade moderada.
- Atividades prestadas em setores de fiação e tecelagem de indústria têxtil possuem caráter
evidentemente insalubre. Precedentes.
- Perfis Profissiográficos Previdenciários – PPPs demonstram a exposição habitual e permanente
a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares -
códigos 1.1.6 do anexo do Decreto n. 53.831/64 e 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/79.
- Somados os lapsos incontroversos aos períodos reconhecidos, viável a concessão do benefício
de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto preenchido o requisito temporal.
- Termo inicial fixado na data da citação.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017).
Fica afastada a incidência da Taxa Referência (TR) na condenação, pois a Suprema Corte, ao
apreciar embargos de declaração apresentados nesse recurso extraordinário, decidiu pela não
modulação dos efeitos.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação (art. 240 do CPC/2015), à razão de 0,5%
(meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do CC/2002
(11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos
artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de
juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações introduzidas no
art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão Geral no RE n.
870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em
Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
- Condena-se o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre
a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão,
consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior
Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente da fase recursal. Todavia, na fase de
execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo 85, § 4º, II, do
mesmo código, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar duzentos salários mínimos.
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da
liquidação do julgado.
- Apelações da parte autora e do INSS parcialmente providas.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0012110-96.2014.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: HELIO CARDOSO LOPES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: HUGO GONCALVES DIAS - SP194212-A, FERNANDO
GONCALVES DIAS - SP286841-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, HELIO CARDOSO LOPES
Advogados do(a) APELADO: FERNANDO GONCALVES DIAS - SP286841-S, HUGO
GONCALVES DIAS - SP194212-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0012110-96.2014.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: HELIO CARDOSO LOPES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: HUGO GONCALVES DIAS - SP194212-A, FERNANDO
GONCALVES DIAS - MG95595-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, HELIO CARDOSO LOPES
Advogados do(a) APELADO: FERNANDO GONCALVES DIAS - MG95595-S, HUGO
GONCALVES DIAS - SP194212-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: trata-se de ação de conhecimento
proposta contra o INSS, na qual a parte autora busca o reconhecimento de atividade rural e o
enquadramento de atividade especial, com vistas à concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer como tempo de serviço
do autor, em atividade rural, o período de 01/01/1982 a 31/12/1983, bem como a atividade
especial nos interstícios de 18/03/2003 a 15/12/2003, 17/06/2004 a 05/02/2008 e 27/07/2009 a
27/05/2014.
Inconformada, a parte autora interpôs apelação, na qual pugna pelo reconhecimento da atividade
rural no interstício de 01/01/1975 a 28/05/1987 e da especialidade das atividades exercidas nos
períodos de 18/07/1989 a 05/07/1994 e 22/07/1998 a 27/08/1999, com a consequente concessão
do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento
administrativo (DER).
Não resignada, a autarquia também interpôs apelação, na qual sustenta que a parte autora não
logrou comprovar o labor rural e especial nos interregnos reconhecidos pelo Juízo a quo.
Subsidiariamente, pugna pela alteração dos critérios de fixação da correção monetária e juros de
mora. Prequestiona a matéria para fins de recurso.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0012110-96.2014.4.03.6183
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: HELIO CARDOSO LOPES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: HUGO GONCALVES DIAS - SP194212-A, FERNANDO
GONCALVES DIAS - MG95595-S
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, HELIO CARDOSO LOPES
Advogados do(a) APELADO: FERNANDO GONCALVES DIAS - MG95595-S, HUGO
GONCALVES DIAS - SP194212-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: conheço dos recursos, porquanto
presentes os requisitos de admissibilidade.
Preliminarmente, constata-se que o Juízo a quo, ao prolatar a r. sentença, incluiu período de
atividade especial – 20/02/2014 a 27/05/2014 - não pleiteado à exordial.
Ao assim atuar, incorreu o d. magistrado nas vedações expressas dos artigos 141 e 492 do
Código de Processo Civil, caracterizando sua decisão como ultra petita o que impõe sua
adequação aos limites da pretensão veiculada.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do tempo de serviço rural
Segundo o artigo 55, e respectivos parágrafos, da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§ 1º A averbação de tempo de serviço durante o qual o exercício da atividade não determinava
filiação obrigatória ao anterior Regime de Previdência Social Urbana só será admitida mediante o
recolhimento das contribuições correspondentes, conforme dispuser o Regulamento, observado o
disposto no § 2º.
§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta
Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.
§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada
em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento."
Sobre a prova do tempo de exercício da atividade rural, certo é que o legislador, ao garantir a
contagem de tempo de serviço sem registro anterior, exigiu o início de prova material, no que foi
secundado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça quando da edição da Súmula 149.
Também está assente, na jurisprudência daquela Corte, ser: "(...) prescindível que o início de
prova material abranja necessariamente esse período, dês que a prova testemunhal amplie a sua
eficácia probatória ao tempo da carência, vale dizer, desde que a prova oral permita a sua
vinculação ao tempo de carência." (AgRg no REsp n. 298.272/SP, Relator Ministro Hamilton
Carvalhido, in DJ 19/12/2002)
Ressalto que no julgamento do Resp 1.348.633/SP, da relatoria do Ministro Arnaldo Esteves
Lima, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, o E. Superior Tribunal de Justiça, examinando a
matéria concernente à possibilidade de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao
documento mais antigo apresentado, consolidou o entendimento de que a prova material juntada
aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data
do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal.
No caso vertente, em relação ao interregno controverso (de 01/01/1975 a 28/05/1987), há início
razoável de prova material, consubstanciado no Título de Eleitor, emitido em 05/09/1982, no qual
a parte autora é qualificada como “lavrador”, bem como nos documentos em nome do genitor, tais
como: certidão de 27/07/1983 referente à matrícula do imóvel rural e certificado de cadastro no
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
Os testemunhos colhidos sob o crivo do contraditório, por sua vez, corroboraram o labor
asseverado pela parte autora, desde tenra idade, em regime de economia familiar.
A respeito do labor desde criança, entende-se na jurisprudência ser possível o reconhecimento de
tempo de serviço em períodos anteriores à Constituição Federal de 1988, nas situações em que o
trabalhador rural tenha iniciado suas atividades antes dos 14 anos.
O entendimento desta Egrégia Nona Turma é no sentido de que, não havendo elementos seguros
que apontem o início da atividade, deve ser computado o tempo de serviço desde os 12 (doze)
anos de idade (STJ, AR n. 3.629, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, DJ
9/9/2008).
Tal se dá porque, conquanto histórica a vedação constitucional do trabalho infantil, na década
1960 a proibição alcançava apenas os menores de 12 anos. Isso indica que nossos constituintes
viam, àquela época, como realidade incontestável, que o menor efetivamente desempenhava
atividade no campo ao lado dos pais.
A questão, inclusive, já foi decidida pela Turma de Uniformização das Decisões dos Juizados
Especiais Federais, que editou a Súmula n. 5: "A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14
anos, até o advento da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser
reconhecida para fins previdenciários." (DJ 25/09/2003)
Deste modo, joeirado o conjunto probatório, entendo demonstrado o trabalho rural no intervalo de
27/07/1975 a 28/05/1987, independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins
de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º, e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n.
8.213/1991).
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma; Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Egrégio STJ, assentou-
se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente
até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais
do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Sobre a questão, entretanto, o Colendo Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n.
664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de
neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso
concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente
a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição
do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade
do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Neste caso, em relação aos intervalos de 18/07/1989 a 05/07/1994 e 22/07/1998 a 27/08/1999,
depreende-se dos documentos coligidos aos autos o exercício de trabalho em indústria têxtil
como “operador de rama”, com exposição habitual e permanente ao agente nocivo calor em
níveis superiores ao limite de tolerância previsto na Portaria MTB n. 3.214, de 08 de junho de
1978, NR - 15, anexo 3, quadro 1, atividade moderada.
Cabe salientar que as atividades prestadas em setores de fiação e tecelagem de indústria têxtil
possuem caráter evidentemente insalubre. Há, nessa esteira, precedentes do Conselho de
Recursos da Previdência Social, aplicando o Parecer n. 85/78 do Ministério da Segurança Social
e do Trabalho, cujo teor estabelece que todos os trabalhos efetuados em tecelagens dão direito à
Aposentadoria Especial (TRF3 – Sétima Turma - ApCiv 0001959-61.2013.4.03.6133,
Desembargador Federal Carlos Delgado, e-DJF3 4/11/2019; TRF4 - Quinta Turma - AC
200004011163422, Desembargador Federal Luiz Carlos Cervi, j. 7/5/2003, DJ 14/5/2003, p.
1048).
Quanto aos intervalos de 19/03/2003 a 15/12/2003, 17/06/2004 a 05/02/2008 e 27/07/2009 a
19/02/2014, a parte autora logrou demonstrar, via PPPs, a exposição habitual e permanente a
níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares -
códigos 1.1.6 do anexo do Decreto n. 53.831/64 e 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/79.
Ademais, diante das circunstâncias da prestação laboral descritas no formulário, conclui-se que,
na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade dos agentes.
Destarte, prospera o pleito de reconhecimento das atividades especiais nos interstícios de
18/07/1989 a 05/07/1994, 22/07/1998 a 27/08/1999, 19/03/2003 a 15/12/2003, 17/06/2004 a
05/02/2008 e 27/07/2009 a 19/02/2014.
Da aposentadoria por tempo de contribuição
Antes da edição da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a aposentadoria
por tempo de serviço estava prevista no art. 202 da Constituição Federal, assim redigido:
"Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a
média dos trinta e seis últimos salários-de-contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e
comprovada a regularidade dos reajustes dos salários-de-contribuição de modo a preservar seus
valores reais e obedecidas as seguintes condições:
(...)
II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior,
se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física,
definidas em lei:
(...)
§ 1º - É facultada aposentadoria proporcional, após trinta anos de trabalho, ao homem, e, após
vinte e cinco, à mulher."
Já na legislação infraconstitucional, a previsão está contida no artigo 52 da Lei n. 8.213/1991:
"Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta
Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30
(trinta) anos, se do masculino."
Assim, para fazer jus ao benefício de aposentadoria por tempo de serviço, o segurado teria de
preencher somente dois requisitos, a saber: tempo de serviço e carência.
Com a inovação legislativa trazida pela citada Emenda Constitucional, de 15/12/1998, a
aposentadoria por tempo de serviço foi extinta, restando, contudo, a observância do direito
adquirido. Isso significa dizer: o segurado que tivesse satisfeito todos os requisitos da
aposentadoria integral ou proporcional, sob a égide daquele regramento, poderia, a qualquer
tempo, pleitear o benefício.
Àqueles, no entanto, que estavam em atividade e ainda não preenchiam os requisitos à época da
Reforma Constitucional, a Emenda em comento, no seu artigo 9º, estabeleceu regras de
transição e passou a exigir, para quem pretendesse se aposentar na forma proporcional, requisito
de idade mínima (53 anos para os homens e 48 anos para as mulheres), além de um adicional de
contribuições no percentual de 40% sobre o valor que faltasse para completar 30 anos (homens)
e 25 anos (mulheres), consubstanciando o que se convencionou chamar de "pedágio".
No caso vertente, os períodos em carteira de trabalho são suficientes para o preenchimento do
requisito da carência, em conformidade com o artigo 142 da Lei n. 8.213/1991.
Ainda, somados os lapsos incontroversos ao labor rural reconhecido e aos períodos de atividade
especial (devidamente convertidos), a parte autora conta mais de 35 anos na data do
requerimento administrativo (DER: 27/05/2014), de modo que estão presentes os requisitos para
a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição deferida.
Dos consectários.
Em razão da comprovação do trabalho rural somente ser possível nestes autos, mormente em
razão da produção de prova testemunhal apta a corroborar o início de prova material, o termo
inicial do benefício deve ser fixado na data da citação, momento em que a autarquia teve ciência
da pretensão e a ela pôde resistir.
Quanto à correção monetária, esta deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da
legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos
na Justiça Federal, utilizando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017).
Fica afastada a incidência da Taxa Referência (TR) na condenação, pois a Suprema Corte, ao
apreciar embargos de declaração apresentados nesse recurso extraordinário, deliberou pela não
modulação dos efeitos.
Com relação aos juros moratórios, estes devem ser contados da citação (art. 240 do CPC), à
razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do
CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos
termos dos artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a
taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações
introduzidas no art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão
Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a
tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
Tendo em vista a sucumbência mínima experimentada pela parte autora, pois o bem almejado (
aposentadoria por tempo de contribuição) restou acolhido, condeno o INSS a pagar honorários de
advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das
parcelas vencidas até a data deste acórdão, consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11,
do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente da
fase recursal.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo
85, § 4º, II, do mesmo código, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar duzentos
salários mínimos.
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Possíveis valores não cumulativos recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados
por ocasião da liquidação do julgado, sendo facultada à parte autora a opção por benefício mais
vantajoso.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma
à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, reduzo, de ofício, a r. sentença aos limites do pedido e dou parcial provimento
às apelações da parte autora e do INSS para, nos termos da fundamentação: (i) reconhecer o
trabalho rural, sem registro em CTPS, no período de 27/07/1975 a 28/05/1987,
independentemente do recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem
recíproca (artigo 55, § 2º e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/91); (ii) delimitar o
reconhecimento da especialidade aos interstícios de 18/07/1989 a 05/07/1994, 22/07/1998 a
27/08/1999, 19/03/2003 a 15/12/2003, 17/06/2004 a 05/02/2008 e 27/07/2009 a 19/02/2014; (iii)
reconhecer o direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data da
citação; (iv) discriminar os critérios de incidência dos consectários.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. SENTENÇA ULTRA PETITA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO. ATIVIDADE RURAL. ATIVIDADE ESPECIAL. CALOR. INDÚSTRIA TEXTIL. RUÍDO.
REQUISITOS PREENCHIDOS PARA A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. CONSECTÁRIOS.
- Inclusão, pela r. sentença, de período de tempo de serviço especial não pleiteado à exordial,
caracterizando-se como ultra petita, o que impõe sua adequação aos limites da pretensão
veiculada, na forma dos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil.
- Conjunto probatório suficiente para demonstrar o labor rural alegado, independentemente do
recolhimento de contribuições, exceto para fins de carência e contagem recíproca (artigo 55, § 2º,
e artigo 96, inciso IV, ambos da Lei n. 8.213/1991).
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os trabalhadores assim
enquadrados poderão fazer a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo",
independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- O enquadramento efetuado em razão da categoria profissional é possível somente até
28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995).
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Neste caso, depreende-se dos documentos coligidos aos autos o exercício de trabalho em
indústria têxtil como “operador de rama”, com exposição habitual e permanente ao agente nocivo
calor em níveis superiores ao limite de tolerância previsto na Portaria MTB n. 3.214, de 08 de
junho de 1978, NR - 15, anexo 3, quadro 1, atividade moderada.
- Atividades prestadas em setores de fiação e tecelagem de indústria têxtil possuem caráter
evidentemente insalubre. Precedentes.
- Perfis Profissiográficos Previdenciários – PPPs demonstram a exposição habitual e permanente
a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares -
códigos 1.1.6 do anexo do Decreto n. 53.831/64 e 1.1.5 do anexo do Decreto n. 83.080/79.
- Somados os lapsos incontroversos aos períodos reconhecidos, viável a concessão do benefício
de aposentadoria por tempo de contribuição, porquanto preenchido o requisito temporal.
- Termo inicial fixado na data da citação.
- A correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação
superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na
Justiça Federal, aplicando-se o IPCA-E (Repercussão Geral no RE n. 870.947, em 20/9/2017).
Fica afastada a incidência da Taxa Referência (TR) na condenação, pois a Suprema Corte, ao
apreciar embargos de declaração apresentados nesse recurso extraordinário, decidiu pela não
modulação dos efeitos.
- Os juros moratórios devem ser contados da citação (art. 240 do CPC/2015), à razão de 0,5%
(meio por cento) ao mês, por força do art. 1.062 do CC/1916, até a vigência do CC/2002
(11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, nos termos dos
artigos 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de
juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança, consoante alterações introduzidas no
art. 1º-F da Lei n. 9.494/1997 pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009 (Repercussão Geral no RE n.
870.947, em 20/9/2017), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em
Repercussão Geral no RE n. 579.431, em 19/4/2017.
- Condena-se o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre
a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão,
consoante critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC e Súmula n. 111 do Superior
Tribunal de Justiça, já aplicada a majoração decorrente da fase recursal. Todavia, na fase de
execução, o percentual deverá ser reduzido, se o caso, na hipótese do artigo 85, § 4º, II, do
mesmo código, se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar duzentos salários mínimos.
- Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia
Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem
como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do
pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da
sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
- Possíveis valores recebidos na esfera administrativa deverão ser compensados por ocasião da
liquidação do julgado.
- Apelações da parte autora e do INSS parcialmente providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu reduzir, de ofício, a r. sentença aos limites do pedido e dar parcial
provimento às apelações da parte autora e do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
